FAÇA DIFERENTE

FAÇA DIFERENTE
FAÇA a COISA CERTA

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Os protestantes e a política


Uma das questões maiores de nosso tempo é a relação entre religião e política. O filósofo italiano Giorgio Agamben, em seu livro O Reino e A Glória, foi mais longe do que o habitual no desvelamento da dependência entre as estruturas institucionais dos Estados laicos e as construções teológicas. Maneira de dizer que o campo político moderno não é o campo da laicização da sociedade, mas a esfera da secularização de construções teológicas. 
Uma das consequências desse raciocínio está na consciência de que talvez nossas sociedades ocidentais nunca consigam se livrar da matriz teológica que nos constituiu. O que coloca questões importantes para aqueles que compreendem como o desafio maior para os processos de modernização social encontra-se na desativação do conservadorismo político, moral e de costumes patrocinado  atualmente pelas igrejas.

Nesse sentido, vale a pena insistir em uma estratégia que não consiste simplesmente na desqualificação dos discursos teológicos enquanto matrizes para a vida social. Mais produtiva seria a exploração de suas tendências contraditórias.
Vejamos, por exemplo, o caso dos protestantes. Atualmente, o Brasil encontra-se diante da recrudescência da força política das igrejas evangélicas, normalmente associadas a uma pauta radicalmente conservadora em matéria de costumes e política. O que não poderia ser diferente, uma vez que as missões evangélicas que vieram para o Brasil nas primeiras décadas do século XX partiram, principalmente, de grupos profundamente ancorados no Sul dos Estados Unidos. Os mesmos grupos que hoje constituem o Bible Belt, dando suporte às alas mais conservadoras do Partido Republicano, como as famosas igrejas batistas do Sul.
No entanto, a tradição protestante contém, em seu interior, uma impressionante prática revolucionária, isso ao menos desde Thomas Müntzer, reformador líder da revolta dos camponeses contra a opressão pelos príncipes alemães. A esse respeito, Ernst Bloch escreveu um belo livro: Thomas Müntzer, Teólogo da Revolução. 
Lembremos ainda como são os protestantes que enunciarão, ao menos no Ocidente, a centralidade do direito de resistência contra a opressão. Longe de ser a simples enunciação dos direitos da individualidade liberal-burguesa, ele se funda na noção de que os valores maiores presentes na vida social podem ser objeto de problematização e crítica, o que exige a institucionalização da liberdade.
Em Calvino encontramos uma afirmação como: “Os governantes de um povo livre devem envidar todo esforço a fim de que a liberdade do povo, pelo qual são responsáveis, não desvaneça de modo algum em suas mãos. Mais do que isso: quando dela descuidarem, ou a enfraquecerem, devem ser considerados traidores da pátria”. É fato que ele evita generalizar tal consideração sob a forma de um direito geral de resistência. No entanto, a noção calvinista mostra claramente a possibilidade de uma crítica ao poder feita em nome de exigências de institucionalização da liberdade.
Essa crítica será radicalizada por setores do pensamento reformado, como o próprio Müntzer e alguns reformadores puritanos ingleses. A partir deles, o direito de resistência aparece como fundamento da vida social. Essa abertura do pensamento reformado ao problema da resistência alcançará o pensamento político. Ela será radicalizada pela tradição revolucionária francesa, que não deixará de ser influenciada pelos huguenotes.
Lembremos como uma parte significativa da luta contra a discriminação e pela desobediência civil nos EUA foi feita por pastores protestantes, como Martin Luther King Jr. Ele não lutou apenas pelo fim da discriminação contra os negros, mas também contra a desigualdade econômica e contra a Guerra do Vietnã, que ele compreendia claramente como uma guerra imperialista, a ponto de defender a reforma agrária no Vietnã do Norte.
É de Martin Luther King a afirmação de que há algo errado com o capitalismo. “Deveria haver uma melhor distribuição de recurso e talvez a América deveria ir em direção ao socialismo democrático”. Neste momento em que uma faixa dos protestantes parece abraçar despudoradamente causas conservadoras, valeria a pena meditar sobre essa outra tradição que os constituiu.

FONTE: CARTA CAPITAL / Vladimir Safatle

domingo, 28 de abril de 2013

Por que o marxismo é otimista?

Os revolucionários estão engajados num projeto
 estratégico que sempre foi considerado otimista.


A questão da disponibilidade subjetiva mais otimista ou mais pessimista em relação às perspetivas do socialismo permanece digna de interesse.

Não há porque não reconhecer que o projeto revolucionário atraiu, preferencialmente, pessoas animadas por uma atitude otimista. Essa perspetiva sobre o futuro da condição humana, e as possibilidades históricas da luta igualitarista dos trabalhadores ajuda a manter, politicamente, um compromisso militante, para além das vicissitudes das derrotas mais imediatas. Esta aposta repousou na esperança de que o proletariado, uma maioria assalariada que permanece politicamente dominada, socialmente oprimida e economicamente explorada, seria capaz de lutar por si mesmo de forma independente.

Entre os fundadores, e no marxismo da Segunda e, também, da Terceira Internacional predominou uma inflexível confiança de classe, e um otimismo histórico sobre a transição ao socialismo. Este otimismo foi criticado ou acusado de fatalismo ou até mesmo teleologia. Uma das suas expressões teóricas mais criticadas pode ser encontrada no “Tratado sobre Materialismo Histórico” de Bukharin. Convém notar que a fórmula sempre condenada, porém, pouco citada de Bukarin era, essencialmente, condicional:

A condição necessária para um ulterior desenvolvimento é também chamada com muita frequência de necessidade histórica. É neste sentido do termo “necessidade histórica” que podemos falar da “necessidade” da revolução francesa, sem a qual o capitalismo não teria continuado o seu crescimento, ou da “necessidade” da chamada “libertação dos servos”, em 1861, sem a qual o capitalismo russo não teria podido continuar o seu desenvolvimento. Neste sentido podemos também falar da necessidade histórica do socialismo, desde o momento que sem ele a sociedade humana não pode continuar o seu desenvolvimento. Se a sociedade deve continuar a sua marcha, o socialismo é inevitável(tradução e sublinhado nosso)1
As lutas decisivas, portanto, a hora da revolução, poderiam variar e tardar de nação para nação, mas a perspetiva estratégica abraçada pelo marxismo era otimista sobre o futuro do socialismo. O capitalismo estaria condenado a sucumbir de crise em crise, e cada terremoto destrutivo teria que provocar uma reação e resistência do proletariado. A vitória da revolução socialista, ou seja, a conquista do poder pelos trabalhadores e seus aliados permanecia condicionada pelas reviravoltas da luta de classes: um desenlace incerto. Não obstante, as derrotas parciais e nacionais seriam um momento de uma longa marcha que preparava, na dimensão mundial, novos combates em condições mais favoráveis à vitória final.

Entretanto, os medos, as inseguranças e a imaturidade do proletariado diante do desafio da luta pela direção da sociedade continuam a ser a tese que sustenta o desalento, a desesperança, portanto, o ceticismo na possibilidade de triunfo de uma estratégia revolucionária. O argumento de que 150 anos de luta pelo socialismo teriam sido mais que o bastante para demonstrar a inviabilidade do projeto pode impressionar.

O argumento é forte, mas não é novo. Esta posição não deveria surpreender em períodos de refluxo prolongado, ou depois de derrotas muito sérias, derrotas históricas. Não foi diferente depois das derrotas das revoluções de 1848, ou depois da derrota da Comuna de Paris em 1871, ou depois da derrota da revolução de 1905 na Rússia, ou depois da derrota da revolução alemã em 1923, ou depois da derrota diante do nazi-fascismo em 1945 e da república na Guerra Civil Espanhola em 1939.

O impressionismo foi sempre perigoso em política, e fatal em teoria. Os receios e as angústias diante dos desafios da luta de classes alimentam-se na força de inércia que atua, poderosamente, no sentido de manutenção e conservação da ordem. As forças de inércia histórica apoiam-se, por sua vez, em muitos fatores (materiais e culturais). Eles não devem ser subestimados. É porque são grandes estas pressões que as transformações históricas foram sempre lentas e dolorosas.

A transição socialista, a passagem do poder de uma classe privilegiada para uma maioria despojada, algo muito diferente da passagem de uma classe proprietária para outra classe proprietária, prometia, previsivelmente, ser um processo extremamente difícil. São, em geral, necessários grandes intervalos para que a classe trabalhadora possa recuperar-se da experiência de derrotas, e consiga gerar uma nova vanguarda, recuperar a confiança nas suas próprias forças, e encontrar disposição para arriscar de novo pela via da organização coletiva, da solidariedade de classe, e da mobilização de massas.
O marxismo fez uma aposta nas possibilidades da luta política. O que se quer dizer com uma aposta na política? Isso significava, para o marxismo clássico, que o capitalismo empurrava o proletariado, apesar das suas hesitações, pela via da experiência material da vida, das crises e catástrofes cíclicas, na direção da luta de classes. A história está repleta de episódios de rendição política de movimentos, frações, partidos, lideranças e chefes. Mas as classes em luta “não se rendem”. Recuam, interrompem as hostilidades, diminuem a intensidade dos combates, duvidam das suas próprias forças, mas, enquanto existem, acumulam novas experiências, reorganizam-se sob novas formas e voltam à luta. As classes podem agir, por um período, maior ou menor, contra os seus próprios interesses. Mas não podem renunciar definitivamente à defesa dos seus interesses: as classes não fazem “seppuku”.

As batalhas, os combates, cada luta são nessa escala e nessa proporção, numa perspetiva histórica, sempre batalhas parciais e transitórias, vitórias ou derrotas momentâneas. As relações de forças alteram-se, e podem ser, por um período, mais desfavoráveis ou menos, com sequelas mais duradouras ou mais superficiais. Entretanto, não existe para uma classe social a possibilidade histórica do suicídio político.

Uma classe social pode ser “destruída materialmente”, para usar uma expressão brutal, em função de um processo de desenvolvimento ou regressão histórica profunda, e deixar de existir enquanto sujeito social. Isso também já ocorreu variadas vezes na história. Mas, sempre, de forma involuntária: enquanto existir, ou seja, enquanto for económica e socialmente necessária, resistirá e lutará. Se o fará com disposição revolucionária ou não é uma outra questão.

Esse é o foco apropriado para a discussão dos vaticínios marxistas sobre o papel do proletariado. Uma aposta na luta política, para o marxismo, significava que o proletariado, mesmo consideradas todas as limitações objetivas e subjetivas que o condicionavam, mais cedo ou mais tarde, se veria diante da última alternativa, o caminho da revolução. Poderia precisar de um longo período de aprendizagem sindical e ou parlamentar para esgotar todas as outras vias, para vencer as ilusões. Ilusões nas possibilidades de reformar o capitalismo, por exemplo. Poderia, também, dispensar ou abreviar, as décadas de experiência na colaboração de classes: porque as lições se transmitem por variadas formas e, mais intensamente, na medida em que a dinâmica internacional da luta de classes se acentua.

Os proletariados aprendem com os processos de luta de classes uns dos outros, em diferentes países, e não necessariamente teriam de repetir sempre os mesmos caminhos. Mesmo num mesmo país, as “vantagens do atraso” permitem que destacamentos da classe trabalhadora aprendam com a experiência dos setores que se lançaram à luta na frente de forma pioneira.

Há, todavia, momentos na História em que as massas, exasperadas por décadas de exploração e perseguição, perdem o medo. E inclinam-se, então, perante a “última alternativa”. É aí que a revolução surge aos olhos de milhões não só como necessária, mas como possível. Quando, e em que circunstâncias, é um dos temas mais difíceis da elaboração marxista. Mas esses momentos são mais frequentes do que usualmente se pensa. E quando o proletariado perde o medo ancestral de se rebelar, toda a sociedade mergulha numa vertigem da qual não poderá emergir sem grandes convulsões e mudanças. O turbilhão da situação revolucionária é uma das tendências mais profundas da época histórica.

Quando esse sentimento de que não é mais possível continuar a viver nas condições impostas pela ordem do capitalismo é compartilhado por milhões, então, a força social da mobilização da maioria assalariada transforma-se numa das forças materiais mais poderosas da história. Uma força material terrível, maior do que os exércitos, do que as polícias, do que os média, as igrejas, quase imbatível. Esses momentos são as crises revolucionárias. Que a maioria das revoluções do século XX tenham sido derrotadas não demonstra que não venham a ocorrer novas vagas revolucionárias no futuro.

FONTE: Diário Liberdade

Historiadora lança livro sobre casamento da Princesa Isabel


A autora é especialista em história 
narrativa e autora de livros como 
'Carne e sangue' e 'O príncipe maldito'

Em 1864, quatro anos depois de ter prestado juramento solene como princesa imperial do Brasil perante as câmaras, no Rio de Janeiro, conforme previa a Constituição do Império, a herdeira do trono do Brasil, a princesa Isabel, então com 18 anos, se unia, meio a grandes festanças, ao príncipe francês Gastão de Orléans, o conde d’Eu, de 22. Apesar de ter sido um casamento arranjado por interesses políticos, como era comum entre a nobreza da época, os dois logo se apaixonaram. Pelo menos é o que garante a historiadora Mary del Priore. 

Durante anos ela investigou a trajetória do casal, desde a dificuldade inicial que a princesa teve para engravidar até a participação do seu amado na Guerra do Paraguai, além de fatos marcantes da vida brasileira do período, como a abolição da escravidão – por ato da princesa – e a proclamação da República. O resultado é 'O castelo de papel'. 

Por que você acha que o casamento do conde d’Eu com a princesa Isabel, arranjado, por conveniência política, acabou dando certo?

Foi um casamento aparentemente muito feliz. O casal se adorava e levava uma vida burguesa: “A cada dia agradeço a mais e mais a Deus tudo o que encontrei em meu casamento”, resumia Gastão. Enquanto o marido preparava sua partida para a Guerra do Paraguai, Isabel escreveu ao pai queixando-se do quanto custaria separar-se de seu “excelente e carinhoso Gastão”. Vestido de voluntário da pátria, parecia-lhe “encantador”. Por cartas, enviava-lhe violetas molhadas de lágrimas. Sem rodeios, dizia-lhe que sentia falta de suas carícias. Beijava-o de todo o coração. Quando Gastão foi instado por dom Pedro a substituir Caxias, Isabel sofreu mais ainda. Na noite de sábado, 20 de fevereiro de 1869, em que o marido recebeu a proposta do imperador para ir ao Paraguai, ela escreveu à mãe, reclamando. Quanto a dom Pedro, Isabel acusou-o de querer matar seu marido, pois Gastão estava debilitado e o médico recomendara que ele não pegasse nem chuva nem sereno. Os negócios da guerra cegavam o pai – dizia. Não queria Gastão fazendo o papel de “capitão do mato”, caçando López. E, ameaçava, iria segui-lo até o inferno!

Questões amorosas à parte, no livro percebe-se também que a princesa Isabel cresceu longe das questões políticas e parecia não se interessar por elas. Você acha que, se a República não tivesse sido proclamada e ela viesse a substituir o pai, teria condições de governar o Brasil?

Toda palavra repetida adquire o valor de uma advertência. Quantas vezes Isabel reiterou: quem lhe dera não participar de atos oficiais. Que seu pai viesse logo “arredá-la de suas responsabilidades”. Que não tinha ambição. Dom Pedro, por outro lado, tinha uma relação ambivalente com Gastão, a quem prejudicou em vários momentos, sobretudo durante a Guerra do Paraguai. Nunca fez o casal participar de questões políticas e os mantinha a uma boa distância das decisões ministeriais ou dos problemas que o país enfrentava. Várias cartas de Gastão ao seu pai, conde de Nemours, revelam o mutismo e o total alheamento em que dom Pedro os deixava. Isabel chegou a esfriar as relações com o genitor depois da morte de sua primeira filha, Luíza Vitória. Ela queria fazer o parto na Europa, onde se encontrava, e dom Pedro obrigou o casal a voltar ao Brasil. Um mau parto a fez perder a criança. No aniversário de morte de Luíza Vitória ele quis ir visitá-la. Ela escreveu a Gastão: “Longe de me distrair, isso só vai me incomodar. Por isso, tu podes dizer a ele que eu prefiro passar esses dias sozinha, com a minha tristeza. (...) eu lhe peço que, em todo caso, não venha a Petrópolis nesses dias”. Para não haver dúvidas, a princesa escreveu à mãe. Que não lhe aparecessem entre 26 e 28 de julho. Alguém teve que pagar pela morte da menina. Há vários episódios, bastante documentados por biógrafos e agora reforçados por minha pesquisa, em que se revela o pouco interesse de dom Pedro em preparar o casal para o Terceiro Império.

Falta de interesse do imperador em preparar a filha para governar, Guerra do Paraguai, libertação dos escravos. O que mais você acha que contribuiu para que o Terceiro Império não fosse instituído?

Inúmeros fatores. No livro, lembro que nos quartéis remexia-se a “questão militar”. Grupos manipulavam a candidatura do “novo Pedro”; o neto querido de dom Pedro e filho mais velho de Leopoldina. Vereadores gaúchos propuseram um plebiscito nacional para apurar a forma de governo que se desejava para o Brasil: império ou república? Não queriam uma sucessora “obcecada por educação jesuítica”. A proposta, aprovada por unanimidade no Rio Grande do Sul, contaminou São Paulo e a Corte. Temerosos que a princesa ganhasse a estima do povo, os radicais antimonárquicos começaram a se mexer. Diziam que ela só se interessava pela abolição para não perder a coroa. Apesar das centenas de cartas e telegramas de congratulações que receberam, ele sabia: crescia a pressão republicana. Aumentavam as propostas sobre um plebiscito sobre nova forma de governo. A abolição não diminuiu a antipatia à monarquia. O verdadeiro debate girava em torno da indenização aos proprietários de cativos. Até Gastão considerava que abolição sem ela era “passo precipitado”. Os republicanos moderados a reclamavam para não perder apoio dos fazendeiros. Isabel que não influiu na questão, tinha opinião: a medida não era conveniente nem justa, pois recairia, em forma de impostos, sobre quem não tinha nada a ver. E o país não possuía recursos. Seria uma solução ilusória.

O que mais contribuiu para que a manutenção do império se tornasse impossível?

Também foi época em que as mudanças estavam no ar. As chamadas “questões sociais” apaixonavam. Lia-se Proudhon, teórico do anarquismo, e alguns pioneiros já mencionavam “Carlos Marx”. A atividade dos moços girava em torno da abolição e da reforma política, pelo estabelecimento da República. Desprezavam o “Pedro Banana”. Desejavam fazer “tábua rasa das crenças avoengas”. Rui Barbosa, Olavo Bilac e Castro Alves eram considerados heróis. Louvavam-se os salvadores da pátria, egressos da Guerra do Paraguai, como Caxias, Osório e Floriano Peixoto. Cultuava-se a farda. Os jovens dividiam-se em “falanges”: a de Tobias Barreto, a de Rui, a de José Mariano. Muitos católicos diziam-se “tocados de influências positivistas”. Outros, anticlericais, proclamavam que “o Brasil só seria livre quando se enforcasse o último príncipe na tripa do último padre”. O espiritismo entrava na moda. Se a vida era eterna, por que os mortos não podiam se comunicar com os vivos? Feiticeiros africanos ou seus descendentes eram consultados por pessoas de sociedade. Colégios protestantes e missionários americanos disputavam clientela com os de religiosos franceses ou belgas. Até mesmo homens que conviviam com o imperador, como o visconde do Rio Branco, estavam “convencidos da aberração política e militar das velhas monarquias” – contou seu filho. A surpresa do triunfo foi tão grande para os revolucionários quanto para a Europa, que acompanhava a situação. O imperador, assim como os altos dignitários da monarquia, foi cúmplice inconsciente da derrocada. Isso, pois o edifício imperial foi mal construído. Era uma monarquia essencialmente burguesa, espécie de “planta exótica dos trópicos”.

Nem todo o mito que se tentou criar em torno de Isabel, depois de libertos os escravos, ajudou a manter a família imperial no poder?

Depois da abolição estabeleceu-se um consenso: a assinatura da Lei Áurea foi resultado da ação direta da princesa. O jornalista Viriato Correa, que, anos depois da proclamação da República, cunhou o termo isabelismo, explicava: não servia para endeusar a Redentora. Manipulado pelos republicanos, servia sim para enterrar a possibilidade de vê-la coroada. A abolição foi a pá de cal para enterrar a monarquia. A libertação dos escravos trouxe o apoio da “aristocracia territorial”, como então se chamavam os conservadores, ex-proprietários de escravos, à República. O movimento republicano, por seu lado, já tinha o apoio da mocidade das escolas, de parte da intelectualidade e da maioria das Forças Armadas devido à Questão Militar. Posteriormente, foi apropriado pelos monarquistas e os conservadores decepcionados com a República. Neste mesmo ano de 1889, as comemorações da abolição foram incrementadas. Bispos celebraram missas campais. Os Te Deums encheram os ares. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro cunhou uma medalha especial para oferecer ao imperador e sua filha. A tentativa era de imortalizar a data: “A história lhe reserva página honrosa”. Mas as homenagens à “ínclita princesa”, seu pai e marido, “promotor da abolição no Paraguai”, não foram suficientes para garantir longevidade à Coroa brasileira. Povo e políticos pagaram seu gesto não com reconhecimento. Mas com o que a família imperial entendeu como ingratidão. De nada adiantou o esforço para identificar a causa abolicionista com o Terceiro Reinado, e a República acabou sendo proclamada. No que tange à princesa Isabel e ao conde d’Eu, creio que eles, dentro do mundo que conseguiram criar ao seu redor, foram felizes, mesmo durante o exílio.

FONTE: Diario de Pernambuco

1945: A execução de Mussolini


  
Ao final de uma noite em que morreram de 150 a 200 guerrilheiros numa ação do comitê nacional de libertação, Benito Mussolini, 61 anos, foi preso ao ser identificado numa barreira dos guerrilheiros antifacistas, numa tentaiva de fuga para Suíça com a amante e sumariamente executado por guerrilheiros italianos no norte do país. A essa altura, a Itália se achava quase completamente ocupada pelos aliados, e poucos dias depois terminaria a Segunda Guerra Mundial. 

Uma multidão amarrou com arames os cadáveres de Mussolini e da sua amante Clara Petacci pelos joelhos, pendurando-os numa viga num posto de gasolina.

A população tomada de fúria indescritível, pisoteou repetidamente a face do ex-Duce, até que se tornou impossível reconhecer à primeira vista as feições características do antigo ditador, que governou o pais durante duas décadas. Todos os dentes foram arrancados em conseqüência de pontapés. A saia de Clara Petacci foi arrancada e a multidão cuspiu sobre ambos os cadáveres. Junto aos corpos haviam sido colocados os de outros quatro fascistas.

Os cadáveres foram removidos por um caminhão para o necrotério público, onde foram colocados em local onde pudessem ser vistos por toda a gente. Já então, a cabeça de Mussolini se havia convertido numa massa amorfa, irreconhecível. Em contraste com o horrível aspectos do seu amante, Clara Petacci permanecia formosa mesmo na morte. Embora com a dentadura desfalcada e ensangüentada, e o cabelo a revolta, continuava bonita. Seu corpo, que a multidão desnudara parcialmente, foi coberto com uma calça velha de homem.

Ricardo Lombardi, novo prefeito da Província de Milão, disse que o fuzilamento de Mussolini foi perfeitamente legal, posto que o Comitê Nacional de Libertação havia proclamado que todos os fascistas armados se encontravam fora da lei.

Dulce foi vingado à Italiana
Benito Amilcare Andrea Mussolini nasceu em Dovia di Predappio, na província de Forli, em 29 de julho de 1883, filho de um ferreiro. Começou a trabalhar como professor, mas logo seu interesse se voltou para a revolução. Seu prestígio aumentava e em 1911, Mussolini já era um dos principais dirigentes da Itália fascista. Governou a Itália com poderes ditatoriais entre 1922 e 1943, autodeterminando-se Duce, que significa em italiano "o condutor".

1928 - FUNDADA A ESCOLA DE SAMBA ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA




No dia 28 de abril de 1928 era fundada a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, uma das mais tradicionais do Rio de Janeiro e também uma das mais conhecidas no mundo. Seus fundadores foram Carlos Cachaça, Cartola, Zé Espinguela, entre outros. Uma de suas figuras mais conhecidas é o sambista Jamelão, intérprete oficial da escola de 1949 até 2006.

A Mangueira acumula 18 títulos do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro - 1932, 1933, 1934, 1940, 1949, 1950, 1954, 1960, 1961, 1967, 1968, 1973, 1984, 1986, 1987, 1998 e 2002. Em 1984, a escola também ganhou o Super Campeonato, na inauguração do Sambódromo.





1199 - Morre o controverso monarca inglês Ricardo "Coração de Leão"


Conhecido por participar de histórias
 de Robin Hood e Ivanhoé, também foi
 um dos protagonistas da III Cruzada

Em 6 de abril de 1199, Ricardo ‘‘Coração de Leão’’ é ferido e morre durante o cerco do castelo de Chalus, no centro da França. Este rei da Inglaterra se mostrou sempre como um político mediocre, envolvido pelo imperador da Alemanha, pelo rei da França e por seus próprios barões. No entanto, a posteridade indulgente guarda dele, um comandante militar de modos brutais e desprovido de qualquer senso político, uma aura paradoxal, a imagem de guerreiro cavalheiresco e vigoroso.


Filho favorito de Alienor da Aquitânia, Ricardo, que viria ser apelidado de ‘‘Coração de Leão’’ depois de suas ações na Terra Santa, nasce em solo inglês porém moraria no total poucos meses no reino que lhe havia legado seu pai, Henrique II.

Ricardo nasce em 8 de setembro de 1157. Acompanhou sua mãe a Poitiers, capital da Aquitânia (sudoeste francês), onde ela ruminaria seu amargor por ter sido traída pelo seu jovem e fogoso marido, Henrique II.

Ele se inicia como todo jovem nobre de seu tempo nas artes marciais e nos torneios mas também na poesia. Falava latim e se jactava de escrever versos em francês e em occitano, local.

Segundo a tradição, o rei visava legar a seu filho mais velho o trono da Inglaterra e o ducado da Normandia; a Ricardo, a Aquitânia e o Anjou; a Geoffroy, a Bretanha. Não previu nada para o filho caçula, João, que passou para a história, como "João sem Terra".

Em 6 de janeiro de 1169, Henrique II conclui com o rei da França Luis VII uma paz perpétua baseada na promessa de casamento entre Alice, 9 anos, filha de Luis e Ricardo, 11 anos.

Henrique II corrige porteriormente a partilha de sua herança atribuindo ao filho João os castelos de Chinon, Loudun e Mirebeau.


Henrique, o filho mais velho, protesta contra o chama de ‘‘roubo de herança’’ e busca apoio nos irmãos Ricardo e Geoffroy. Henrique II reage. Como Ricardo se tornaria o novo herdeiro do trono da Inglaterra, Henrique projeta transferir Anjou e Aquitânia a João. No Natal de 1184, Henrique II reune a família para uma prece solene de pacificação. Contudo, em 19 de agosto de 1186, Geoffroy morre por ocasião de um torneio na corte de Philippe Auguste.

De repente, surge a terrível notícia: Jerusalém cai em mãos dos sarracenos. Uma nova Cruzada Santa se impõe, 40 anos após a precedente. Ricardo se incorpora sem pestanejar.

Em 6 de julho de 1189, Henri II morre de crise cardíaca no castelo de Chinonceau.

Ricardo é coroado rei em Westminster em 3 de setembro de 1189. Resolve por-se logo em marcha para a Terra Santa não sem antes enfrentar o rei da França, Philippe Auguste, que o pressiona para se casar com a infeliz Alice, que havia sido desonrada por Henrique II. Ricardo, celibatário empedernido, não tinha nenhuma vontade.

A frota inglesa, por fim, solta as amarras em 12 de abril de 1191. Era o começo da III Cruzada. Ricardo desembarca na ilha grega de Chipre para depois chegar a São João de Acre no norte da Palestina.

Acre é tomada ao cabo de um mês. Todavia, irritado por uma querela com o duque Leopoldo da Áustria, Ricardo, colérico como de hábito, joga um estandarte do duque do alto de uma muralha. Esse insulto lhe custaria caro.

Enquanto isso, o rei cavaleiro manda executar os prisioneiros turcos na praia, seguindo depois com seu exército pela costa até Jaffa, sem deixar de ser acossado pelas tropas do sultão Saladino. Conquista a faixa costeira, porém não tendo conseguido conquistar Jerusalém, resigna-se a concluir em setembro de 1192 uma trégua de três anos com o sultão.

O fracasso da Cruzada, apesar das relações de cortesia com o adversário, o faz resolver retornar à Inglaterra. Toma conhecimento das intrigas entre seu irmão João sem Terra e o rei Philippe Auguste. Seu navio, porém, naufraga nas costas italianas. Em Londres se acreditava que o rei tinha morrido, mas Ricardo chega à Inglaterra, onde com auxílio de um punhado de amigos, reconquista em segredo seu reinado.

Disfarçados em viajantes anônimos, os ingleses penetram na Áustria mas são reconhecidos e capturados pelos homens do duque Leopoldo, o mesmo que havia insultado em Acre. O duque ‘‘vende’’ seu real prisioneiro ao imperador da Alemanha, Henrique VI, o qual iria negociar sua libertação contra um enorme resgate de 100 mil libras. Somente em março de 1194 que Ricardo recuperaria suas terras.

Em 1196 conclui um tratado com Philippe Auguste pelo qual ele lhe cede as fortalezas normandas de Gaillon e Vernon. Para proteger o que lhe resta da Normandia, manda construir uma poderosa fortaleza às margens do Sena.

O nome de Ricardo Coração de Leão está associado a dois herois fictícios: Robin Hood e Ivanhoé, que contribuiram para a sua popularidade póstuma.





FONTE: OPERA MUNDI



1960 - Togo obtém independência da França


Sob controle da ONU, Togo adquire independência
por meio de acordo com a administração colonial

O Togo sofreu com o tráfico de escravos, com os laços comerciais entre os negociantes de escravos e os reis tribais a partir do século XVI até meados do século XIX. Em 1884, o rei Mlapa III assinou um tratado de protetorado com a Alemanha que perdurou até o final da I Guerra Mundial em 1918.

Em 1914, tropas francesas entram em contato com a força alemã. Uma tropa da força pública do Congo Belga (atual República Democrática do Congo) vem em socorro. Os alemães perdem o Togo que seria dividido entre Reino Unido e França. A parte francesa é colocada sob mandato da Sociedade das Nações. O Reino Unido anexa a parte oeste da região a Gana em 1956.

Pós-independência

Alcançada a independência, Sylvanus Olympio torna-se presidente. Por instigação do comandante francês Georges Maitrier, chefe da polícia e conselheiro presidencial, 626 veteranos togoleses do exército francês exigem ser integrados nas forças de segurança que contavam com 300 membros. Olympio recusa. Eles o destituem num golpe de Estado em 13 de janeiro de 1963, quando Olympio encontra a morte.
Um civil, Nicolas Grunitzky (1963-1967) é alçado à Presidência, porém, quatro anos mais tarde, em seguida a outro golpe de Estado, foge do país. Morre em Paris, em 27 de setembro de 1969, num acidente de carro.

Um dos organizadores do golpe de 1963, Gnassingbé Eyadema é promovido a presidente em 1967. Suprime os partidos e cria a União do Povo Togolês.

Uma nova constituição é aprovada em 1979, o presidente Eyadema é eleito por sufrágio universal e reeleito em 1986.

Em 1990, em seguida a violentas manifestações, um líder da oposição Joseph Koffigoh é nomeado primeiro-ministro. A adoção de uma outra constituição em 1992 não é capaz de conter os ânimos. Em 1993, Eyadema ganha outra eleição boicotada pela oposição. Eyadema quase é derrotado nas eleições de 1998 diante de Gilchrist Olympio, filho de Sylvanus. Conquista a cadeira presidencial em condições muito controvertidas.

Eyadema é novamente reeleito em 2003 após emenda constitucional que lhe permitiu postular-se de novo. Morre em 5 de fevereiro de 2005, pondo fim a 38 anos de presidência consecutivos. 


O exército toma o poder, transgredindo a constituição que dispunha que o presidente da Assembleia Nacional Fambaré Natchaba é quem deveria assumir. No entanto, confere o poder a um dos filhos de Eyadema, Faure Gnassingbe, após dupla alteração da Carta Magna. Essas emendas permitem a Faure, ministro por ocasião da morte do pai, retomar sua cadeira no Parlamento, se fazer eleger presidente da Assembleia a fim de ocupar o posto de presidente da República, tudo isto resolvido num fim de semana.

Sob pressão da oposição, da União Africana e da comunidade internacional, esse golpe de Estado fracassa em 25 de fevereiro de 2005 com a demissão de Faure e o restabelecimento da legalidade.

Em 24 de abril de 2005 realiza-se uma eleição presidencial. Ela transcorre em condições bastante controvertidas, com a oposição denunciado fraudes. Emmanuel Akitani, chefe da oposição, se declara vencedor com 70 % dos votos enquanto o governo declara Faure eleito. Manifestações eclodem nas principais cidades e seriam violentamente reprimidas pelo Exército, provocando 500 mortos segundo estimativas de uma comissão especial e mais de 800 segundo a Liga Togolesa de Direitos Humanos. Cerca de 40 mil se refugiam em países vizinhos.

Em 3 de maio, Faure presta juramento e declara que se concentrará "na promoção do desenvolvimento, do bem comum, da paz e da unidade nacional".

Na eleição presidencial de fevereiro de 2010, Faure Gnassingbé se reelege com 61% dos votos. Manifestações têm lugar em protesto aos resultados entre militantes da coalizão de oposição e as forças da ordem. As eleições foram denunciadas pela União Europeia, que financiou o pleito, que, por meio de observadores, constatou irregularidades graves.

Curiosidades

Um dos menores países africanos, com apenas 56 785 km², a República Togolesa é um país da África Ocidental cuja população é estimada em cerca de 6,2 milhões de habitantes e uma desidade populacional de 95 hab/km².
Seu território se estende por 700 km de norte a sul com largura não excedendo de 100 km, limitado ao norte por Burkina Faso, ao sul pelo Golfo da Guiné, a leste por Benin e a oeste por Gana.

A pequena superfície não impede que o país disponha de grande diversidade de paisagens: costa de fina areia cercada de coqueiros, colinas, vales verdejantes, pequenas montanhas no centro, planícies áridas e grandes savanas.

O nome Togo advém de Togodo, o que significa ‘‘cidade para além da falésia’’ no idioma ewe. A cidade com esse nome, hoje Togoville, cidade colonial alemã, foi primeira capital do país situada a leste da atual capital, Lomé.

FONTE: OPERA MUNDI

HISTÓRIA NO DIA DE HOJE


27 de abril 

de 1937: A morte do filósofo Antonio Gramsci

"O desafio da modernidade 
é viver sem ilusões,
sem se tornar desiludido".
Antonio Gramsci

Tuberculoso, o filósofo italiano Antonio Gramsci, 46 anos, morreu numa clínica em Roma, quatro dias depois de alcançar a liberdade. Antifascista, foi preso em 1926, condenado a mais de vinte anos de prisão, onde permaneceu até receber a liberdade condicional, motivada por sua saúde debilitada, as vésperas de sua morte.

Deixou viúva a russa Giulia Schucht, violinista com quem teve dois filhos.

Italiano da Sardenha, Antonio Gramsci nasceu em 23 de janeiro de 1891. Foi na Universidade de Turim, onde cursou Literatura, que entrou em contato com a Federação Juvenil Socialista, o que culminou com sua filiação ao Partido Socialista em 1914. Para defender suas ideias, lançou ao final da Primeira Guerra o jornal L´Ordine nuovo, que reivindicava a participação política do proletariado.

Mais tarde, seria um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, o que o levaria a passar um período de dois anos na União Soviética, como membro executivo da Terceira internacional, enquanto na Itália o fascismo cresce imponente. De volta ao país, encontra uma realidade política bastante delicada e assume a direção do partido, com a missão de hegemonizar as forças de esquerda. Incansável, não consegue o triunfo. E refém de toda sorte de especulações e intrigas políticas acaba preso pela polícia italiana.
 
Gramsci se dispôs a estabelecer uma unidade entre a teoria e a prática do marxismo. Criticou o elitismo dos intelectuais e exerceu profunda influência sobre o pensamento marxista. Dono de uma obra consubstanciada em cadernos escritos nos anos de prisão, só publicada após a guerra, a parte mais notável são suas Lettere dal carcere (1947): notável documento humano e cultural em que revela suas preocupações familiares e discute problemas filosóficos e estéticos.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

ASSISTA EM G'BALA


Amazônia concentra casos de violência

 no campo em 2012, diz CPT


O Brasil engarrafado



A cachaça foi fundamental para a economia do Brasil colônia e teve grande influência nos rumos da nossa história. Do canavial ao boteco, saiba como essa bebida ajudou a moldar a identidade nacional do brasileiro.

Em 13 de setembro de 1649, uma carta assinada pelo então rei de Portugal, dom João 4º, proibia a fabricação da cachaça no Brasil. Motivo: desde aquela época, a aguardente de cana-de-açúcar estava se tornando, em detrimento do vinho português, a bebida predileta da colônia – e da costa oeste da África também. E a Companhia de Comércio de Portugal, descontente, recorreu à Coroa para que providências fossem tomadas. Não queria perder mercado, mesmo que fosse para fregueses pouco abonados, escravos e mestiços que só tinham mesmo condições de consumir a cachaça. O destilado, que já era produzido nestas terras, tinha preço muito mais acessível que o vinho, trazido de navio do outro lado do oceano Atlântico.
Só que ninguém deu bola para essa lei seca no Brasil. Não que o país fosse território de cachaceiros ou alcoólatras incuráveis. Havia outra questão por trás: a economia de Portugal – e era isso que decidia o destino de sua colônia mais lucrativa, o Brasil – dependia consideravelmente da produção e do consumo da aguardente.
A Coroa precisava vender açúcar. A produção de açúcar nos engenhos da colônia, por sua vez, dependia de muito trabalho pesado: aí entravam os escravos, uma vez que “a civilização do açúcar não teria sido feita” sem o negro, como escreveu Gilberto Freyre em seu livro Nordeste. E o valor desses escravos muitas vezes era mensurado em cachaça. Sim, pois a pinga produzida no Brasil passou a servir, junto com o tabaco, de moeda de troca por escravos na costa africana.
A moeda cachaça
A produção de aguardente de cana-de-açúcar surgiu como uma conseqüência das lavouras açucareiras. A cachaça teria sido resultado da produção do melaço, uma das etapas da fabricação do açúcar. No processo, a borra adocicada que se concentrava sobre a garapa borbulhante era removida com uma espumadeira e jogada numa tábua – daí o termo português “cachaça” que, derivado do espanhol cachaza, era o nome da espuma do caldo. Ali, a borra açucarada fermentava, transformando o que é doce em álcool. Rapidamente, a tecnologia portuguesa de produção de bagaceira adaptou-se aos engenhos, e daí surgiram os alambiques para destilar a bebida. E pronto, eis a cachaça: “A revelação gostosa e catastrófica para negros africanos e amerabas brasileiros. Dissolvente dinástico, dispersador étnico, perturbador cultural”, escreveu o folclorista Luís da Câmara Cascudo, em seu livro O Prelúdio da Cachaça.
Antes dela, tanto os negros como os índios desconheciam bebida tão poderosa. Sabe-se que os índios produziam um tipo de bebida fermentada a partir da mandioca mastigada e cuspida. Chamava-se cauim. Os africanos também bebiam um vinho obtido do caldo de palma. Mas, segundo Câmara Cascudo, nada chegava aos 18 ou 22 graus alcoólicos da cachaça produzida na época (as caninhas modernas chegam a superar os 50% de álcool). Na África, aos poucos, o consumo do vinho de palma foi sendo substituído pela cachaça. Isso não se deu por acaso: os colonizadores deliberadamente trabalharam para criar um mercado consumidor dos destilados produzidos na Europa e na América. “À medida que a substituição se processou, foi criado o mercado onde a aguardente foi utilizada como ‘moe­­da’ no tráfico de escravos”, afirma o pesquisador Carlos Magno Guimarães, historiador da UFMG. A cachaça, assim, passou a ser um “cheque descontável do Daomé à Angola, do delta do Níger à foz de Cunene”, escreveu Luís da Câmara Cascudo.
Daí a explicação de por que de nada adiantou a proibição real de 1649. Tampouco uma outra, dessa vez assinada por dom Pedro 2º (o rei português que sucedeu João 4º, não o imperador brasileiro), que também proibia o envio de cachaça para Angola. Proibindo a produção, o consumo e a venda da cachaça, o que se tinha, segundo Câmara Cascudo, era o contrabando “inevitável e prolífero”. E muito lucrativo, pois todos os riscos que a operação envolvia – e mais um pouco – eram embutidos no preço ao comprador. Calcula-se que, em média, 310 mil litros de cachaça foram enviados por ano para Angola, o que correspondia a quase 80% das bebidas alcoólicas que chegaram àquela colônia (as demais eram vinho e bagaceira, de Portugal). Aproximadamente 25% dos escravos trazidos para o Brasil – entre 1710 e 1830, ao menos – foram trocados por cachaça. “Se acrescentarmos também o tabaco da Bahia, chega-se à cifra de quase a metade dos cerca de 2 milhões de escravos trazidos no século 17 tendo sido trocada pela cachaça e pelo tabaco”, diz o historiador Henrique Carneiro, em seu livro Pequena Enciclopédia das Drogas e Bebidas.
O contrabando de drogas, aliás, já naquela época, não era apenas coisa nossa, não. O tráfico de álcool já era comum no mundo quando o Brasil aderiu à moda. “Há milênios existe o tráfico de álcool, especialmente do vinho, no mundo mediterrâneo. A partir do século 16, ele se expandiu e se ampliou enormemente com a emergência dos destilados”, diz Carneiro. Segundo ele, outros ciclos comerciais também se fincaram na história em torno das drogas, além do comércio de aguardente que marcou a economia colonial americana no século 17. As bebidas quentes e estimulantes, desde aquela época, aprofundaram o desequilíbrio da balança comercial inglesa com a Ásia, por causa da crescente compra de chá. Isso foi o estopim de duas guerras da Inglaterra contra a China, no século 19, as chamadas Guerras do Ópio. Os britânicos queriam forçar os chineses a aceitar ópio, e não prata, como pagamento pela quantidade monstruosa de chá que compravam.
Anestesia
Além de ser moeda de troca para a compra de escravos, havia ainda outro motivo que tornava a cachaça imprescindível para o Brasil colonial: para os negros africanos, ela funcionava como amortecedor tanto da fome quanto da tristeza que embalavam a longa viagem de travessia do Atlântico. Na dieta diária dos escravos, vinha ainda da cana o consolo e a anestesia para suportar as agruras do regime escravocrata. “Confirmando desde então a tese sempre atual de que a humanidade, em todas as épocas históricas, sempre teve um pendor por buscar substâncias químicas que aliviem suas dores”, diz Henrique Carneiro.
E o Brasil Colônia dispunha de matéria-prima suficiente para produzir alívio para uma multidão de sofredores cativos. A pinga era o combustível do trabalho forçado. A tal ponto que a viajante inglesa Maria Graham, visitando o Recife em 1821, chegou a anotar sobre os escravos que a cachaça era o “incentivo pelo qual fazem qualquer coisa”. Com o eixo da economia se deslocando para Minas Gerais e seu ouro, os negros transferiram do Nordeste para lá o hábito e a tecnologia da produção de aguardente (e deram início ao que hoje é uma das marcas mais sagradas de Minas, a cachaça artesanal).
Por essas e outras é que, insustentável, a proibição real à aguardente caiu em 1661. Governos da capitania de Minas Gerais ainda tentaram, pontualmente, inibir a proliferação dos alambiques porque – claro, é de sua natureza – a danada também fazia lá seus estragos. Em terras mineiras, não combinava com os poços profundos, nos quais, não raro, os escravos tinham que adentrar para buscar ouro. Além disso, também se temia que a cachaça estimulasse a rebeldia dos negros. Mas essas proibições dos governos das capitanias também caíam rapidinho. De modo que nenhuma outra restrição apareceu, segundo Câmara Cascudo, após 1759 (salvo hoje, em dia de eleição) ao direito de embriagar-se de cachaça até entortar a língua e cair duro com a cara no chão.
Rebeldia
E, se a cachaça foi importante para a manutenção da economia açucareira e, depois, para o ciclo do ouro, ela também teve seu papel na resistência e na luta contra a escravidão. “Na realidade colonial, a aguardente evidenciava o seu caráter contraditório”, escreveu o historiador mineiro Carlos Magno Guimarães, em artigo na coletânea Álcool e Drogas na História do Brasil. “Ao mesmo tempo em que contribuía para a manutenção da ordem escravista, era combatida como ameaça a essa mesma ordem.” Que a aguardente esteve associada a eventos de rebeldia, isso é inegável. “Mas que ela tenha sido a causa da revolta é, no mínimo, questionável”, diz Carlos Magno. Obviamente, pois a verdadeira causa de rebeliões de escravos era a própria situação lastimável da escravidão.
Os negros dominaram rapidamente as técnicas de destilação da pinga, e a aguardente de cana passou a ser produzida e consumida nos quilombos – inclusive no quilombo dos Palmares, entre Pernambuco e Alagoas, que era o maior de todos e acabou destruído em 1710. Tanto nas senzalas quanto nos quilombos, a marvada já era elemento de rituais e danças negras. E, como afirma Carlos Magno, que pesquisou o papel da cachaça nos quilombos de Minas Gerais (segundo ele, de 1733 a 1748, pelo menos 49 núcleos de negros fugidos foram descobertos e destruídos pelas autoridades da capitania), ela cumpriu um papel importante para a manutenção dessas comunidades.
Isso porque, para os quilombolas, a cachaça também era, sim, dinheiro. Até eles, que eram fugitivos do governo, conseguiam trocar a bebida por alimentos, no comércio ilegal feito nas vendas, que eram o equivalente ao que hoje conhecemos como botecos, mercearias – diferença é que, naqueles tempos, eram clandestinas e, como tal, faziam um comércio ilícito. Como o de trocar alimentos pela cachaça dos negros fugidos – e, assim, ajudá-los a viabilizar os quilombos.
Cachaça é coisa nossa
Se a cachaça está presente na história do Brasil desde o começo, a ponto de ter sido um tanto responsável por sua trajetória, nada mais lógico que ela seja a bebida alcoólica nacional por excelência. Há tempos que a pinga tem sido mencionada como o trago favorito destas bandas. Entre os anos de 1816 e 1822, o naturalista francês Auguste Saint-Hilaire já anotava ser “a cachaça a aguardente do país”.
Hoje, estima-se que existam de 40 mil a 50 mil produtores espalhados pelo país. “Muito embora, pela natureza da fabricação, seja muito difícil quantificar”, diz o químico Douglas Wagner Franco, do Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente, da USP em São Carlos – o cientista se refere aos numerosos alambiques de fundo de quintal que podem passar em branco nas estatísticas. Mais de 500 apelidos para a dita cuja, de branquinha a dengosa, assovio-de-cobra e meu-consolo, já foram catalogados em tentativas de se formar um léxico de como a cachaça é falada na boca do povo, de norte a sul do país.
Fabricada inicialmente pelos negros, passou a ser consumida por todos – até pelo presidente do Brasil. E foi usada como símbolo de nacionalidade desde que o Brasil Colônia brigava para se livrar de Portugal e ser Brasil somente. Na Revolução Pernambucana de 1817, o vinho foi substituído por cachaça em algumas missas. Era uma forma de protesto e de afirmação em prol da República. Na Confederação do Equador, em 1824, que foi uma reação contra o absolutismo de dom Pedro 1º, a mesma coisa: líderes revolucionários brindavam vitórias com cachaça. E até na guerra contra o Paraguai, quando entre 1864 e 1870 cerca de 300 mil paraguaios morreram, os soldados brasileiros (ao todo eram aproximadamente 160 mil homens) se abasteciam de cachaça. Embora presente na história social, política e econômica desde o começo do Brasil, tecendo laços, tampando dores, dando alegria e coragem, apenas em 2001 um decreto presidencial instituiu a bebida mais democrática do país como a bebida nacional. Demorou!

Para saber mais

Prelúdio da Cachaça - Luís da Câmara Cascudo, Global Editora, 2006.
Nordeste - Gilberto Freyre, Global Editora, 2005.
Pequena Enciclopédia da História das Drogas - Henrique Carneiro, Editora Campus, 2005.
Álcool e Drogas na História do Brasil - Henrique Carneiro e Renato Pinto Venâncio (organizadores), Editora Alameda, 2005.

FONTE: REVISTA SUPERINTERESSANTE

sábado, 27 de abril de 2013

Admirável índio novo


Mesmo mais organizados e com uma legislação favorável, o ataque aos direitos dos povos autóctones continua. À frente está um novo ciclo de obras na Amazônia


Os coloridíssimos adereços sobre a cabeça, nos pulsos e no pescoço evidenciavam ainda mais a pele morena e os cabelos negros de Sônia, 38 anos. Ela tomou o assento, diante de uma plateia de jornalistas, e começou seu discurso, num português bem articulado. Em dez minutos, desfiou números de leis, tratados e decretos e denunciou: os povos indígenas continuam sendo atropelados pelo modelo de desenvolvimento do Brasil.
Era dezembro de 2012, nono dia da Conferência da ONU sobre mudanças climáticas (COP-18) no Qatar. Antes de pegar o avião e encarar mais de 10 mil quilômetros de volta à sua casa, na Amazônia brasileira, Sônia Guajajara cumpriu uma última tarefa. Entrou em sua conta no Facebook e informou a seus milhares de seguidores como fora a coletiva de imprensa. “Agora preciso ir para o aeroporto para voltar ao nosso querido Brasil”, pediu licença aos amigos virtuais.
Nascida em Amarante, sul do Maranhão, Sônia Guajajara é uma índia. Mas não só isso. É técnica em enfermagem, bacharel em letras, pós-graduada em educação especial e com especialização em gestão ambiental. Mas é, principalmente – ela frisa – uma liderança indígena, com características cada vez mais comuns. Foi à frente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) que ela viajou para a COP-18 – e para as três conferências da ONU anteriores.
Com 23 anos de estrada e abrangendo associações dos nove estados da Amazônia, a Coiab é a maior organização indígena do Brasil: representa cerca de 430 mil pessoas. “O que tentamos fazer é ecoar a nossa voz para o mundo, dando visibilidade à nossa riqueza cultural e denunciando a violência e o desrespeito aos nossos direitos”, admitiu Sônia, em entrevista à Revista de História.
A dupla violência e desrespeito contra os índios parece ter voltado com força nos últimos anos. O norte do país voltou a ser uma de suas principais fronteiras de desenvolvimento. “Os grandes projetos iniciados na onda de colonização da Amazônia no governo militar nunca foram abandonados completamente”, sublinha o procurador da República no Pará, Felício Pontes.
A usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, é o exemplo mais evidente disso. Concebida nos anos 1970 e batizada de Kararaô, ela mudou de nome e de desenho para ressurgir na última década como principal obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Belo Monte vai impactar, direta ou indiretamente, 24 etnias. Mas o projeto é apenas um de tantos. Há outras 22 hidrelétricas planejadas em rios amazônicos nos próximos dez anos.
Ao menos o arcabouço legal sofreu modificações radicais: com a Constituição de 1988, pela primeira vez na história eles tiveram reconhecidos o direito à sua cultura e aos seus territórios tradicionais.Não há número oficial sobre os impactos desses projetos. Mas o cientista social da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Verdum, publicou estudo com um balanço preliminar: pelo menos 43 empreendimentos do PAC irão afetar um ou mais territórios indígenas. E, segundo ele, mais de 650 solicitações de licença já foram encaminhadas à Fundação Nacional do Índio (Funai) para atividades no interior ou nos arredores dessas áreas. Tudo isso significaria afetar milhares de pessoas.
“Antes, a política era de assimilar os indígenas, violentando seus modos de vida e transformando-os em ex-índios”, explica o procurador.
slogan usado pelos militares na década de 1970 – “Terra sem homens para homens sem terra” – ilustra bem a fala de Pontes. Ignorando a presença de povos tradicionais, o governo jorrou um rio de recursos e incentivos para ocupar a região. Foi o gatilho: a devastação da floresta e os conflitos com as comunidades que já viviam ali começaram para não ter mais fim.
“Quando se iniciou a abertura das grandes rodovias, como a Transamazônica, o Estado brasileiro não tinha a menor ideia do que iria encontrar pela frente”, diz Marcio Santilli, que já foi presidente da Funai e é um dos fundadores do Instituto Socioambiental. “O contato com os indígenas se deu da pior forma, com invasão de terras, introdução de doenças ou mesmo na bala, quando isso se fez necessário naquela lógica da ocupação.” 
O conjunto de grandes obras espalhou violência e conflitos de terra por toda parte. Os indígenas muitas vezes tiveram seu deslocamento forçado, com dispersão de seus grupos para territórios com os quais não tinham qualquer relação histórica. Vários grupos foram levados para as chamadas reservas indígenas, sem qualquer análise étnica. Isso foi possível porque em todas as Constituições anteriores à de 1988 os índios eram definidos como figuras transitórias que, cedo ou tarde, seriam “incorporados à comunhão nacional”.
 “Antes de 1988, não havia o reconhecimento das terras indígenas”, conta Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental. “A política era tirar os índios do caminho e botar em um gueto, onde se misturavam diferentes grupos, às vezes até inimigos entre si. Era um depósito de índio.”
Com a confusão instalada, começaram a surgir os primeiros sinais de uma resistência mais ampla e integrada. “A organização dos povos indígenas foi, e ainda é, questão de sua própria sobrevivência. Em outras palavras: ou se organizam ou são condenados ao desaparecimento”, constata dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu e presidente do Cimi.
Criado em 1972, o organismo vinculado à Igreja Católica apoiou vários grupos na realização das Assembleias Intertribais iniciais, nas quais lideranças de diferentes povos se reuniam pela primeira vez para identificar os problemas comuns e encaminhar soluções.
Não demorou para que essas vozes cruzassem as fronteiras nacionais. “Em certo momento, as lideranças começam a conversar com outros grupos indígenas no continente e mesmo além do continente. Este aspecto é fundamental: eles driblam a relação de dependência e tutela com o Estado brasileiro para se articularem com movimentos internacionais de direitos humanos”, analisa.As lideranças ganharam visibilidade, criaram a União Nacional Indígena (UNI) e passaram a circular em novos cenários. “Eles começaram a transitar em circuitos urbanos, acadêmicos, governamentais e a construir propostas bastante arrojadas para todas as populações indígenas”, explica o historiador da Unicamp, John Monteiro, apontando uma novidade importante: “Eles não eram mais um cacique local apenas. Eram um novo tipo de liderança, supracomunitária, que em vez de discutir sobre um território específico, levantava discussões mais amplas sobre direitos humanos, territoriais”.“Não somos nós que definimos o que é bom para eles. Queremos ajudá-los para que não percam sua cultura, sua língua, seu modo de viver e, de modo especial, suas terras”, explica dom Erwin. O teólogo Egydio Schwade também acompanhou de perto esse processo. “Com a costura do Cimi e de outras entidades, os índios reuniram-se e começaram a retomada dos territórios, inclusive dos ocupados por invasores”, diz Schwade.
Foi nessa época também que uma notícia veio à tona: o aumento dos povos que se reconheciam como índios. A descoberta veio na década de 1970, quando surgiram as primeiras informações mais concretas sobre as populações indígenas em solo nacional. O Centro Ecumênico de Documentação e Informação teve papel fundamental: publicou a primeira lista de povos, de terras e línguas, reunindo informações coletadas por missionários e antropólogos espalhados pelo Brasil.
Foi esse caldeirão de movimentos que tornou o terreno propício para uma guinada na política indigenista do país. Com o fim da ditadura e a instalação da Constituinte, em 1987, lideranças indígenas pintadas de guerra e organizações de apoio se misturavam nas galerias do Congresso Nacional, dia e noite, para garantir que novos direitos fossem assegurados. E eles foram.
“Esse momento é o divisor de águas. Pela primeira vez, uma Constituição pressupõe que os índios farão parte do futuro do país”, pontua John Monteiro. A partir daí, o número de organizações geridas pelas próprias lideranças se multiplica. E os territórios tradicionais passam, finalmente, a ser reconhecidos pelo Estado.
O novo panorama legal, porém, não impede que velhos problemas continuem ameaçando esses povos, como lembrou Sônia Guajajara na conferência da ONU sobre o clima. “Se antes lutávamos para ter nossos direitos, hoje lutamos para não perdê-los”, diz.
Um dos campos de batalha se dá no próprio Congresso Nacional, onde uma penca de projetos de lei e pelo menos duas emendas constitucionais tentam reduzir os direitos adquiridos pelos indígenas e abrir brechas para que empreendimentos de todo tipo possam avançar sobre as áreas tradicionais protegidas.
Mas o front da guerra – que, por vezes, continua derramando sangue – está além das fronteiras de Brasília. Segundo Felício Pontes, o avanço dos grandes projetos segue sem que as comunidades afetadas sejam ouvidas, como prevê a legislação. “No caso das hidrelétricas, a consulta aos povos não ocorreu”, ele garante, o que resultou, no que diz respeito a Belo Monte, em uma das mais de 50 ações na Justiça contrárias à obra.
Enquanto a conversa oficial não é feita com as comunidades, uma extraoficial costuma ser levada a cabo, segundo as organizações indígenas. “Para fazer avançarem seus interesses, as empresas e os governos têm oferecido dinheiro, barcos, moto, carro”, lista Sônia Guajajara. “E pela necessidade e carência de políticas públicas, alguns acabam aceitando”.
Mas se os ataques contra os direitos indígenas mudaram, as armas para defendê-los também estão mais sofisticadas. Não é por acaso que Sônia acumula títulos acadêmicos. “As lideranças perceberam que precisam se capacitar, e cada vez mais elas frequentam cursos universitários”, diz o historiador Monteiro. Sônia ratifica: “A gente tem necessidade de estudar para poder contribuir mais com a luta, com meu povo”.
Não é à toa, também, que ela faz questão de atualizar sua página no Facebook com as novidades da batalha. “As redes sociais têm sido um grande aliado, pois conseguimos fazer denúncias, convocatórias para mobilizações, fóruns de discussões...”, explica.                                     
Monteiro concorda: “Os movimentos étnicos surgem com muito mais força quando são potencializados com a possibilidade de comunicação global, com a criação de redes sociais mais amplas e imediatas”, ele diz. E para exemplificar, cita o caso dos índios guaranis-kaiowás, do Mato Grosso do Sul, que prestes a serem despejados de suas terras no fim do ano passado, ganharam adesão de milhares de brasileiros no Facebook e no Twitter, ao terem uma carta deles divulgada nas redes.
Sônia tem consciência de que muita gente olha torto quando vê um índio atrás de um computador. Mas ela parece ter ainda mais consciência de suas raízes e de seus objetivos: “Ser indígena não é simplesmente andar pintado, com pena, morando no mato. É também participar da construção das políticas e dos espaços de tomada de decisões”, ela avisa aos desavisados. Monteiro completa: “Quanto mais os índios se aproximarem, participarem e se incluírem, mais teremos índios”. 

FONTE: REVISTA DE HISTÓRIA