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terça-feira, 12 de junho de 2012

Era dos Extremos: vivendo no limite


Em Era dos Extremos, o escritor Eric Hobsbawm

 destrincha os acontecimentos do século 20

O que foi e qual o impacto do Socialismo soviético? Quando começou o declínio dos Estados nacionais? Por que ainda se fala em autodeterminação dos povos? E o que é esta tal revolução tecnológica-informacional ? Para entender o século 21, é preciso conhecer o século 20. Eric Hobsbawm, em Era dos Extremos, esmiuça esse período com a autoridade de quem viveu a época. Segundo ele, o século 20 começa em 1914, com a Primeira Guerra Mundial, e termina em 1991, com o fim da União Soviética. Este breve século caracterizou-se por extremos. De um lado, o povo alcançou um padrão de vida até então inimaginável. Paradoxalmente, foi o período em que aconteceram as maiores catástrofes da História.
Hobsbawm divide o século 20 em três etapas: a “Catástrofe” (1914-1945), quando potências mundiais chafurdaram em um confronto bélico; a “Idade de Ouro” (1945-1973), quando se ergue um novo sistema, mais desenvolvido e fortalecido; e o “Desmoronamento” (1973-1991), que trata do desmonte dos Estados nacionais, da queda do bloco socialista e do desenvolvimento da tecnologia de informação.
Gangorra
Na primeira etapa do breve século, Hobsbawm relata a “Catástrofe”, ocasionada por duas guerras mundiais, que ele classifica como um embate só: a “Guerra dos 31 Anos” (1914-1945). Nessa etapa, os projetos nacionais das potências capitalistas européias entraram em choque. De um lado, França e Grã Bretanha, de outro, a desafiante Alemanha. Com o conflito, as velhas monarquias feudais – Império Áutro-Húngaro, Império Otomano e Rússia czarista – perderam seus territórios. Da primeira, surgiram novos Estados nacionais. A segunda foi retalhada entre França e Grã Bretanha. E a partir do que restou da terceira apareceu uma potência ideológica, a União Soviética. Com as mudanças no mapa tornou-se necessário um órgão internacional para regular as nações beligerantes. Nasceu, então, a Liga das Nações, que antecedeu a Organização das Nações Unidas (ONU).
Só que o medo da expansão socialista e a humilhação dos países derrotados da Primeira Guerra Mundial criaram o cenário para a ascensão do nazismo, que levou ao extremo ideais nacionalistas étnicos e desafiou as potências vencedoras, ignorando a Liga das Nações. Assim tornaram-se inevitáveis os confrontos expansionistas. Primeiro, na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), e depois durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O derramamento de sangue na Europa, – ou a Guerra dos 31 anos – consolidou a vitória de duas potências ideológicas rivais: Estados Unidos e União Soviética.
A segunda etapa do século começou com os vitoriosos da Segunda Guerra dividindo as áreas de influência do mundo. De um lado, o bloco socialista, e de outro, uma nova versão do capitalismo visando barrar o avanço comunista. No bloco capitalista, vivia-se uma era de industrialização privada, de investimentos no setor público, de consolidação das burocracias e de expansão do ensino público. Ou seja, uma releitura do modelo capitalista clássico, do economista John Maynard Keynes – o keynesianismo. No bloco socialista, o avanço industrial apoiou-se no planejamento estatal, com políticas de redistribuição de renda e burocratização do Estado.
Na chamada “Idade de Ouro”, houve um boom econômico nas sociedades capitalistas. As nações desenvolvidas criaram os “Estados de Bem-Estar Social”. Já os países subdesenvolvidos apostaram em projetos desenvolvimentistas, com rápida industrialização e grande melhora na qualidade de vida da população. O bloco socialista tornou-se o contraponto para os regimes ocidentais, oferecendo uma alternativa política. Isso fez com que os países capitalistas buscassem formas alternativas para se sustentar, ao mesmo tempo em que consolidavam suas instituições.
Nesse período de transição muitos Estados nacionais tornaram-se independentes. A liberdade resultou de dois fatores: a decadência dos projetos coloniais; e a nova ordem, liderada pelos Estados Unidos e pela União Soviética, que defendiam a independência em nome de seus interesses, e do princípio da autodeterminação dos povos, que regularia um novo Sistema Internacional de Estados Nacionais. Surge aí uma nova instituição, a ONU, que começou a ter um papel de legitimadora desse princípio, e de fórum de discussões entre os dois blocos políticos rivais.
Desmoronamento
A partir de 1973, muitas mudanças ocorreram: a revolução dos costumes, iniciada em 1968; a derrota dos Estados Unidos no Vietnã; a revolução da tecnologia de informação; a queda da União Soviética e a ascensão da China socialista na economia de mercado. Tudo isso revelou um novo momento, em que a velha ordem estava sendo questionada. A dinamização das economias em escala global alterou o equilíbrio entre as esferas de poder socialista e capitalista, dando início à fase do “Desmoronamento”. O modelo de Estados nacionais, criado a partir de 1780, e todos os seus avanços, estava sendo superado. A globalização atingia quase todos os países.
Nesse momento, a crise do mundo socialista já era visível. O bloco comunista não suportou a competição da economia global, com suas constantes flutuações. Certamente, Ocidente e Socialismo estavam amarrados a uma interdependência geopolítica. Mas o equilíbrio de forças alterou-se com a revolução tecnológica-informacional. A diferença entre os dois sistemas é que o capitalismo era mais flexível e se adaptou melhor à transição enquanto a rigidez do socialismo o tornou vulnerável. Sem o contraponto comunista, defensores da economia de livre mercado ganharam força. A partir dos anos 80, a desigualdade de renda aumentou e os mercados entraram na era da globalização.
O keynesianismo, defensor de investimentos diretos do Estado, sofreu uma derrota, na medida em que a desaceleração econômica não poderia mais gerar um crescimento nos lucros e rendas do Estado, enquanto as rendas e os lucros privados de grandes empresas cresceram. O ultraliberalismo, para Hobsbawm, porém, não podia ser uma alternativa. Experiências do Leste Europeu pós-comunista, por exemplo, causaram resultados catastróficos. Curiosamente, a economia que foi se tornando mais dinâmica foi a da China comunista, que combinou um sistema socialista com uma inserção capitalista no mercado.
O retrato de todas essas mudanças do breve século 20 foi a alteração da forma de trabalho e o crescimento do desemprego, que não é cíclico e, sim, estrutural. Indústrias foram transferidas do primeiro para o terceiro mundo. Ao mesmo tempo, um processo de automação fez com que a máquina substituísse o homem na produção. E mais: esse avanço tecnológico se deu com o aumento da eficiência e o barateamento da produção, expondo o trabalhador a salários baixos e à competitividade livre entre as nações. Os sindicatos perderam poder. Com os trabalhadores tornando-se desnecessários, a revolução tecnológica não criou empregos para compensar tantas mudanças. Diante dessa situação, desenvolveu-se uma economia informal.
Os efeitos para os países pobres foram devastadores, com o endividamento cada vez maior sem o crescimento econômico. E o que sobrou disso ? Com o desmoronamento dos Estados nacionais, formaram-se mini-Estados destituídos de mecanismos independentes para delimitar suas fronteiras, onde o étnico ou o religioso predomina sobre o universal. Existem, claro, defesas para este fenômeno. A União Européia se fez um Estado dos Estados, que administra questões comuns dos países europeus. Mas sua eficiência ainda não está comprovada. As instituições, como a ONU, não dão conta das mudanças. A ascensão da China como potência é insuficiente, diante da vantagem dos Estados Unidos. Enfim, a Era dos Extremos, bem vivida por Hobsbawm, termina e dá lugar a uma nova Era, feita de incertezas, em que novos desafios estão postos, novas questões são debatidas, mas velhos conceitos ainda predominam.
FONTE: Aventuras na História / Fábio Metzer

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