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terça-feira, 12 de junho de 2012

A Era dos Impérios: briga de titãs


Eric Hobsbawm conta a história de um tempo em que gigantes dominavam o mundo e disputavam a tapa o poder. Enquanto isso, as classes baixas começavam a mostrar a cara

Ao falarmos de história, tratamos de revoluções, abordamos extremos e esmiuçamos impérios. Lidamos com fenômenos que levam a humanidade à ruína ou à consagração. E são justamente esses os motes da trilogia do escritor britânico Eric Hobsbawm – A Era das Revoluções, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos –, que ocupam as páginas da nossa seção Obra-Prima nas últimas três edições. Os clássicos escritos por Hobsbawm têm em comum o ponto de partida: a virada de um século.
A Era dos Impérios volta à primeira obra de Hobsbawm, A Era das Revoluções, como algo já conhecido, familiar. A “dupla revolução”, iniciada em 1780, já é, então, centenária. Agora, a Revolução Industrial que começou na Inglaterra e os ideais liberais da Revolução Francesa não são exclusivos de setores restritos da elite européia. Tanto uma como outra espalharam-se pelo mundo. A expansão do capital já se faz em escala mundial. E há uma revolução na área dos transportes e das comunicações. Ferrovias e navios a vapor transportam cargas cada vez maiores de aço, carvão e outras manufaturas. Telégrafos transmitem informações instantaneamente.
Imperialismo
A verdade é que não havia mais a possibilidade de a Inglaterra manter-se hegemônica, já que diversos países estavam se industrializando. Os Estados Unidos, a Rússia czarista e o Japão avançavam a passos largos. Estava cada vez mais nítida a divisão do mundo em dois blocos distintos: países “avançados” e “atrasados”. Tal distinção não dizia respeito a índices econômicos, mas sim a uma afirmação de superioridade cultural de países que se industrializavam, disseminavam sua cultura e avançavam militarmente sobre outros países, com fins de exploração comercial.
Nos anos 1880, a Alemanha e a Itália se unificavam. A União Soviética levava adiante sua revolução industrial e os Estados Unidos se expandiam rumo a oeste. A necessidade de garantir as matérias-primas dos países “atrasados” levava esses e outros países europeus a lutar por territórios e a fazer partilhas, como aconteceu na África. A diplomacia funcionava a pleno vapor entre as grandes potências, na busca de um acordo comum para manter a exploração capitalista, que ganhava escala global. O colonialismo conquistava, assim, uma denominação: “Imperialismo”. Não se tratava mais de colonizar, mas, sim, de dominar povos e países e estabelecer a cultura européia e um sistema de livre comércio, que sustentasse as potências imperiais industrializadas, diante de países cuja principal atividade econômica era de extração mineral ou agrícola.
Ao mesmo tempo, nessa época, o mundo começou a experimentar um momento de grande depressão econômica. O processo de expansão global desarticulava as antigas redes de relações dos artesãos e pequenos agricultores. Entrava em cena uma nova divisão internacional do trabalho. O processo de globalização das relações econômicas, que observamos hoje, já existia, de outra forma, naquela época. A exploração do mundo “atrasado”, a contínua industrialização, a revolução na área dos transportes e das comunicações geravam, na verdade, a concentração de renda, cada vez maior, nas mãos de poucos. O longo século 19, pródigo em revoluções liberais, resistia de todas as maneiras em aceitar os regimes democráticos. Pode-se dizer que a Europa desse tempo tinha regimes constitucionalistas. Mas não democráticos. A situação econômica e as disputas políticas apenas pioravam a situação. E as revoltas populares não tardariam a acontecer.
No final do século 19, partidos e movimentos da classe operária ascenderam de maneira inédita. E era inevitável que as elites políticas tivessem que ceder em favor de um sistema democrático, como voto universal e secreto. No entanto, os poderosos jamais deixariam de manipular esse sistema em seu favor, ainda que partidos operários pudessem ganhar grandes quantidades de votos de setores populares. A verdade é que a democracia política ainda era muito embrionária nesta época. O sufrágio universal surgiu como uma novidade pouco assimilada. Ainda demoraria mais um bom tempo para que as mulheres, por exemplo, tivessem participação política. Contudo, já se podia observar uma lenta emancipação feminina nas sociedades européias.
Não se pode esquecer: havia outros movimentos sociais participando deste jogo. Os movimentos cristãos – católico e protestante – poderiam ser perfeitamente bem acomodados dentro do sistema político. Assim como os movimentos nacionalistas e seus discursos. As elites políticas e econômicas sabiam bem como manipular essa situação, isolando seus adversários do movimento operário. A abertura para o jogo democrático era o instrumento que as classes dominantes acabaram tendo de usar, diante da dura repressão usada contra a Comuna de Paris, e da Primeira Revolução Russa, já em 1905. Atuações como essas não impediam o aumento da revolta popular. Teria que existir um instrumento alternativo de contenção, de modo a preservar todo o sistema político e manter a estabilidade da cadeia produtiva que os impérios expandiam ao redor do mundo.
Quem somos nós?
Diante do aumento da complexidade do sistema internacional de Estados nacionais, da crescente participação das classes trabalhadoras no sistema político e na sociedade, da ascensão das classes médias e da reação de setores da pequena burguesia desempregada, uma classe social em especial começou a sentir os efeitos de sua própria hegemonia: a burguesia. Como classe dominante, mantinha valores rígidos de obediência a hierarquias, da ética do capital, dos valores morais, e, de repente, tinha que lidar com a crescente mobilização social das bases populares, da emancipação feminina, de uma estrutura social de origem operária, que se rebelava contra ela. Um novo caldo cultural se formava. Nas artes, correntes de vanguarda se articulavam. Diante da velha literatura burguesa, uma contracultura de contestação estava se desenvolvendo, de modo a questionar, desde as bases, a própria razão de ser da então classe dominante. A burguesia enfrentava, assim, um momento em que precisava se redefinir.
Restam as perguntas: que mundo era esse, em que conviviam tantos impérios, que dominavam tão vastas áreas? Por que a necessidade de controlar seus povos? A ascensão das classes trabalhadoras fez surgir a urgência de um discurso consistente – e oportuno para os interesses de cada país. O discurso nacionalista se contrapunha ao socialismo. Ao mesmo tempo, o nacionalismo de uma potência voltava-se contra o de outra. Os ressentimentos de guerras já passadas vieram à tona. E os interesses econômicos em jogo nos protetorados também. Os mercados mundiais continuavam em expansão, e as disputas por zonas de influências não seriam feitas mais apenas pela diplomacia. Haveria um momento em que a guerra poderia ser utilizada como recurso. O que, aliás, era algo contra o qual a esquerda revolucionária se colocava, notando que os interesses desse confronto eram, na verdade, de natureza econômica.
A realidade era que havia alguns impérios que estavam em franca expansão, como a Alemanha. Outros, no auge, tais como França e Inglaterra. E havia também aqueles que estavam prestes a deixar de existir, como o Império Otomano e o Império Austro-Húngaro. No meio de todos eles, diversos países que desejavam a autodeterminação, e algumas potências secundárias, como a Itália. A Rússia czarista, um país que às vésperas da Primeira Guerra Mundial vinha crescendo economicamente, ocupava o posto de nação européia com maior desigualdade social. Isso explica bem a dissolução de seu Império para a criação, anos mais tarde, da União Soviética. Os Estados Unidos, outra potência industrial em expansão, envolveram-se pouco na guerra que explodiu a partir de 1914. Em vez disso, receberam imigrantes de países europeus, oriundos da precária situação social do Velho Continente pós-guerra.
Da era dos impérios, surgiriam dois impérios maiores, Estados Unidos e União Soviética para, mais tarde, se confrontar num embate de extremos. Mas essa é uma história de outro século.
FONTE: Aventuras na História / Fábio Metzer 

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