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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Violência que vem de longe

Não é de hoje que o Rio de Janeiro

 sofre com a violência. No período

 colonial, os crimes eram cometidos

 até por governantes


Na noite de 10 de dezembro de 1653, em São Gonçalo, Rio de Janeiro, a mulher do alferes Jacinto Velho de Araújo abriu a porta para que Pedro de Carvalhais e um escravo entrassem. Enquanto o oficial dormia, os três comparsas o mataram com três facadas e vários golpes de pilão na cabeça. Em seguida, fugiram pela mata levando utensílios domésticos. O relato do crime e da defesa de Carvalhais, presente em documentos da época colonial, é um indício de que os habitantes do Rio já enfrentavam, nos séculos XVII e XVIII, problemas como o avanço da criminalidade e a posse ilegal de armas. E ainda havia um agravante: o tratamento desigual que a Justiça dava aos acusados. Quanto mais alta era a condição social do criminoso, maior era a chance de ele não ser punido.
A determinação de não julgar todos do mesmo modo estava fundamentada nas leis portuguesas, uma característica acentuada em sociedades regidas por lógicas de Antigo Regime. Após ser denunciado e flagrado com objetos roubados, Pedro de Carvalhais alegou que era “nobre” – filho de um vereador e senhor de engenho da região – para ter direito a foro privilegiado. Mas a investigação provou que a mãe de Carvalhais era mestiça de branco com índio, e por isso ele foi tratado sem privilégios. Seu inquérito foi concluído rapidamente. Acabou condenado à forca com seus cúmplices pelo assassinato do alferes e de mais dois homens, um deles membro da elite local.
Neste caso, as autoridades coloniais seguiram o previsto nas Ordenações Filipinas, publicadas em 1603, durante o reinado de Filipe II (1598-1621): “Qualquer pessoa que matar outra ou mandar matar, morra por isso morte natural (...) Porém, se algum fidalgo de grande solar matar alguém, não seja julgado à morte sem no-lo fazerem saber, para vermos o estado, linhagem e condição da pessoa, assim matador como do morto”.
A revolta da população contra a impunidade foi a justificativa para a pena capital recebida por Carvalhais. Ela foi aplicada “para satisfazer aos clamores do povo e servir de exemplo aos muitos casos que haviam sucedido sem castigo”, como está registrado na carta que o governador do Rio de Janeiro, D. Luís Almeida, endereçou ao Conselho Ultramarino sobre o assassinato do alferes. Esse argumento em favor de punições pesadas ainda seria repetido em muitos outros casos. A sentença também é cheia de proposições morais, como acontecia com frequência na época, ao lembrar que nesse crime houve “traição, luxúria, rapto, furto e adultério”.
Alguns anos depois, em 1657, quatro homens mascarados mataram a tiros de espingarda o capitão Francisco Pinto Pereira às 9h da manhã, em uma das principais ruas da cidade. Só um dos assassinos foi condenado à forca – um mameluco (mestiço de branco com índio) chamado Simplício Pinto. Ao pedir ao rei a execução de Simplício, uma junta de “homens bons” – proprietários de terras, brancos e cristãos – alegou que a violência é praticada, sobretudo, pelos mestiços, “pela ousadia das muitas pessoas” que “há sem cabedal (pobres), principalmente destes mamelucos que com facilidade cometem qualquer crime”.
Embora as punições mais severas recaíssem quase sempre sobre os mais pobres, uma análise aprofundada de documentos da época prova que os crimes eram praticados por pessoas de todas as origens sociais. É o que mostra outro episódio violento, em que nem as autoridades religiosas escaparam da ação dos “turbulentos”. Em julho de 1731, o padre José de Sobral Miranda, vigário da Matriz de São Sebastião (demolida no desmonte do Morro do Castelo, em 1921), denunciou dois homens poderosos da cidade que invadiram a igreja com seus escravos porque não queriam se submeter aos preceitos religiosos da Quaresma nem abandonar suas concubinas, como ditavam as diretrizes católicas. Caetano Álvares Rodrigues e seu cunhado, Maximiano de Oliveira, mataram um escravo dos religiosos e saquearam a igreja. Devido à condição social da dupla, no entanto, a punição do reino foi branda. Sabe-se disso porque foi recorrente o pedido, por parte da vítima, de uma “punição severa”.
A América portuguesa estava longe de ser um local idílico. Autoridades complacentes e despreparadas não conseguiam impedir a ação de bandos que disputavam o poder local. O próprio D. Luís de Almeida, que governou o Rio de Janeiro de 1652 a 1657, já comunicava ao rei a sensação de insegurança que dominava os “residentes daquela cidade e das mais capitanias não se dando ninguém por seguro, pois suas casas e camas lhes não valem”.
Como acontece hoje, o fácil acesso aos meios para matar já era um problema naquela época. A posse e a exibição de determinadas armas de fogo e de espadas indicavam o prestígio de seus proprietários. Esses símbolos de status, pelo menos em tese, estavam fora do alcance dos mais pobres. Um escravo ter uma espada, por exemplo, era uma gravíssima quebra de hierarquia. Mas entre as normas e as práticas, sempre existiam “jeitinhos”: o cativo não sofreria punição ao ser flagrado com uma lâmina pontiaguda, desde que estivesse acompanhando seu senhor em uma empreitada.
Em 1642, os habitantes do Rio de Janeiro – grupo formado por um punhado de homens de condição social mais alta – conquistaram o mesmo privilégio que os habitantes do Porto, em Portugal, tinham desde o final do século XV. Eles podiam portar “quais e quantas armas lhes prouver de dia e de noite assim ofensivas como defensivas”.
Lembrando esse direito, em agosto de 1676 alguns senhores de engenho pediram ao príncipe regente, D. Pedro (1667-1706), autorização para ter armas de fogo em suas casas e que pudessem “utilizá-las nas estradas para se defenderem dos negros fugidos”. No início do século seguinte, o mesmo pretexto foi usado contra a nova lei que proibia o uso de armas de curto alcance e de facas. Nessa época, a violência se agravava no Rio de Janeiro por causa do crescimento político e econômico da cidade – com a descoberta do ouro em Minas Gerais, o porto carioca se tornou a principal rota de escoamento da produção, o que culminou na decisão de se fazer do Rio a capital do Brasil, em 1763.
A lei contra as armas curtas e as facas era ineficaz para punir até mesmo os escravos. Esses homens e mulheres ocupavam os degraus mais baixos da escala social, mas eram considerados propriedades valiosas para seus senhores, que pressionavam por sua absolvição. Afinal, se um escravo era condenado a trabalhos forçados nas galés (navios a remo), seu amo ficava no prejuízo.
O governador Luiz Vaía Monteiro (1660?-1732), conhecido como “O Onça” por suas atitudes desmedidas – outros vassalos não compartilhavam de sua absoluta obediência à Coroa, como cobrança de tributos devidos e desterro de poderosos –,  denunciou ao rei, em 1725, que os senhores estavam interferindo nas decisões judiciais para livrar seus escravos de punição, e afirmou que era difícil proibir o uso de armas, principalmente as lâminas, que faziam “todos os dias lamentáveis estragos”.
Mas o próprio governador libertava conhecidos e “escravos de seus afilhados”, praticando o mesmo crime que criticava. Segundo denúncia feita em junho de 1730 pelo juiz Inácio de Souza Jácome Coutinho, Vaía Monteiro teria facilitado a fuga de um homem chamado Antônio Pereira de Souza, preso com três pistolas e duas facas de ponta. Coutinho era um desafeto do governador e, assim como outras autoridades, fazia valer a velha máxima: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. O juiz também listou o número de escravos encontrados com facas – muitos deles trabalhavam como capangas para seus senhores. Um desses negros, chamado Antônio Preto, foi condenado, também em 1730, ao açoite e a três anos nas galés por porte de uma faca de ponta.
Se hoje a violência, as injustiças e o favorecimento ainda existem, a pena capital e os castigos físicos legais – como o enfrentado por Antônio Preto – foram extintos. Na aplicação das penas, as autoridades eram tão violentas quanto os criminosos, o que, infelizmente, mesmo contrariando o atual Código Penal, ocorre em muitos casos. Como diz a Constituição Federal, hoje “todos são iguais perante a lei”. Ao menos no papel.
 FONTE: Revista de Historia /Jorge Victor de Araújo Souza
Saiba Mais:
ANASTASIA, Carla Marinho Junho. A geografia do crimeviolência das Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.
BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Impérioo Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
LARA, Silvia Hunold. Campos da violênciaEscravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro,1750-1808. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
Filmes
“Justiça”, de Maria Augusta Ramos, 2004.
“Juízo”, de Maria Augusta Ramos, 2007.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Quatro séculos de tráfico negreiro Um panorama do comércio de seres humanos ao logo da era moderna

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FONTE: HISTÓRIA VIVA

No Dia da África, autor paraense fala sobre a situação no continente


A descolonização africana aconteceu, sobretudo, entre 1957 e 1975, em meio a Guerra Fria, quando as antigas potências coloniais, como a Grã-Bretanha e a França, estavam perdendo influência e as novas superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética, estavam dividindo o mundo conforme seus interesses estratégicos e econômicos, inclusive a África.

Somente no ano de 1960, dezessete países se tornaram independentes. A descolonização foi fundamental para dar forma ao continente africano como o mundo conhece hoje. No entanto, a África continua sendo um continente que enfrenta problemas muito graves, como a fome, a miséria, as guerras e a AIDS. O Dia da África é comemorado hoje, 25 de maio, mas, segundo o professor, doutor em História Social e Teologia Dogmática, Karl Heinz Arenz, é necessário mostrar a complexidade ao invés de discursos bonitos que não condizem com a realidade.

'Para ficar somente com os últimos doze meses: o Sudão do Sul conseguiu sua independência, mas a guerra com o Sudão continua. Na Nigéria, as tensões entre cristãos e muçulmanos aumentaram, sendo que várias igrejas foram atacadas. Na Somália – um país que não tem governo – os ataques de piratas aos grandes navios cargueiros continuam. Em Guiné-Bissau e no Mali houve golpes de estado liderados por militares. Além disso, no Mali, toda a região norte do país, habitado em grande parte por tuaregues, se declarou independente com o nome de Azauad. Este pequeno resumo de eventos recentes mostra o quanto a África vive situações difíceis', afirma o professor.

Por outro lado, Karl Arenz ressalta que ainda há sinais de esperança. 'A Primavera Árabe, os levantes populares em muitos países de cultura árabe, começaram no norte da África e foi lá que tiveram mais sucesso. Afinal, a Tunísia, a Líbia e o Egito se livraram de seus regimes autoritários. Charles Taylor, um dos responsáveis pelas guerras civis em Serra Leoa e Libéria, também foi condenado pelo Tribunal Internacional em Haia, servindo de sinal que nem todos os crimes passam impunes. Neste sentido, é importante mencionar também que duas mulheres africanas foram contempladas com o Prêmio Nobel da Paz: Ellen Johnson Sirleaf, Presidente da Libéria, e Leymah Gbowee, militante pela paz e a reconciliação no mesmo país. Resumindo, eu diria que há sinais de esperança em meio a situações graves', disse, completando que cada vez mais o Brasil tem razões para celebrar o Dia da África, visto que as relações com os diferentes países do continente são, desde os mandatos de Lula, muito mais intensas.

Assim, o Brasil continua expandindo a sua presença na África em termos diplomáticos e econômicos. O professor buscou explicar o ímpeto de descolonização na África que aconteceu durante o Século XX em seu livro Enfim a liberdade: a descolonização da África, da Editora Estudos Amazônicos. Na obra, Karl Arenz fala sobre as lutas que marcaram e os sonhos que animaram os africanos naquela época, visando aprofundar o porquê dessa 'onda de liberdade', dando ênfase tanto aos contextos mais amplos, como a Guerra Fria e o enfraquecimento das antigas potências coloniais, sobretudo a Inglaterra, França e Portugal, quanto às reivindicações e lutas das populações africanas para conseguirem finalmente a sua independência.

Para tanto, o autor aprofundou o caso de quatro países-chave do continente – Gana, Nigéria, Argélia e Angola –, mostrando assim que não houve um único modo de descolonização. 'A independência conquistada pelos africanos foi algo muito importante, mas também muito complexo. Na verdade, nenhum país da África podia se constituir de maneira democrática a partir da vontade expressa de seus habitantes. Quem fez as fronteiras e quem, muitas vezes, inventou o nome de um país, foram os colonizadores europeus e não os africanos. Por isso, em quase todos os países da África temos um grande número de povos, línguas, religiões e culturas diferentes que, muitas vezes, não se dão muito bem. No início, muitos líderes africanos não sonharam somente com a independência de seu país, mas com a liberdade e a libertação de toda a África. Este sonho parece muito distante, mas, mesmo assim, estamos vendo que a África conseguiu, de certa forma, conformar-se com suas fronteiras artificiais e inspirar, sobretudo nos jovens, um sentimento de pertença à respectiva nação', explica o historiador.

A obra integra uma coleção de livros paradidáticos lançada pela Editora Estudos Amazônicos, que visa oferecer aos estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental um material que aborde a história da Amazônia e do Brasil. Além disso, pretende ajudar alunos e professores a conhecerem melhor os processos que contribuíram na formação da África contemporânea, que conta, atualmente, com um total de 54 nações independentes. De acordo com Karl Arenz, o livro também oferece um conteúdo que atende a Lei 10.639 de 2003, que tornou obrigatório o ensino da Cultura e História Afro-brasileiras e introduziu o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra no calendário escolar.

Serviço: Enfim a liberdade: a descolonização da África, do Prof. Dr. Karl Heinz Arenz, está à venda na Editora Estudos Amazônicos, localizada na Av. Senador Lemos, 135 – Umarizal. Informações: (91) 3212-7308 / 3349-7308.

FONTE:PORTAL ORM

quinta-feira, 24 de maio de 2012

As perseguidas


Ora lascivas, ora virtuosas, as mulheres foram estereotipadas nos romances filosóficos do século XVIII



Seres tomados por paixões, as mulheres não raciocinavam com a cabeça, e sim com a genitália. Pelo menos era nisso que acreditava o filósofo Denis Diderot (1713-1784), que ainda emendava: as mulheres estariam tão submetidas a seus impulsos que suas almas – se é que mulher possuía alguma – estariam em suas vaginas. 

Em seus escritos, ele chamava a genitália feminina, “carinhosamente”, de “joia”: “Acho que a joia leva uma mulher a fazer mil coisas sem que ela perceba. Já reparei, mais de uma vez, que uma mulher que pensava estar seguindo sua cabeça, na verdade estava obedecendo à sua joia. Um grande filósofo situava a alma masculina no cérebro. Se eu atribuísse às mulheres uma alma, sei onde a situaria.”  

Diderot não foi o único a pensar na mulher desta forma. Boa parte dos “romances filosóficos” concebia suas personagens femininas como “emocionalmente desequilibradas” e “irascíveis em suas paixões”, mais propensas a caírem, inclusive, em um desregramento sexual. 
A origem desses romances, no século XVIII, está relacionada ao Iluminismo. 
Alguns filósofos da chamada “Época das Luzes” tentaram responder a perguntas sobre uma possível natureza feminina. Afinal, o que se vê nas mulheres que não é possível ver nos homens? Existe uma superioridade masculina com relação ao controle dos sentimentos? Quais seriam, então, os “atributos” de uma “mulher virtuosa”? Em diferentes oportunidades, os pensadores responderam a suas inquietações por meio dos chamados “romances filosóficos”.
Além de Diderot, Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Rousseau (1712-1778) e Crebillon Fils (1707-1777) fizeram dos romances importantes veículos para a divulgação das ideias e dos ideais iluministas, que criticavam a sociedade hierarquizada e a Igreja Católica. Talvez tenha sido esse um dos motivos que levaram os romances a ser tão perseguidos pela censura portuguesa no século XVIII. 
Belo sexo
Mas as Luzes – e, consequentemente, os romances – não se preocuparam apenas em avaliar e ironizar o trono e o clero. É certo que entre os temas mais abordados pelas narrativas também apareceu, de forma recorrente, a questão do feminino. Não teria sido fortuito, por exemplo, o fato de que vários romances, logo em seus títulos, já fizessem menção ao “belo sexo”. Foi o caso dos romances Teresa Filósofa (1749), de Jean-Baptiste de Boyer, o marquês d’Argens (1704-1771), A Religiosa (1760), de Denis Diderot, Júlia ou A Nova Heloísa (1761), de Rousseau, e A Princesa de Babilônia (1768), de Voltaire.
Duas fases marcaram as opiniões dos “romances filosóficos” sobre as mulheres. Em uma fase inicial – na primeira metade do século XVIII –, as mulheres foram descritas de forma bastante pejorativa, quase sempre relacionadas a “paixões”. Mas as mulheres não eram descritas como possuidoras de uma paixão que, bem moderada, incentivava as pessoas a cumprir seus objetivos. Não! Elas eram associadas a uma “má paixão”, descontrolada, sem limites. Em suma: uma paixão que transformava os seres humanos em criaturas quase irracionais.
Essa imagem lasciva da mulher teve importantes consequências na caracterização das personagens dos romances. Em geral, as heroínas da primeira metade do século XVIII possuíam características físicas e psicológicas – juventude, beleza e voluptuosidade – que as inclinavam “naturalmente” a viver suas paixões. Jovens, as personagens representavam uma dupla imagem: a da mulher a ser deflorada e a da menina que começava a ser impelida ao sexo por seus próprios sentidos – situação vivida, por exemplo, pela personagem Teresa, do romance Teresa Filósofa. Bonitas, elas seriam sempre desejadas e convidadas a viver suas paixões. Manon Lescaut, a sensual protagonista de A História do Cavalheiro Des Grieux e Manon Lescaut (1731), escrita pelo abade Prévost (1697-1763), é um exemplo lapidar. Voluptuosas, as mulheres estariam constantemente com suas paixões afloradas, como Fatmé, coadjuvante de Cartas Persas,romance de Montesquieu publicado em 1721 e proibido pela censura portuguesa em 1771.

Mulheres orientais
Nessa obra, as “mulheres orientais” são descritas por Montesquieu como seres tão desejosos de sexo que, para não se “perderem”, deveriam ser trancafiadas e vigiadas, dia e noite, por eunucos. Vistas como lúbricas ao extremo, estas infelizes prisioneiras não conseguiam suportar – literalmente – a ausência do falo masculino. Somente por meio dele suas “paixões” poderiam ser temporariamente saciadas. Fatmé, ao longo de todo o romance, ilustrou bem este discurso. Presa em um serralho e distante de Usbek, seu “senhor”, ela lamentava não poder saciar os desejos que tanto a castigavam. Sofrendo com os ataques de suas paixões, Fatmé oscilava entre a resignação – a fidelidade a Usbek – e o desespero – o anseio incontrolável por sexo. Até que, no limite de sua resistência, desabafa, com rara franqueza, em carta a Usbek: “Como é infeliz a mulher que tem desejos tão violentos quando está privada do único meio de saciá-los; quando abandonada a si mesma, nada tendo que a possa distrair, ela tem de habituar-se aos suspiros e viver no furor de uma paixão irritada”.  






Se havia interesse pela juventude e pela voluptuosidade, o mesmo não se pode dizer sobre personagens que viessem a representar os papéis de esposas e mães. Pouquíssimas obras, entre 1721 a 1760, apresentavam esse perfil. A razão parece óbvia: maternidade e matrimônio exigiam uma postura mais equilibrada das mulheres. 

E, definitivamente, os romances da primeira metade do século XVIII não viam, nem queriam ver, o feminino de tal forma. Interessavam-se mais pelas mulheres apaixonadas. Afinal, na opinião manifestada em alguns romances, eram as que melhor representavam a tão discutida e controvertida “natureza feminina”. Além disso, tais personagens seriam, segundo os escritores do período, mais interessantes para o público leitor. Sendo loucas em suas paixões, a possibilidade de as heroínas se envolverem em cenas lascivas seria bastante considerável. E entre ver esposas cuidando de seus afazeres domésticos e bisbilhotar belas jovens se entregando ao sexo, havia os que preferiam esta última opção.

Uma alternativa que agradava aos leitores deveria desagradar, e muito, aos censores portugueses. Basta lembrar que boa parte dos romances proibidos foi de obras escritas e publicadas na primeira metade do século XVIII. Boa parte, mas não a totalidade. A censura portuguesa também proibiu um número considerável de obras lançadas após 1750. Dentre elas estava Júlia ou A Nova Heloísa, de Jean-Jacques Rousseau, proibida pelo Edital da Real Mesa Censória em 24 de setembro de 1770. Uma proibição que – pensando especificamente no feminino – chega a surpreender. Sob vários aspectos, a obra proibida de Rousseau se alinhava às opiniões de uma moral religiosa que era apregoada às mulheres e que os tribunais censórios portugueses tanto defendiam. Muito antes de corromper e ridicularizar valores como a virgindade, o casamento, a fidelidade conjugal, o “dever” da mulher de ser obediente ao homem – primeiro ao pai, depois ao marido – e o zelo materno, temas caros à religião católica, A Nova Heloísa osdefendeu de forma explícita.
 Olhar filosófico
Romance epistolar, com narrativa desenvolvida a partir de cartas trocadas entre os personagens, A Nova Heloísa marcou outro momento dos “romances filosóficos”, com novas opiniões sobre o feminino. Nele, as mulheres não foram descritas apenas pelo ângulo das “paixões”. O “belo sexo” passava a ser relacionado também a uma ideia de virtude, que estava estreitamente ligada a três pilares: à virgindade na juventude – afinal, “o amor nas moças é indecente e escandaloso e apenas um esposo autorizaria um amante” –, ao matrimônio e à maternidade. Segundo Rousseau, quando adulta, a mulher deveria saber qual é o seu lugar. A “mulher virtuosa” seria a esposa casta e submissa e a mãe que prepara os filhos para serem educados pelos homens: “Mas há um longo caminho dos seis anos aos 20; meu filho não será sempre criança e, à medida que sua razão comece a nascer, a intenção de seu pai é de realmente a deixar exercer. Quanto a mim, minha missão não vai até lá. Alimento crianças e não tenho a presunção de querer formar homens. Espero, disse, olhando seu marido, que mãos mais dignas se encarregarão desse trabalho. Sou mulher e mãe, sei manter-me em meu lugar. Ainda uma vez, a função de que estou encarregada não é a de educar meus filhos, mas de prepará-los para serem educados”.
Essas opiniões novamente se refletiram na caracterização das próprias personagens. Se nos romances anteriores à obra de Rousseau as heroínas não foram pensadas para viver a maternidade e o matrimônio, e sim para deixarem transparecer “os efeitos das paixões”, na Nova Heloísa a situação se inverte. Neste romance, as personagens estão envolvidas com suas futuras obrigações de mãe e esposa durante quase toda a narrativa.
De Montesquieu a Rousseau, os “romances filosóficos” estiveram longe de propagandear uma emancipação feminina. Suas personagens bem demonstraram isso. Apaixonadas ou virtuosas, as mulheres foram sempre vistas nas obras como seres inferiores aos homens, tanto em sua capacidade psicológica quanto nos seus direitos perante a sociedade. A situação era bem difícil: se ousassem expor seus sentimentos, seriam encaradas como escravas de suas paixões. Se optassem por não abraçar a maternidade e o matrimônio, estariam se afastando da virtude. Mas, apesar de tanta resistência, as mulheres, mesmo vivendo em tal contexto, conquistaram importantes avanços. E continuam conquistando. Apaixonadas e virtuosas.     
FONTE:REVISTA DE HISTÓRIA / Renato Sena Marques 

SAIBA MAIS - Bibliografia
 BADINTER, Elisabeth. Émilie, Émilie – A ambição feminina no século XVIII (Paz e Terra, 2003).
CASNABET, Michèle Crampe. “A mulher no pensamento filosófico do século XVIII”. (Tradução de Maria Carvalho Torres). In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle (orgs). História das mulheres no Ocidente,vol. 3. Porto: Edições Afrontamento; São Paulo: Ebradil, 1990.
MATOS, Luiz F. Franklin. “Livre gozo e Livre exame. Ensaios sobre a obra Les Bijoux Indiscrets, de Diderot”. In: NOVAES, Adauto (org). Libertinos Libertários. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
RIBEIRO, Renato Janine. “Literatura e Erotismo no Século XVIII francês. O caso de Teresa Filósofa”. In: NOVAES, Adauto (org). Libertinos Libertários. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
VILLALTA, Luiz Carlos. “Bibliotecasprivadas epráticasdeleituranoBrasilcolonial”. In: www. caminhosdoromance.iel.unicamp.br

A árvore da vida


A humanidade mudou sua atitude em relação ao meio ambiente, mas ainda não abriu mão da exploração desenfreada dos recursos naturais



“O homem é um animal preto que possui lã sobre a cabeça, caminha sobre duas patas, é quase tão destro quanto um símio, é menos forte do que outros animais de seu tamanho, provido de um pouco mais de ideias do que eles e dotado de maior facilidade de expressão. Ademais, está submetido igualmente às mesmas necessidades que os outros, nascendo, vivendo e morrendo exatamente como eles.”
Escrito em 1736, o trecho ainda nos soa familiar. Voltaire (1694-1778), um dos grandes nomes do Iluminismo, assumia a pele de um viajante extraterrestre que descia na África e dava a sua impressão sobre a nossa espécie: apenas mais um animal, um ser inserido na natureza, muito distante das concepções religiosas até então em vigor. Seu texto, o Tratado de metafísica, assim como toda a sua obra, foi condenado pela Igreja.
A dor de cabeça que esta concepção natural do homem rendeu a Voltaire e a alguns dos seus companheiros é uma prova de que nossa relação com a natureza nem sempre foi a mesma. Se, nos nossos dias, algumas pessoas são capazes de dedicar suas vidas à defesa do meio ambiente, no passado o mundo natural já foi visto como algo totalmente estranho ou, no máximo, uma fonte inesgotável de recursos para o sustento dos homens – e mesmo para o seu puro divertimento, como comprovam as populares rinhas de todos os tipos de animais, muito comuns em todos os grupos sociais na Época Moderna, ou as caçadas que faziam a alegria de nobres e reis.
Por incrível que pareça, não era o que ocorria entre os gregos e os romanos da Antiguidade, há mais de 2.000 anos, como afirmou o historiador britânico Keith Thomas. Pensadores daquela época chegaram a uma concepção bem próxima da que temos hoje: a natureza, para autores como Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) e Plínio, o Velho (33-79), deveria ser entendida de acordo com a sua lógica interna. Muito diferente do que aconteceria séculos depois, com a generalização do cristianismo no Ocidente ao longo da Idade Média: a partir de então, a natureza passa a ser entendida como algo criado por Deus, mas que existe apenas para servir ao homem – Adão, sua criação máxima, é feito segundo sua imagem e semelhança.
Sob influência desta concepção teológica do mundo, por exemplo, os cogumelos eram estudados, classificados e separados entre os que podem ser comidos e os venenosos. Esses eruditos e naturalistas medievais e do início da Época Moderna não levavam mais em conta as características próprias daquelas espécies, como a cor, a textura, o tamanho, o sistema do qual fazem parte. O que interessava era a sua relação com o homem. Esta concepção criou raízes tão profundas que atravessou séculos e chegou ao sueco Carlos Lineu (1707-1778), considerado o pai da taxonomia moderna (a classificação científica do mundo natural). Seu sistema é iluminista, científico, não religioso – ou seja, a base do nosso conhecimento atual sobre animais e plantas. Entretanto, nem mesmo Lineu conseguiu escapar totalmente da tradição teológica. Quando classificou os canídeos, chamou o nosso cão doméstico de canis familiaris – a espécie foi batizada de acordo com sua proximidade com o homem.

"Mesmo o controle do corte de árvores durante o século XVII
pode ser justificado como uma forma de garantir o estoque real
de madeira para a construção naval" 
















A própria formação econômica e social que cobriu vastas regiões da Europa durante a Idade Média, o feudalismo, refletiu em alguma medida uma noção meramente utilitária do mundo natural. As grandes áreas dominadas pelos senhores feudais – chamadas de domínios – eram divididas em terras para a agricultura, construções e reserva senhorial. Esta última nada mais era do que uma vasta porção de terra “inculta” – ou seja, uma floresta que servia exclusivamente às necessidades do senhor feudal, como a caça e o corte de madeira. A lenda de Robin Hood, um fora da lei que liderava um grupo de bandoleiros em uma floresta inglesa na Idade Média, talvez seja um eco longínquo da luta entre grupos sociais por uma apreensão utilitária do meio natural.

Os portugueses que chegaram à América entre os séculos XV e XVI, ávidos por almas, corpos e riquezas, viviam num contexto de transformações intelectuais que os forçava a lidar de uma maneira diferente com a natureza. Muitos estudiosos acabaram por atribuir a estes homens, que precisavam, por necessidade prática, ter um conhecimento mais profundo da flora e da fauna, uma noção modernada natureza. Reconhecer espécies comestíveis, investigar locais de ocorrência de recursos naturais, identificar sinais de terra nas correntes marítimas: um conhecimento mais apurado do meio não era apenas o reflexo de uma mudança de pensamento, mas uma necessidade vital para estes aventureiros do mar, o que abriria caminho para o que conhecemos como ciência moderna.
Mas Sérgio Buarque de Holanda, em Visão do Paraíso (1959), levanta sobre isso uma dúvida: o cuidado que esses homens têm ao analisar a natureza não seria correlato ao “pedestre realismo” da cultura medieval, que representa anjos que não voam, mas caminham sobre nuvens, como se isto fosse mais plausível? Talvez não tenhamos uma resposta definitiva, mas a exploração colonial da América não mostrou indícios de que as preocupações com o meio ultrapassassem a visão da natureza como algo que só existe para servir ao homem. Mesmo uma iniciativa como o controle do corte de árvores durante o século XVII pode ser justificada como uma forma de garantir o estoque real de madeira para a construção naval. Além disso, durante todo o período colonial, nenhum esforço de preservação foi comparável à sanha mercantilista que predou o pau-brasil, desviou e envenenou rios em busca de metais, devastou florestas em lenha para transformar cana em açúcar.

Quais seriam, em termos práticos, os benefícios de se conhecer “a origem das espécies”?
Nenhum maior do que colocar a natureza
sob domínio completo do homem
Ao longo do século XIX, com os desdobramentos de uma abordagem científica do mundo, a natureza acabou incorporada ao domínio humano não apenas por causa da sua utilidade. Mais do que a serventia – ou o lucro –, o conhecimento em si torna-se legítimo. Quais seriam, em termos práticos, os benefícios de se conhecer “a origem das espécies”? Nenhum maior do que colocar a natureza sob domínio completo do homem – ou do homem “civilizado”. Tratava-se, a partir daí, de conhecer para dominar, o que foi posto em prática de forma bastante agressiva no Velho e no Novo Mundo. Homem e natureza estavam em lados opostos, salvo quando isso punha em risco a nossa imagem civilizada – caso, por exemplo, do repúdio que surge em alguns círculos em relação aos tradicionais maus-tratos contra os animais.
No Brasil, a febre desenvolvimentista, que se abateu sobre nós ainda na primeira metade do século XX, via a natureza como obstáculo. Desenvolvimento, integração nacional, industrialização, desbravamento, civilização... Tudo o que era verde esmaeceu na bandeira da República. Em 1957, ao conceber Brasília, Lucio Costa expressou sua criação como um ato de domínio do homem sobre o território virgem. No plano piloto, os dois eixos que se cruzam perpendicularmente são a marca do triunfo do homem sobre a natureza selvagem.








Na década seguinte, o mundo assistiria ao surgimento de uma postura efetivamente ecológica em relação ao mundo natural. A agitação dos anos 1960 trouxe também a preocupação com os limites da capacidade de recuperação do ambiente degradado, expondo a forma irresponsável como a humanidade conduzia havia séculos seu suposto progresso. 

As conferências internacionais sobre o tema começaram a revelar uma outra postura da comunidade global em relação à natureza. Se o homem pode ser entendido como um ser constituinte do mundo natural, sua existência está inevitavelmente condicionada à compreensão e à preservação do meio ambiente. Este passa a ser visto não mais como uma fonte inesgotável de recursos, ou como uma fera a ser dominada, mas como patrimônio a ser preservado. Junto com esta consciência, o reforço de uma noção que transcende fins práticos: é preciso preservar a natureza porque ela é digna de ser preservada. Abraçar árvores nos faz mais humanos.

Resta saber, entretanto, se estamos dispostos a abrir mão de um modelo de desenvolvimento econômico generalizado no século XIX – a produção e o consumo de bens –, com o risco de deixarmos de existir como espécie.

FONTE: Rodrigo Elias pesquisador da Revista de História.

Outra Alexandria


Não sei se a internet e seus instrumentos comunicantes tiveram mesmo tanta influência nessa revolução no Egito como dizem, mas se tiveram não deixa de ser curioso que o mais novo meio de compartilhar informação tenha sublevado a terra onde floresceu a ideia do conhecimento compartilhado. Três mil anos, mais ou menos, separam o facebook e o tuiter, para não falar do Google, da biblioteca de Alexandria, onde pela primeira vez se quis reunir e expor tudo que se sabe do mundo. O que também foi uma revolução.
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Foi Demetrius, um ex-aluno do Liceu de Atenas fundado por Aristóteles quem começou a biblioteca, sob ordens de Ptolomeu I, em cuja corte ele foi uma espécie de filósofo residente. Demetrius costumava se maquiar e pintar os cabelos de loiro, gostava tanto de mulheres quanto de rapazes e dava grandes banquetes que acabavam em orgias, mas ficou na História como construtor da primeira biblioteca universal de que se tem notícia, pois a vontade de Ptolomeu era ter em um só lugar toda a memória da antiguidade e todo o pensamento humano.
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A biblioteca de Alexandria surgiu numa época de transição, em que a escrita substituía a fala na transmissão da cultura e do conhecimento e toda uma tradição oral, como a memorização e repetição dos épicos homéricos, cedia ao texto manuscrito - que durante algum tempo foi considerado coisa de maus espíritos, entre os gregos. A mudança tecnológica é análoga à que se vê hoje, quando discutem se o livro eletrônico vai ou não matar o livro tradicional e levar nossa alma junto. Com sua biblioteca, Demetrius, discípulo de Aristóteles, fortaleceu a linha oposta à dos velhos gregos Platão, que preferia o debate verbal à escrita, e Sócrates, que nunca escreveu nada.
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Dizem que, no seu auge, a biblioteca de Alexandria chegou a ter meio milhão de livros, lembrando que alguns livros eram constituídos por vários rolos. Eram acessíveis ao grande público mas principalmente a escolásticos e à nobreza. (É atraente imaginar a Cleópatra percorrendo as suas estantes atrás de alguma coisa leve para ler no fim de semana.) Mas, acima de tudo, a biblioteca contribuiu para transformar Alexandria na capital intelectual do mundo helênico e da civilização do Mediterrâneo, uma inspiração para outros povos. Compare-se isso com o poder da internet de atravessar fronteiras e criar comunidades de informação e conhecimento com uma só língua.
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No fim, Alexandria acabou sendo vítima do seu próprio cosmopolitismo, do qual a biblioteca era o maior exemplo. Os diferentes grupos atraídos pelo mix cultural e religioso da cidade entraram em conflito. A presença de sucessivos poderes autoritários - ptolomaico, depois romano, bizantino e islâmico - evitou uma ruptura maior, mas não impediu a decadência da cidade. Há várias versões sobre o fim da biblioteca. Uma culpa Júlio César, que precisando fugir do seu palácio e chegar até seus navios no porto teria incendiado tudo no caminho, inclusive a biblioteca.
Segundo outra versão, os grupos raciais e religiosos em confronto simplesmente a ignoraram, e a biblioteca morreu aos poucos, de descaso.
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Se é verdade que a internet uniu os manifestantes que derrubaram o Mubarak, resta saber até quando durará essa comunidade. A da biblioteca de Alexandria não resistiu. 
FONTE:LUIS FERNANDO VERISSIMO - O Estado de S.Paulo

Guerra Mundial I

Também conhecida como Grande Guerra, ou Guerra das Guerras (28/6/1914 a 11/11/1918)

Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, e sua esposa Sofia, Duquesa de Hohnberger, foram assassinados. O criminoso e autor do atentado, Gavrilo Princip, pertencia a uma grupo terrorista armado denominado Mão Negra, que tinha como bandeira a unificação dos territórios sérvios.  
O Império austro-húngaro esperou três semanas para tomar uma decisão. No mês seguinte, graças ao apoio incondicional alemão ao Império austro-húngaro, um ultimato foi mandado à Sérvia com  várias requisições, entre elas a que agentes austríacos fizessem parte das investigações, e que a Sérvia seria declarada culpada pelo atentado. O governo sérvio aceitou todos os termos do acordo, com exceção da participação de agentes, que consideravam uma violação da soberania.
Em decorrência da rejeição desse termo, no dia  28 de julho, cerca de um mês depois dos assassinatos, teve início o bombardeio a Belgrado. No dia seguinte, a Rússia, que sempre tinha sido uma aliada da Sérvia, deu ordem de locomoção às suas tropas. Os alemães, que tinham garantido o apoio ao Império austro-húngaro no caso de uma eventual guerra, determinaram que o governo russo parasse a mobilização de tropas. No primeiro dia de agosto o ultimato expirou sem qualquer reação .
A Alemanha então declarou guerra à Bélgica e no dia 3 de agosto estendeu o conflito à França. No dia seguinte, o Império Britânico saiu da sua posição neutra.
No início da guerra, a Itália era aliada dos Impérios Centrais na Tríplice Aliança, mas afirmou que permaneceria neutra. Mais tarde, devido às pressões diplomáticas da Grã-Bretanha e da França, foi firmado em 26 de abril de 1915 um pacto secreto contra o aliado austríaco, chamado Pacto de Londres. O não-cumprimento das promessas feitas foi um dos fatores que levaram a Itália a aliar-se ao chamado “eixo”, na Segunda Guerra Mundial.
A participação militar do Brasil no conflito se resumiu ao envio, em 1918, de um grupo de aviadores do Exército e da Marinha, que foram integrados à Força Aérea Real Britânica além de um corpo médico militar, composto por oficiais e sargentos do exército que foram integrados ao exército francês. A Marinha também enviou uma divisão naval com a incumbência de patrulhar a costa noroeste da África a partir de Dakar e o Mediterrâneo, desde o estreito de Gibraltar evitando a ação de submarinos inimigos.
O jornal "O Estado de S. Paulo" teve um papel de importância no noticiário da guerra com o lançamento do "Estadinho", tiragem vespertina dirigida por Julio Mesquita, que durante quatro anos escrevia todas as segundas-feiras artigos jornalísticos e ao mesmo tempo reflexivos dos principais acontecimentos.
Em 1917, a Rússia abandonou a guerra em razão do início da Revolução. No mesmo ano, os EUA, que até então só participavam como fornecedores, ao ver os seus investimentos em perigo, entram militarmente garantindo a vitória da Tríplice Entente.
A guerra ocorreu entre a Tríplice Entente (liderada pelo Império Britânico, França, Império Russo (até 1917) e Estados Unidos (a partir de 1917). A coligação formada pelas Potências Centrais (liderada pelo Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco Otomano) foi derrotada mudando de forma radical o mapa geopolítico da Europa e do Médio Oriente.
Na Europa Central os novos estados Tchecoslováquia, Finlândia, Letônia, Lituânia, Estônia e Iugoslávia forma formados depois da guerra e os estados da Áustria, Hungria e Polônia foram redefinidos. Pouco tempo depois, em 1923, os fascistas tomaram o poder na Itália.
Muitos dos combates ocorreram nas frentes ocidentais, em trincheiras e fortificações. As batalhas davam-se em invasões dinâmicas, confrontos no mar e, pela primeira vez na história, no ar. O saldo estimado foi de mais de 19 milhões de mortos, dos quais 5% eram civis. O fim da Primeira Guerra Mundial está diretamente relacionado ao início da segunda, já que esta foi norteada pela recuperação dos territórios alemães perdidos.
FONTE: ACERVO ESTADÃO

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Leia a íntegra do discurso de Dilma na Comissão da Verdade


A presidente Dilma Rousseff assinou nesta quarta-feira (16) a instalação da Comissão da Verdade, em cerimônia oficial no Palácio do Planalto. Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e José Sarney participaram do ato.

A Comissão da Verdade, formada por sete integrantes, terá a missão de investigar e narrar violações aos direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988 (que abrange o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra até a publicação da Constituição Federal).

LEIA O DISCURSO DE DILMA
Senhor Michel Temer, vice-presidente da República, senhores ex-presidentes da República: senador José Sarney, ex-presidente da República e presidente do Senado Federal; senhor Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República; senhor Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República; senhor Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República; deputado Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados, ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, senhor Dipp Lângaro, aliás, desculpa, Gilson Lângaro Dipp, representante membro do Supremo [Superior] Tribunal de Justiça, e representante aqui da Comissão da Verdade, senhoras e senhores ministros de Estado aqui presentes.

Eu cumprimento todos ao cumprimentar a Gleisi Hoffmann, da Casa Civil; o José Eduardo Cardozo, da Justiça; o Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União; e a Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos; e o embaixador Celso Amorim, da Defesa. Senhores ex-ministros da Justiça: Fernando Lyra, senador Aloysio Nunes Ferreira, senador Renan Calheiros e o integrante da Comissão da Verdade, que foi responsável pela fala que dá início a esta cerimônia, que é José Carlos Dias. Queria cumprimentar também os senhores e senhoras senadores aqui presentes, ao saudar o senador Eduardo Braga, líder do governo no Senado Federal. Cumprimentar as senhoras e senhores deputados federais, cumprimentando o deputado Arlindo Chinaglia. Cumprimentar também o senhor Roberto Gurgel, procurador-geral da República, o ministro João Oreste Dalazen, presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Cumprimentar aqui também o senhores comandantes das Forças: almirante Júlio Soares de Moura Neto, da Marinha; general Enzo Martins Peri, do Exército; brigadeiro Juniti Saito, da Aeronáutica; general José Carlos De Nardi, do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas. Senhoras e senhores membros da Comissão da Verdade Cláudio Fontelles, Gilson Lângaro Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso da Cunha. Queria cumprimentar todos os prefeitos aqui presentes saudando o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati. Cumprimentar o coordenador residente das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek. Cumprimentar o senhor Amerigo Incalcaterra, representante regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, por intermédio de que cumprimento todos os demais representantes de Organismos Internacionais. Cumprimentar todas as senhoras e senhores representantes de entidades de defesa dos direitos humanos, senhoras e senhores familiares, senhoras e senhores jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas.

Senhoras e senhores.
Eu queria iniciar citando o deputado Ulysses Guimarães que, se vivesse ainda, certamente, ocuparia um lugar de honra nessa solenidade.

O senhor diretas, como aprendemos a reverenciá-lo, disse uma vez: "a verdade não desaparece quando é eliminada a opinião dos que divergem. A verdade não mereceria este nome se morresse quando censurada." A verdade, de fato, não morre por ter sido escondida. Nas sombras somos todos privados da verdade, mas não é justo que continuemos apartados dela à luz do dia.

Embora saibamos que regimes de exceção sobrevivem pela interdição da verdade, temos o direito de esperar que, sob a democracia, a verdade, a memória e a história venha à superfície e se torne conhecidas, sobretudo, para as novas e as futuras gerações.

A palavra verdade, na tradição grega ocidental, é exatamente o contrário da palavra esquecimento. É algo tão surpreendentemente forte que não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o perdão. Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento.

É memória e é história. É a capacidade humana de contar o que aconteceu.

Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições.

O que fazemos aqui, neste momento, é a celebração da transparência da verdade de uma nação que vem trilhando seu caminho na democracia, mas que ainda tem encontro marcado consigo mesma. Nesse sentido... E nesse sentido fundamental, essa é uma iniciativa do Estado brasileiro e não apenas uma ação de governo.

Reitero hoje, celebramos aqui um ato de Estado. Por isso, muito me alegra estar acompanhada por todos os presidentes que me antecederam nestes 28 benditos anos. Por isso, muito me alegra estar acompanhada por todos os presidentes que me antecederam nestes 28 benditos anos de regime democrático.

Infelizmente, não nos acompanha o presidente Itamar Franco, a quem rendo as devidas homenagens, por sua digna trajetória. Por sua digna trajetória de luta pelas liberdades democráticas, assim como pelo zelo com que governou o Brasil, sem qualquer concessão ao autoritarismo.

Cada um de nós aqui presentes --ex-presidentes, ex-ministros, ministros, acadêmicos, juristas, militantes da causa democrática, parentes de mortos desaparecidos e mesmo eu, uma presidenta-- cada um de nós, repito, é igualmente responsável por esse momento histórico de celebração.

Cada um de nós deu a sua contribuição para esse marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é o ponto culminante de um processo iniciado nas lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela estabilidade econômica, pelo crescimento com inclusão social. Um processo construído passo a passo, durante cada um dos governos eleitos, depois da ditadura.

A Comissão da Verdade foi idealizada e encaminhada ao Congresso no governo do meu companheiro de jornada, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem tive a honra de servir como ministra e a quem tenho o orgulho de suceder. Mas ela tem sua origem, também, na Lei da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, aprovada em 1995, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquela oportunidade, o Estado brasileiro reconheceu, pela primeira vez, a sua responsabilidade pelos mortos de desaparecidos sob sua custódia. Pelos mortos de desaparecidos sob sua custódia durante o regime autoritário.

No entanto, é justo que se diga que o processo que resultou na Comissão da Verdade teve início ainda antes disso, durante o mandato do presidente Fernando Collor, quando foram abertos os arquivos do DOPS de São Paulo e do Rio de Janeiro, trazendo a público toneladas de documentos secretos que, enfim, revelados representaram um novo alento aos que buscaram informações sobre as vítimas da ditadura.

O Brasil deve render homenagens às mulheres e aos homens que lutaram pela revelação da verdade histórica. Aos que entenderam e souberam convencer a nação de que o direito à verdade é tão sagrado quanto o direito que muitas famílias têm de prantear e sepultar seus entes queridos, vitimados pela violência praticada pela ação do Estado ou por sua omissão.
É por isso, é certamente por isso que estamos todos juntos aqui. O nosso encontro, hoje, em momento tão importante para o país, é um privilégio propiciado pela democracia e pela convivência civilizada. É uma demonstração de maturidade política que tem origem nos costumes do nosso povo e nas características do nosso país.

Tanto quanto abomina a violência e preza soluções negociadas para as suas crises, o Brasil certamente espera que seus representantes sejam capazes de se unir em torno de objetivos comuns, ainda que não abram mão, mesmo que mantenham opiniões divergentes sobre outros temas, o que é normal na vida democrática.

Ao convidar os sete brasileiros que aqui estão e que integrarão a Comissão da Verdade, não fui movida por critérios pessoais nem por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos, de cidadãs, de reconhecida sabedoria e competência. Sensatos, ponderados, preocupados com a justiça e o equilíbrio e, acima de tudo, capazes de entender a dimensão do trabalho que vão executar. Trabalho que vão executar - faço questão de dizer --com toda a liberdade, sem qualquer interferência do governo, mas com todo apoio que de necessitarem.

Quando cumpri minha atribuição de nomear a Comissão da Verdade, convidei mulheres e homens com uma biografia de identificação com a democracia e aversão aos abusos do Estado. Convidei, sobretudo, mulheres e homens inteligentes, maduros e com capacidade de liderar o esforço da sociedade brasileira em busca da verdade histórica, da pacificação e da conciliação nacionais.

O país reconhecerá nesse grupo, não tenho dúvidas, brasileiros que se notabilizaram pelo espírito democrático e pela rejeição à confrontos inúteis ou gestos de revanchismo.

Nós reconquistamos a democracia a nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988.

Assim como respeito e reverencio os que lutaram pela democracia enfrentando bravamente a truculência ilegal do Estado, e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e lutadoras, também reconheço e valorizo pactos políticos que nos levaram à redemocratização.

Senhoras e senhores,
Hoje também passa a vigorar a Lei de Acesso à Informação. Junto com a Comissão da Verdade, a nova lei representa um grande aprimoramento institucional para o Brasil, expressão da transparência do Estado, garantia básica de segurança e proteção para o cidadão.

Por essa lei, nunca mais os dados relativos à violações de direitos humanos poderão ser reservados, secretos ou ultrassecretos. As duas --a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação-- são frutos de um longo processo de construção da democracia, de quase três décadas, do qual participaram sete presidentes da República. 

Quando falo sete presidentes é porque estou incluindo por justiça, e porque o motivo do nosso encontro é a celebração da verdade, o papel fundamental desempenhado por Tancredo Neves, que soube costurar, com paciência competência e obstinação, a transição do autoritarismo para a democracia que hoje usufruímos.

Transição é imperativo que se lembre aqui conduzida com competência, habilidade e zelo pelo presidente José Sarney, que o destino e a história puseram no lugar de Tancredo, e que nos conduziu à democracia.

Mas, mesmo reconhecendo o papel que todos desempenharam, não posso deixar de declarar o meu orgulho, por coincidir com meu governo o amadurecimento de nossa trajetória democrática. Por meio dela, o Estado brasileiro se abre, mais amplamente, ao exame, à fiscalização e ao escrutínio da sociedade.

A Lei de Acesso à Informação garante o direito da população a conhecer os atos de governo e de estado por meio das melhores tecnologias de informação.

A transparência a partir de agora obrigatória, também por lei, funciona como o inibidor eficiente de todos os maus usos do dinheiro público, e também, de todas as violações dos direitos humanos. Fiscalização, controle e avaliação são a base de uma ação pública ética e honesta.

Esta é a razão pela qual temos o dever de construir instituições eficientes e providas de instrumentos que as tornem protegidas das imperfeições humanas.

Senhoras e senhores,
Encerro com um convite a todos os brasileiros, independentemente do papel que tiveram e das opiniões que defenderam durante o regime autoritário. Acreditemos que o Brasil não pode se furtar a conhecer a totalidade de sua história. Trabalhemos juntos para que o Brasil conheça e se aproprie dessa totalidade, da totalidade da sua história.

A ignorância sobre a história não pacifica, pelo contrário, mantêm latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda apaziguar, apenas facilita o trânsito da intolerância. A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade, e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia.

É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. Atribui-se a Galileu Galilei uma frase que diz respeito a este momento que vivemos: "a verdade é filha do tempo, não dá autoridade."

Eu acrescentaria que a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse tempo chegou.

FONTE: FOLHA.COM