FAÇA DIFERENTE

FAÇA DIFERENTE
FAÇA a COISA CERTA

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Imperialismo à brasileira


O maior teórico do imperialismo, indubitavelmente, foi Lenin. Com a cabeça de pensador engajado, e após revisão criteriosa de inúmeros trabalhos sobre o assunto, lançou as bases deste conceito, até hoje, tão caro às ciências sociais, quando descobriu que a livre concorrência, uma marca indelével do modo de produção capitalista, dera lugar aos monopólios, em virtude do aumento extraordinário da produção de mercadorias e da grande concentração de capital. Concluiu ainda que, ao entrar nessa nova fase monopolista, o capitalismo passou a priorizar a exportação de capitais, no lugar da exportação de mercadorias, ao mesmo tempo em que o mercado externo ganhou importância, como esfera de assimilação dos excedentes de capitais dos países industrialmente desenvolvidos. Desse modo, nascia o imperialismo, a fase monopolista e financeira do capitalismo.
            A teoria leninista do imperialismo, que data do início do século 20 e analisa o pleno desenvolvimento do sistema capitalista das últimas décadas do século 19, se fundamenta no fato de que os capitalistas dos Estados mais desenvolvidos economicamente são compelidos — pela  redução dos lucros auferidos no mercado interno, fruto de uma concorrência encarniçada — a buscar o mercado externo, de tipo monopólico, onde poucos controlam milhares de trabalhadores.
            É evidente que a consolidação dos monopólios traz consigo o domínio do Estado pelo poder econômico, o que influencia, sobremodo, a política nacional. O mundo passa a ser dividido por áreas de influência dos diferentes monopólios. Com a partilha, recrudesce o conflito de interesses entre os diferentes grupos econômicos, e a guerra de rapina se torna inevitável, permitindo que os Estados imperiais usem da violência contra os Estados subjugados. É a partir de 1870, após a unificação alemã e italiana, que se intensificam os comportamentos imperialistas que permitiram o redesenho do continente africano pelos colonizadores europeus. Mais adiante, terminadas as duas grandes guerras mundiais, e com o arrefecimento do imperialismo europeu, principalmente o inglês, o francês e o alemão, assume papel de destaque o imperialismo dos Estados Unidos na forma de uma política neocolonialista.
            Ora, nada mais atual do que o afirmado pelo gênio de Lenin, principalmente se levarmos em conta que, neste início do século 21, o imperialismo mantém as suas características iniciais, embora adote uma política mais agressiva na conquista de novos mercados. A nova ordem capitalista mundial, que aparece como a organização internacional dos mercados sob a direção de uma verdadeira burguesia internacional, é o império que amedronta, subjuga e, dependendo das circunstâncias e resguardados certos limites, também permite que um país emergente do capitalismo periférico, como o Brasil, expanda o seu capitalismo para toda a América do Sul.
            Coincidência ou não, os desejos expansionistas e imperialistas do Brasil, ainda que passem despercebidos para muitos, tem sua origem na Guerra do Paraguai, em abril de 1866, uma das ocupações mais sangrentas na história das Américas e o episódio mais vergonhoso da nossa história. Nessa oportunidade, o Brasil liderou a coalizão que invadiu o país vizinho, destroçou a sua economia, pujante à época, e deixou como saldo a morte de 70% da população, em nome da liberdade e da civilização. Nos dias de hoje, paraguaios ainda referem que o seu país sofreu a maior agressão imperialista na América do Sul.
            Conhecido por uma postura de submissão aos interesses dos países do capitalismo central, o Brasil, ainda assim, conseguiu um lugar ao sol, quando deixou de ser colônia de Portugal e, quase dois séculos após, recebeu o apelido de potência emergente. No entanto, o efeito desta condição produziu críticas ácidas ao nosso modo de convivência com os vizinhos, quase sempre, incomodados com nossa prepotência no trato das questões diplomáticas, haja vista a resistência dos governos equatoriano e boliviano às nossas pretensões hegemônicas, quando propuseram a privatização de algumas empresas brasileiras, durante o primeiro governo Lula. A tentativa de impor a nossa vontade, desconsiderando os interesses da Bolívia e do Equador, era um indício claro de que, ao alvorecer do terceiro milênio, o Brasil despiu as vestes de bom samaritano, coisa que nunca foi, e exibiu as presas afiadas de uma burguesia nacional famélica por lucro fácil. Ainda no primeiro mandato de Lula, este anuncia, aos quatro cantos, que o Brasil era o país líder na América do Sul, e se candidataria a um assento no Conselho de Segurança da ONU. Ao assumir a candidatura, o Brasil se vê na obrigação de atuar como parceiro menor do imperialismo global e aceita a missão vergonhosa de comandar as tropas da ONU enviadas ao Haiti, após a deposição de um presidente legitimamente eleito, com auxílio dos EUA, o que significa apoiar uma interferência americana nas questões internas do pequeno país caribenho. De resto, não paira dúvida que estamos diante de uma ação estatal, para estabelecer domínio sobre um território que não é nosso, na busca de vantagens: é o Brasil materializando a sua política imperialista.
            Com o governo Dilma não é diferente: as empresas brasileiras continuam a investir no exterior, notadamente na América Latina. Esse investimento é alto e se dá, através do financiamento, construção e exploração de megaprojetos em espaços de grandes recursos naturais, muito sensíveis ao desequilíbrio ecológico, e de grande importância geopolítica. Tudo isso, em nome da integração sul-americana. Mas, apesar das vantagens auferidas na maioria dos países, as empresas brasileiras se comportam como as multinacionais americanas, isto é, levando às últimas consequências a exploração dos trabalhadores. A ação dessas empresas e a intenção de o atual governo brasileiro liderar um bloco econômico regional estão levando os nossos vizinhos a reclamar dos pupilos do império gringo, do imperialismo à brasileira.
FONTE: JORNAL DO BRASIL / Thelman Madeira de Souza

80 anos da conquista do sufrágio feminino no Brasil










Em 1932 foi publicada a primeira legislação eleitoral, ainda que restrita, de voto para as mulheres. As restrições foram retiradas em 1934, e em 1946 o voto passou a ser universal, mas também obrigatório.

A conquista do direito de voto pelas mulheres brasileiras foi fruto da sua organização política, sobretudo, a partir da década de 20, ao mesmo tempo em que ocorriam greves e o movimento operário expressava um alto grau de desenvolvimento, formando em 1922 o primeiro partido operário do Brasil, o Partido Comunista Brasileiro

Antes de 1910, contudo, as mulheres fundaram um partido próprio, o Partido Republicano Feminista, cuja principal luta era o direito ao voto e a participação política das mulheres nas eleições.


A partir de 1917, as greves operárias no Brasil influenciadas pelo movimento anarquista e comunista europeus, especialmente, a Revolução Russa, foram determinantes para a organização das mulheres, uma vez que elas formavam uma expressiva parcela da classe operária, já nesse período. A greve geral de 1917 contou com a participação massiva das mulheres.

Essa luta geral dos trabalhadores se estende até a década seguinte que é marcada como uma época revolucionária, com o levante tenentista de 1922; o levante armado dos tenentes em 1924, em São Paulo; e em 1925, a formação da Coluna Prestes, enfrentando a polícia e o exército e propagando a necessidade de uma revolução social. Isso teve reflexo na organização das mulheres.


Em 1921, foram fundadas a Federação Internacional Feminina e as Ligas para o Progresso Feminino que, posteriormente, se constituem na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada em 1922.


Essa Federação teve papel importante na conquista do sufrágio feminino e em defesa dos direitos das mulheres. As mulheres escreveram na imprensa, organizaram congressos e lançaram candidaturas próprias a partir daí.


Uma dissidência dessa Federação, a Aliança Nacional de Mulheres, criada pela sufragista Natércia da Silva, tinha como objetivo prestar assistência jurídica às mulheres, no entanto foi fechada três anos após o governo ceder o direito de voto, em 1934, com o golpe do próprio Getúlio Vargas, em 1937, e a instauração do Estado Novo.

Parte fundamental da classe operária


As mulheres são um setor importante desde o início da formação da classe operária brasileira. No final do século XIX, em São Paulo, mulheres e crianças constituíam 72,74% dos trabalhadores nas indústrias de fiação e tecelagem. Uma pesquisa realizada em 1912 aponta que nos sete estabelecimentos fabris visitados por inspetores do trabalho, dos 1.775 trabalhadores identificados, 1.340 eram mulheres.


Como aconteceu nos países centrais, mais desenvolvidos economicamente, mulheres e crianças foram utilizadas para puxar para baixo o valor da força de trabalho. Salário baixo e maior ganho de mais-valia é o que justifica a preferência dos industriais pelo emprego de mulheres. O que foi constantemente denunciado pela imprensa operária da época.


O jornal anarquista A Terra Livre, de 1907, descreveu a organização política das operárias nas greves que ocorreram no país nesse período. “Uma das classes mais ignominiosamente exploradas, a classe das costureiras de carregação, na sua quase totalidade de mulheres, agitam-se atualmente em São Paulo para arrancar um aumento de salário aos seus patrões. Estes se negam a satisfazer o pedido das operárias e elas declaram-se em greve imediatamente”, conta.
Em 1922, as mulheres também se destacaram nas artes em geral. No movimento modernista brasileiro, Patrícia Galvão, ou Pagu, é a primeira escritora a introduzir a classe operária na literatura no Brasil, criando o que ficou chamado de literatura proletária. Pagu também se destaca como agitadora política através de sua atividade em uma série de jornais e como militante comunista.


Como em outras partes do mundo é dessa luta que nasce a luta mais geral e organizada das mulheres no Brasil. Sendo que no período constitucionalista, no final da década de 20, se destaca a luta por igualdade de direitos políticos e pelo sufrágio feminino.

A luta pelo sufrágio feminino





A luta pelo sufrágio inaugura uma etapa de luta pelos direitos políticos das mulheres. Na Europa e EUA, ela se inicia antes, ainda no século XIX. No Brasil, ganha força na década de 20 do século XX. Quem tem a iniciativa na questão do sufrágio são a burguesia e a pequena burguesia como ocorreu em muitos lugares, mas a pressão operária é, sem dúvida, um elemento fundamental da luta, fazendo parte da revolução burguesa no Brasil.


Assim como a luta das operárias e suas greves de massas fizeram mártires, a luta do sufrágio feminino também fez. Na Inglaterra, onde Mary Wollstonecraft publicou o clássico Uma reivindicação dos direitos das mulheres, em 1792, considerado um dos primeiros textos da literatura feminista, a luta pelo direito do voto feminino foi marcada por prisões e até mortes. Lá, direito só seria conquistado depois da primeira Guerra, em 1918, e apenas para inglesas maiores de 30 anos.


É importante destacar que a Revolução Russa de 1917 e as conquistas femininas com a revolução bolchevique foram determinantes para o desenvolvimento da luta e as conquistas das mulheres em outros países.


Nos EUA, onde a luta também foi intensa, apesar de alguns estados alistarem mulheres, só em 1920 a 19ª emenda “proibiu a discriminação política com base no sexo”. Na França, apenas em 1944 as mulheres puderam votar.






No Brasil, o primeiro lugar onde se tem registro da conquista desse direito é no estado do Rio Grande do Norte, onde em 1928 o governador Juvenal Lamartine autorizou o voto das mulheres na eleição, após Celina Guimarães Viana, em 1927, ter conseguido sua inclusão no rol de eleitores do município de Mossoró, se tornando a primeira eleitora do País. 

A luta cresceu e as mulheres organizadas provocaram o governo pedindo o alistamento eleitoral invocando a legislação imperial. A “Lei Saraiva”, promulgada em 1981, determinava direito de voto a qualquer cidadão que tivesse a renda mínima de dois mil réis.


A Lei evidencia o porquê de a mulher ser até hoje considerada cidadão de segunda categoria, e o fato de que quem tem, até hoje, o controle do regime político e direitos garantidos, é a classe burguesa.


Nacionalmente a lei foi modificada através do Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, de Getúlio Vargas. O código permitia apenas que mulheres casadas, com autorização do marido, ou viúvas e solteiras com renda pudessem votar. Tais restrições só foram eliminadas no Código Eleitoral de 1934. No entanto, o código tornou apenas o voto masculino obrigatório. O feminino só passou a ser obrigatório apenas em 1946.


A conquista do sufrágio abriu caminho para uma lenta evolução da participação política das mulheres e para a sua organização posterior para uma luta mais ampla.

FONTE: Fundação Astrojildo Pereira

Carrus navalis, carnevale, carnaval




Os primeiros carnavais, ainda sem este nome, foram realizados entre os anos 600 e 520 a.C. na Grécia antiga, de onde foram trazidos para Roma e adaptados ou mesclados aos festejos pagãos. Mas é provável que eles tenham sido influenciados por celebrações semelhantes feitas às margens do Nilo desde o ano 4.000 a.C., em agradecimento aos deuses pelas safras do ano anterior e súplicas de boa colheita nas próximas semeaduras. 

O Egito demorou um pouco a ser monoteísta e a render homenagens exclusivamente ao Sol, como os judeus demoraram a adotar unicamente Javé, tendo adorado até bezerros de ouro, já na travessia do deserto, quando romperam, sob Moisés, a escravidão que haviam sofrido no Egito, cuja libertação ainda hoje está presente na Páscoa, festa realizada logo depois da quaresma.

Nas duas culturas, na grega como na latina, as festas carnavalescas davam destaque nas homenagens aos deuses da fertilidade e da produção, como Saturno, deus da agricultura; Baco, deus das vinhas, do vinho, da sensualidade; Ceres, deusa das flores e dos trigais: o étimo de seu nome ainda hoje permanece na palavra cereal; e, entre outros, Príapo, deus da fertilidade humana, pois o falo, tal como representado em Príapo, era indispensável à procriação. Era, porque hoje ele também está sujeito a concorrências inimaginadas pelos antigos.
No grego, como no latim e no português, o étimo presente no nome desse deus permaneceu como indicativo de exagero da sensualidade, só tolerado entretanto nas festas para chamar a atenção dessa necessidade. No resto do ano a vida seguia sua rotina, alternando seis dias de trabalho com um de festa.






Atrás das máscaras
A coisa mais parecida com o atual Carnaval, na Roma antiga, eram as saturnais. Tribunais, escolas, fóruns e outras instituições públicas fechavam as portas. 

O povo dançava alegremente ao lado de um barco que desfilava sobre rodas pelas ruas, o carrus navalis. Desfilar é sair da fila, destacar-se dentre os demais.

O cristianismo é religião vinda do judaísmo. Quando passou a ser tolerado, cessaram as perseguições aos cristãos e logo depois, já no século 4, no reinado de Constantino, tornou-se a religião oficial do império.
A igreja, então, pôs-se a organizar todas as festas pagãs, disciplinando-as e por vezes deslocando-as, de acordo com os interesses dos novos donos do poder, agora associados ao poder imperial. Dioceses, cúrias, paróquias etc, a nomenclatura é apenas um desses vestígios.
O Carnaval foi uma das festas deslocadas. Realizado entre 17 e 23 de dezembro, veio a ter lugar à entrada da quaresma, separado da festa do deus Solis Invictus, o Sol Invicto, que por sua vez foi substituída pelo Natal.
No fim da Idade Média, tendo controlado todas as festas, menos o Carnaval, o papa Paulo II permitiu que os desfiles fossem feitos em frente a seu próprio palácio, mas com moderação, sem os apelos sexuais.
Esse papa merece ao menos um parágrafo. Sobrinho de outro pontífice, tornara-se cardeal aos 22 anos. Nascido em Veneza, então matriz do carnaval italiano, usava tantas joias e enfeites de metal que num inverno muito frio morreu de pneumonia. Seus costumes peculiares, a vivência veneziana e também sua juventude por certo influenciaram sua decisão. Ele rompeu com as famosas condenações feitas ao Carnaval por Tertuliano, Clemente de Alexandria e São Cipriano – santo a quem é atribuído inclusive um livro famoso, que ensina a fazer feitiços e malefícios contra os inimigos. Ainda hoje, tanto o verdadeiro livro de São Cipriano, como o falso, vendem muito no Brasil.
Os festejos autorizados pela Santa Sé eram realizados à entrada da quaresma e em algumas culturas, como na luso-brasileira, tiveram originalmente a variante de entrudo, do latim introitus, entrada. Isto é, entrada da quaresma.
No primeiro Carnaval autorizado pelo papa, proliferaram as alegorias, as comparações, as corridas de corcundas e de anões, os atos de jogar farinha e ovos uns nos outros etc., que perduraram por séculos. A sátira também teve seu lugar. Rainhas, princesas e outras autoridades eram representadas por célebres beldades, como as prostitutas mais conhecidas e devidamente disfarçadas no meio de mulheres virtuosas, sem excluir os bobos da corte, também misturados a outros bobos, tratados como reis nos desfiles.
Até clérigos se misturavam à multidão vestindo suas roupas litúrgicas de trás pra frente, debochando dos superiores, carregando missais virados, desde que com os rostos devidamente disfarçados por trás de máscaras, pois nos dias seguintes rezariam missas, atenderiam confissões, enfim voltariam a ministrar os sacramentos. O recurso das máscaras permitiu, como já acontecia em Veneza, que os nobres matassem a vontade de se divertir e se misturassem ao povo. Afinal, uma das coisas que o povo sempre fez melhor do que aqueles que o dominaram foi divertir-se.
Bem ou mal
Mas por que esse conjunto de festas recebeu o nome de Carnaval? As origens são controversas. Além da provável influência de carrus navalis, é possível que a palavra resulte da expressão do latim medieval “carne, vale!”, viva a carne! Estando à entrada da quaresma, dar adeus aos prazeres da carne, no sentido literal (a abstinência de comer carne), e no metafórico: suspender os prazeres sexuais desmedidos, trazendo-os para a rotina. Vale, em latim, podia ser proferido ao chegar e ao partir, como o ciao italiano.






Antes de a igreja católica disciplinar o Carnaval, que depois abandonou, tolerando-o apenas, cada cidade brincava a seu modo, de acordo com seus costumes. Mas certos resquícios permaneceram: os desfiles lembram antigas procissões, como mudaram as representações nos estandartes: saíram as efígies dos santos e dos poderosos epocais, e entraram outras alegorias. Nos carros alegóricos, em vez de musas e de santos, as “celebridades” efêmeras de cada ano.

Hoje o Brasil faz o maior carnaval do mundo, e o carnaval do Rio de Janeiro é anunciado como o maior espetáculo da Terra. Nosso país aperfeiçoou os festejos modernos da era vitoriana – pois, quanto mais repressão, mais necessidade de desafogá-la em algum momento propício. Os desfiles do século 19 mantinham a fantasia das versões, coisas que pode ser comprovada em muitos sambas-enredos atuais.
Vemos também algumas influências restantes do carnaval italiano de Veneza, principalmente com os seus bailes de máscaras, que escondiam a identidade das pessoas, que assim podiam ser o que quisessem. Não podemos esquecer que pessoa veio do latim persona e quer dizer justamente máscara.
O carnaval brasileiro deve muito à Família Real portuguesa que para cá veio em 1808. O povo adorava a monarquia e nos desfiles homenageava tanto os deuses pagãos, incluindo o rei Momo, como rainhas e princesas, misturando-os a divindades de diversas culturas.






A grande marca do carnaval é a inclusão social. Só fica de fora quem quiser. Todos estão convidados a festejar. Durante três dias (que no Brasil são cinco, pois as festas vão de sexta a quarta-feira), o rico e o pobre, patrões e empregados, feios e bonitos, todos comportam-se como se fossem iguais. Gordo, porém, só Momo. Os meses que antecedem o Carnaval são de dieta para milhões de pessoas. Inverte-se o preceito: a abstinência precede o Carnaval. As lipos também.

Na quarta-feira de cinzas, volta a realidade, que somente será abolida no próximo Carnaval. Começa a quaresma, definida de forma equivocada em todos os dicionários de língua portuguesa, pois os 40 dias ali informados não são cronológicos, são simbólicos. A Páscoa não tem data fixa no calendário gregoriano, pois segue o antigo calendário lunar. Este ano a quaresma terá 43 dias, por exemplo. Vai da quarta-feira de cinzas inclusive à quinta-feira santa exclusive.
Os leigos buscam legislar sobre as festas cristãs, mas seria de todo conveniente, em nome da precisão, que conhecessem melhor suas complexas sutilezas. Já é mais do que hora de os dicionaristas e lexicógrafos reconhecerem o óbvio: a quaresma não tem 40 dias e não tem o mesmo número de dias todos os anos. Se os leitores são ateus ou religiosos, isto não vem ao caso, pois só alguém sem cultura nenhuma deixaria de reconhecer que a civilização ocidental, para o bem ou para o mal, é herdeira de outras mais antigas, como a egípcia e a greco-romana, mas é principalmente judaico-cristã, e essas duas últimas estão presentes, explicita ou implicitamente, em usos, costumes, cerimônias, festejos, efemérides e, principalmente, nas palavras que proferimos ou calamos.
***
FONTE: Observatorio da Imprensa / Deonísio da Silva é doutor em Letras pela USP 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A REVOLUÇÃO DOS 18 DO FORTE DE COPACABANA


1.     INTRODUÇÃO   
      
O Movimento Tenentista, ou simplesmente Tenentismo, foi um conjunto de movimentos armados de inspiração política ocorridos no Brasil na década de 1920. Assim foi chamado porque gerado entre a jovem oficialidade do Exército Brasileiro, ou seja, entre tenentes e capitães idealistas, que desejavam um Brasil melhor.

            O Movimento Tenentista, no fundo, lutou contra as velhas instituições políticas representadas pela chamada República Velha, contaminada pelas oligarquias agrárias, assentadas no poder dos “coronéis”, grande parte deles latifundiários. Estes, controlavam o Congresso e a política, de uma maneira geral. Em seus estados de origem, principalmente Minas Gerais e São Paulo, suas famílias dominavam o processo político através do “voto de cabresto” e também das fraudes eleitorais. Tudo era válido, desde que o poder fosse mantido.

            Foi o Tenentismo contra o Coronelismo.

            Na época, a fraude eleitoral chegou aos níveis mais elevados do poder nacional. A chamada Comissão Verificadora de Poderes (CVP) tinha por missão verificar as Atas Eleitorais, localizar fraudes, proclamar os deputados e diplomá-los. Ora, a fraude eleitoral passou a ser feita pela própria Comissão.

            Posteriormente, ocupou espaço na política nacional a denominada “Política do Café-com-Leite”, polarizada pelos estados de São Paulo (o café) e Minas Gerais (o leite).

            Surgiu então o “Coronelismo”. Os “coronéis” eram antigos fazendeiros de grandes propriedades rurais que, há tempos idos, tinham sido coronéis da Guarda Nacional.

            Este quadro de circunstâncias foi alterado a partir da Primeira Guerra Mundial. O setor fabril experimentou um crescimento nunca visto, o que fortaleceu a burguesia industrial, a classe média urbana e o proletariado. Estes setores reclamavam a reforma eleitoral, a moralização das eleições e o voto secreto. Em outras palavras, estas faixas da população queriam participar do poder e estavam lutando por isso. O proletariado lutava, também, por melhores salários.

            A este quadro de circunstâncias somou-se o Tenentismo, enquanto movimento reivindicatório de reformas sociais e políticas, baseado no caráter idealista de jovens oficiais do Exército, descontentes com a situação do país.

            Conforme Fernando Henrique Cardoso, no texto das abas do livro de Edgard Carone “O Tenentismo” (Difel, São Paulo, 1975) a reiteração da necessidade de educação popular, o espírito antilivresco, a crítica à corrupção e o saque do patrimônio popular sob a proteção do Estado, entre outras, foram as bandeiras levantadas pelos “tenentes”. 

O pensamento tenentista era o seguinte:

“Se as urnas mentem, que em seu lugar falem as armas”.
           
Em âmbito geral, o movimento pode ser visto como uma manifestação da pequena burguesia, a qual experimentou uma ascensão após a 1ª Guerra Mundial, dentro do contexto do crescimento urbano e da insatisfação do operariado.

Os militares seriam, assim, “segmentos dinâmicos do processo reivindicatório da classe média”, conforme CARONE, Edgard, O Tenentismo, Difel, São Paulo, 1975, pág. 19.

            A fase revolucionária do Movimento Tenentista foi desencadeado na madrugada de 4 para 5 de julho de 1922 no Rio de Janeiro, em três focos: um na Vila Militar, outro na Escola Militar do Realengo e o terceiro no Forte de Copacabana.

            O objetivo deste trabalho é relatar os acontecimentos que mais projeção tiveram: a Revolta dos 18 do Forte de Nossa Senhora de Copacabana.  


2. DESENVOLVIMENTO
   
a.     A Revolta dos 18 do Forte de Nossa Senhora de Copacabana  

Na manhã do dia 05 de julho de 1922 os dois primeiros focos da revolta, Vila Militar e Escola do Realengo, já tinham sido eliminados.

Restava o Forte de Copacabana. Neste, os preparativos tinham sido tomados com bastante antecedência. Trincheiras, redes de arame farpado, reabastecimento de alimentos para um mês, não liberação dos soldados, eletrificação da rede, preparação de sacos de areia, etc.
O fator desencadeante da revolta dos tenentes do Forte de Copacabana foi o protesto contra a prisão do General Hermes da Fonseca pelo Presidente Epitácio Pessoa.

Em junho, o governo havia intervindo na sucessão estadual de Pernambuco e foi duramente criticado pelo Marechal Hermes da Fonseca, Presidente do Clube Militar. Em reação, Epitácio ordenou a prisão do marechal e o fechamento do Clube Militar, no dia 2 de julho de 1922.

A revolta dos tenentes não era somente contra Epitácio, mas também contra a posse de Artur Bernardes, presidente eleito.

O governo lançou sobre Copacabana batalhões do Exército e da Polícia Militar, além de dois encouraçados e hidroaviões da Marinha que bombardearam violentamente o Forte. O Capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do Marechal Hermes, comandante em exercício do Forte, foi chamado ao Palácio do Governo para parlamentar, mas foi preso, sendo então substituído por Siqueira Campos. Os tenentes tomaram então uma decisão: lutar, de peito aberto, até o fim.

Decisão tomada, o tenente Antônio de Siqueira Campos reuniu os companheiros. A Bandeira do Forte foi arriada, rasgada em 28 pedaços e distribuída aos revoltosos. Saíram do quartel às 15:00 horas do dia 06 de julho, rumo ao Leme, para enfrentar as forças legais e, se possível, chegar ao Palácio do Catete, 28 militares: os tenentes Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Newton Prado, Mário Tamarindo Carpenter, o Cabo Reis e os soldados Hildebrando Nunes, José Pinto de Oliveira, Manoel Antonio dos Reis, Pedro Ferreira de Melo e mais outros desconhecidos da Primeira Bateria Isolada da Artilharia de Costa. Octávio Correia, amigo civil de Siqueira Campos, uniu-se ao grupo à saída do Forte. Logo no início, o grupo de 28 reduziu-se à 18 mas, mesmo assim, dirigiu-se à Praça Serzedelo Corrêa, onde estavam postadas as forças governistas. Haviam percorrido boa parte da Avenida Atlântica, quando as tropas legais saíram da Praça para receberem a rendição dos revoltosos do Forte. Mas veio a surpresa: os revoltosos se entrincheiraram e abriram fogo contra os governistas, acontecendo então uma grande fuzilaria. O combate foi desigual. A superioridade numérica e de armas das forças legalistas era flagrante. O combate durou meia-hora. Os primeiros a tombar foram o soldado Pedro Ferreira de Melo, o civil Otávio Correia e o tenente Mário Carpenter. Morreram 16 revoltosos, alguns no hospital, em conseqüência dos ferimentos. Permaneceram vivos, embora muito feridos, os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

3.     CONCLUSÕES

            O tenentismo foi, sobretudo, um movimento do Exército. Na verdade, a intervenção dos militares no processo político era comum aos países da América Latina. O Tenentismo, contra o Coronelismo, foi um dos episódios da revolução burguesa no Brasil. Antigamente, na pequena burguesia, conforme Nelson Werneck Sodré (O Tenentismo, Mercado Aberto, 1985) transitavam: “duas instituições que teriam papel destacado em nossa formação histórica, a Igreja e o Exército...Se, com o passar dos tempos, declina o papel dos padres nas lutas políticas, o dos militares cresce” 

Ao lado da profissionalização, mormente com a influência da Missão Francesa de Instrução, os oficiais adquiriram uma concepção de sociedade e de poder. Na ânsia de salvar as instituições republicanas, prejudicadas pelas atitudes mal-sãs das oligarquias, os militares formaram grupos que pressionavam o governo. Eram os “salvacionistas”. Os tenentes adquiriram também um certo desprezo pela cúpula do Exército, criando um antagonismo dentro da Força Armada.

Os objetivos do Tenentismo eram, em si, modestos. Pretendia purificar o regime e “republicanizar” a República, conforme diziam os tenentes.

            Mesmo identificados com as aspirações da classe média, os tenentes não digeriam, inicialmente, a idéia de eleições diretas nem de sufrágio universal, mas sim de uma solução “autoritária” (Bóris Fausto).

            Entretanto, o Tenentismo ficou isolado dentro da Força Armada, ou seja, não conseguiu mobilizar o Exército em favor de sua causa, essencialmente conservadora. Mesmo assim, conseguiu atingir seus objetivos, a mudança, representada pela ascensão ao poder de Getúlio Dornelles Vargas, em 1930.

            A revolta dos 18 do Forte de Copacabana, início do movimento, teve a finalidade de alertar as autoridades para o que viria a seguir: um movimento reivindicatório maior, mais bem articulado, e de âmbito nacional, como foi a Coluna Miguel Costa/Prestes.

Outras revoltas tenentistas, em vários lugares do país, ocorreram, por exemplo:

- a Revolução de 1924 em São Paulo;
- a Revolução de julho de 1924 em Mato Grosso;
- a Revolução de julho/agosto de 1924 no Amazonas;
- a Conspiração do Engenho Novo, Rio de Janeiro, dezembro de 1924;
- a Revolta do 17º Batalhão de Caçadores, Corumbá, abril de 1925.

Diversos lugares de memória foram criados, com monumentos diversos, em alguns lugares do país, para rememorar os fatos.
           

Bibliografia
            1) CARONE, Edgard. O Tenentismo, Difel, Rio 1975.

2) SODRÉ, Nelson Werneck, O Tenentismo, Mercado Aberto, Porto Alegre, 1985.

3) Internet. Google, Monumentos aos 18 do Forte, 2007.

 FONTE: Luiz Ernani Caminha Giorgis

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Tarsila: banquete para os olhos e para a mente



No dia 1° de setembro, foram comemorados os 125 anos do nascimento de Tarsila do Amaral (1886 – 1973), eternizada, na história da arte, por ter criado a imagem-símbolo do Modernismo brasileiro, o “Abaporu” (1928).             

Contudo, Tarsila foi muito mais do que uma das “musas” do movimento que sacudiu a arte brasileira na “Semana de 1922”. Tarsila se fez como uma mulher genial, totalmente antenada com sua época, mas, também, dotada de ousadia suficiente para desafiá-la.          

Antropofagia na veia     

Sempre que falamos dos Modernistas brasileiros, é necessário resgatar o conceito de Antropofagia, que norteou as propostas e o trabalho do movimento, e confunde-se com o próprio “Abaporu” (que nasceu como um presente de Tarsila ao seu marido na época, o escritor Oswald de Andrade).        

O nome (dado pelo também modernista Raul Bopp), significa, em tupi-guarani, “homem que come carne humana” e serviu como inspiração para o Manifesto Antropófago, no qual Oswald sintetizou as idéias modernistas e propôs que o único caminho para a construção de uma arte tipicamente brasileira seria a “canibalização” das estéticas e da cultura dominante.*             

A idéia é simples, mas extremamente profunda: já que não poderíamos fugir de nossa “herança” como país colonizado, ao invés de nos submetermos aos padrões das metrópoles europeias, deveríamos agir como canibais, nos apropriando da força do “inimigo”, deglutindo o que havia de bom nesta produção e mesclando-a com nossas próprias raízes (negras, indígenas e, também, imigrantes, já que estes constituíam uma enorme parcela da população paulista no início do século 20).         

E não é um acaso que seja exatamente Tarsila que tenha dado “forma” para esta idéia, já que sua própria história tem um “quê” de antropofágica. 

Uma mulher emancipada            

Nascida em Capivari, no interior de São Paulo, em 1886, em uma família burguesa com tradições enraizadas na aristocracia cafeeira, a pintora, desde cedo, “deglutiu” os recursos e privilégios de sua própria classe para subvertê-la e construir uma nova vida para si.            

Antes dos 18 anos, Tarsila cumpriu à risca o roteiro previamente escrito para as “moças de família”: estudou nas melhores escolas e teve seu casamento “arranjado” com um primo de sua mãe, que também fora o seu primeiro namorado.             
O roteiro, contudo, voou pelos ares logo depois do nascimento de Dulce, a única filha de Tarsila. Contrariando a tudo e a todos, a futura pintora abandonou o marido e a vida no interior, mudando-se apenas com a filha e uma coragem invejável para a capital, onde passou a estudar com o pintor Pedro Alexandrino.           

Na sequência, uma nova viagem a Europa, colocou Tarsila em contato com os grandes mestres das vanguardas que sacudiam as artes no final dos anos 1910: o Cubismo, de Picasso, Brake e Léger; o Futurismo de Marinetti; o Surrealismo de Dali e Miró e o Dadaísmo, de Marcel Duchamp, dentre outros.           

Ao voltar ao Brasil, poucos meses depois da famosa “Semana de 1922”, tanto sua obra quanto sua vida eram, literalmente, outras. Algo que se intensificou ao formar, juntamente como Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e Anita Malfatti um dos coletivos mais importante da história da arte brasileira, o “Grupo dos Cinco”.          

E com o mesmo ímpeto que produzia rupturas com a “ordem e a tradição” no campo das artes, Tarsila foi revolucionando sua própria vida. Ainda em 1922, apaixonou-se por Oswald. Anos depois, um novo romance, com psiquiatra socialista Osório César, a levou a União Soviética, numa experiência que marcou imensamente sua obra, na chamada “Fase Social”. Nessa mesma época, tomada pelos ideais revolucionários (e movida pela necessidade) trabalhou, em Paris, na construção civil, como pintora de paredes e portas. Num terceiro casamento, Tarsila, desprezou mais uma convenção, unindo-se ao escritor Luís Martins, cerca de vinte anos mais novo que ela.            

Toda esta ousadia, fez com que a poeta Patrícia Galvão, a “Pagu”, afirmasse que Tarsila foi fundamental na “emancipação mental” das mulheres, ajudando todas elas a pensar o mundo não sob a ótica de “seus homens”, mas a partir de suas próprias existências e necessidades.

A arte de expressar mudanças           

Para compreender a obra de Tarsila é necessário lembrar-se do que estava ocorrendo no “cenário” em que pintora viveu: a cidade de São Paulo. Quando a pintora nasceu em 1886, a cidade não tinha sequer 60 mil habitantes. Mas, em 1920, saltou para 570 mil e, vinte anos depois, no auge do Modernismo, chegou a cerca de 1,3 milhão.

Foi nesse contexto que a obra de uma burguesa “caipira” (como ela carinhosamente chamada pelos amigos) foi, pouco a pouco, incorporando as coisas da terra, a confusa urbanização de nossas primeiras metrópoles e a cultura e costumes de povo brasileiro.            

Neste sentido, talvez, “A negra” (pintada em Paris, em 1923, sob forte influência do Cubismo) e “Operários” (de 1933, onde é possível ver ecos da obra de Picasso) sejam exemplos simbólicos.              

No primeiro, exemplar da chamada fase “Antropofágica”, as lembranças das amas-de-leite de sua infância aristocrática são canibalizadas e transformadas numa figura cuja opressão e o abuso não escondem a dignidade e força destas mulheres. Na segunda, surgem os muitos tipos e raças que compõe a classe operária brasileira.             

E, como a livre busca por novas formas de expressão também foi um característica fundamental da artista, não podemos nos esquecer de suas incursões pelo completo surrealismo, como no excepcional “O ovo” (ou “Urutu”), no qual símbolos de nascimento, morte e renovação assumem as estranhas forma de uma serpente em torno de um ovo gigante.

Obras que, mesmo quem não “entende” de arte, reconhece como sendo de Tarsila. Exatamente porque traduzem aquilo que o crítico de arte e militante trotskista Mário Pedrosa destacou como a principal contribuição do Modernismo: “foi pela consciência do seu internacionalismo modernista que o movimento chegou ao seu nacionalismo embravecido”.
FONTE: OPINIÃO SOCIALISTA / Edição nº 431