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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

DISCUTIDA AINDA EM NOSSOS DIAS, COMPLETA 40 ANOS A "SEMANA DE ARTE MODERNA"


Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 8 de fevereiro de 1962



Sem nenhum outro intuito que não o de combater os conservadores da epoca e de criar alguma coisa de novo nas varias manifestações artisticas, eclodia em São Paulo, há 40 anos, movimento ainda hoje discutido e que logo depois de iniciado teve grande repercussão —a "Semana de Arte Moderna". Durante 8 dias —de 9 a 16 de fevereiro de 1922— o Teatro Municipal serviu de palco aos jovens intelectuais, então chamados de "futuristas", que, inconformados com o academismo reinante na literatura, na musica e nas artes plasticas, resolveram abrir trincheiras em busca de um movimento renovador. E o conseguiram, não obstante a ferrenha oposição de muitos, conforme registram cronicas, noticias e outras publicações da epoca. O grupo vanguardista - Graça Aranha, Mario de Andrade, Osvald de Andrade, Menotti del Picchia, Ronald de Carvalho, Renato de Almeida, Ribeiro Couto e Guilherme de Almeida, na literatura; Vila-Lobos, na musica; Anita Malfati, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, John Graz, Ferrignac, Ian de Almeida Prado e Martins Ribeiro, na pintura; Victor Brecheret e W. Haerberz, na escultura; e Antonio Moya e George Przrember, na arquitetura —permaneceu unido, resistindo às investidas dos que chegaram a classificar o movimento como sendo de "loucos" e de "irresponsaveis". E foi graças a esse elo que a "Semana de 22" alcançou o objetivo visado: despertar a consciencia dos artistas em formação ou veteranos para a grande batalha —a da renovação das artes. 
Anita, a pioneira

— "O que eu penso da "Semana de 22"? Foi alguma coisa de inesquecivel, que sacudiu os meios artisticos de todo o país. E mais do que justo, porque era realmente impossivel tolerar-se o academismo, a inercia, o mau-gosto da epoca. Alguma coisa tinha de ser feita. Assim, eu me orgulho de ter contribuido com uma parcela para o exito do movimento" —são expressões da pintura Anita Malfatti, apontada como a pioneira da arte moderna no Brasil. Repousando em sua casa de campo, no municipio de Diadema, a artista —que estudou na Alemanha e frequentou os grandes ateliês da França, Italia e dos EUA— revela que a "Semana de 22" foi o que houve de mais combatido na epoca. —"Mas o nosso grupinho —salienta— manteve-se despreocupado e com isso nos impusemos". A titulo de curiosidade, ela informa que era comum encontrarem colados atrás dos quadros expostos no saguão do Teatro Municipal "bilhetinhos desaforados e alguns até inconvenientes".

Contra o abstrato

Enquanto mostra ao reporter algumas das numerosas pinturas que ainda conserva, a artista paulistana assinala que, embora o movimento de 1922 visasse mudança do panorama artistico, no tocante à pintura, jamais se pensou que poderia descambar para o grau de abstracionismo que hoje se verifica. — "O que mais estranho não é propriamente a repetição que se nota na quase totalidade dos artistas abstracionistas, pois isso se transformou num fenomeno universal, mas sim o fato de o Brasil ser riquissimo em temas autoctones —e tão poucos artistas os aproveitam com categoria. Com isso, à exceção de uma minoria que luta pela autentica arte nacional —e eu me sinto incluida entre eles— a maioria não faz outra coisa senão repetir, nada criando. Uma das causas que está a provocar essa situação é a influencia comercial: porque a preocupação de muitos artistas é a de apenas vender, deixando para segundo plano a arte em si, a pesquisa". 
Ainda procurando

Anita Malfatti diz que ela própria continua procurando resolver o problema da autentica arte nacional. Seus quadros não a desmentem; os temas regionais ali sempre estão presentes. Não faltam em suas pinturas festas da roca, gente do campo, orações entre caboclos, comemorações juninas etc. A artista ainda hoje pinta, embora sua primeira exposição, na rua Libero Badaró, em 1917, causasse escandalo pelo "modernismo" de suas linhas. Sentada numa cadeira de balanço, Anita traça figuras, casas, arvores, balões de São João, santos e meninos de cor esqualida com a mesma disposição e dedicação de há meio seculo —garante a pintora. — "O dia em que eu parar de pintar pode anotar, eu morro" —diz Anita com os olhos bem abertos. Ela gostaria (e tem fé mesmo) de viver como a "Grandma" Moses, celebre pintora norte-americana falecida há poucos meses, com 101 anos: lidar com sua arte até o ultimo sopro de vida.
Di: sem definição

Outro "sobrevivente" do movimento de reação é o pintor carioca Emiliano Di Cavalcanti. A pergunta como definiria a "Semana" após quatro decadas de sua realização, respondeu: — "Cabe aos criticos definir, passados os 40 anos, a realização artistica de 1922 e suas consequencias. Nunca pude definir precisamente o que foi a "Semana" e como ela atua dentro de mim mesmo. Só sei senti-la que é diferente. Sinto-a como motivo categorico de afirmação na minha personalidade, de moço turbulento e afirmação que me ensinou a perseverar nos motivos que me levaram a realizá-la". Di, que já completou 65 anos (45 de pintura), resguarda em suas obras as seguintes "marcas registradas": a) Luta pela liberdade de expressão; e b) sentimento nacional. Sua opinião é de que a "Semana" abriu um novo caminho na arte, "desafogando o transito na velha estrada do academismo".
Para libertar

Artista dos mais apreciados e discutidos, Di Cavalcanti - que certa vez disse de si: "Eu sou escritor, poeta bissexto e caricaturista" —fala depois sobre as consequencias do movimento de 1922, de maneira especial quanto à influencia da "Semana" no aparecimento de numerosos artistas abstratos. — "Conheciamos os movimentos não formalistas das artes na Europa, cujas primeiras manifestações já datavam de alguns anos. Mas o nosso movimento não tinha por finalidade indicar caminhos ou trilhar determinada escola de arte. A finalidade era libertar o artista de um atraso academico. Se os artistas brasileiros ou estrangeiros, habitando o Brasil, são atualmente na maioria abstracionistas, é porque mediocremente apegam-se a um novo academismo, demonstrando não possuirem o espirito que dominou a "Semana de 1922".
Arte brasileira

— E existem em consequencia da "Semana de Arte Moderna" a autentica arte brasileira? "É um absurdo —diz o artista— perguntar, se num país como o Brasil, se há arte autenticamente brasileira, tratando-se da arte como fenomeno cultural." Para melhor compreensão do seu ponto de vista, acrescenta: — "Toda tendencia cultural no Brasil é uma procura de aproximação com o pensamento europeu. Nosso problema de desenvolvimento cultural é o de alcançar o nivel das altas culturas européias, como para a Renascença foi atingir o nivel superior do pensamento greco-latino. Ser autenticamente brasileiro, em arte, é assimilar o conhecimento ao sentimento, é desenvolver a aquisição cultural, dentro do quadro das realizações propriamente nacionais." Di Cavalcanti pode ser assim "pintado": 1) acha que nasceu pintor; 2) escreveu "Viagem de Minha Vida", em 2 volumes; 3) admite que sofreu influencia da escola de Paris, onde plasmou sua formação estetica; 4) procura ser "acima de tudo Di Cavalcanti"; 5) gosta demais de poesias, especialmente de Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Carlos Drumond de Andrade, Cassiano Ricardo, Frederico Schimidt e João Cabral; 6) sua primeira exposição foi em 1916, no Rio, no Salão dos Humoristas. 
Emancipação das artes

Como testemunha da "Semana de Arte Moderna", o intelectual, critico e divulgador das artes plasticas Paulo Mendes de Almeida deu este depoimento: "A "Semana" constituiu primeiro movimento coletivo no sentido da emancipação das artes e da inteligencia brasileiras. Naqueles dias agitados de 22, concertos, conferencias, recitativos, bailados e uma exposição de artes plasticas compuseram o programa do certame, que teve por sede o Teatro Municipal, e tudo se passou entre vaias, protestos, discussões e turbulencias, nas noites quietas da então pacata cidade".
Após citar os nomes daqueles que sacudiram o academismo então reinante, sugere a transcrição de breve depoimento de Mario de Andrade, ao lhe ser perguntado: - quem teve a idéia da "Semana"? O texto do autor de "Macunaima" tem este começo:

"Quem teve a idéia da Semanas de Arte Moderna? Por mim não seu quem foi, nunca soube, só posso garantir que não fui eu. O movimento, alastrando-se aos poucos, já se tornara uma especie de escandalo publico permanente. Já tinhamos lido nossos versos no Rio de Janeiro; e numa leitura principal, em casa de Ronald de Carvalho, onde tambem estavam Ribeiro Couto e Renato de Almeida, numa atmosfera de simpatia, "Paulicéia Desvairada" obtinha o consentimento de Manuel Bandeira, que em 1919 ensaira os seus primeiros versos livres no "Carnaval". E eis que Graça Aranha, celebre, trazendo da Europa a sua "Estetica da Vida", vai a São Paulo, e procura nos conhecer e agrupar em torno de sua filosofia. Nós nos riamos um bocado da "Estetica da Vida" que ainda atacava certos modernos europeus da nossa admiração, mas aderimos francamente ao mestre. E alguem lançou a idéia de se fazer uma semana de arte moderna, com exposição de artes plasticas, concertos, leituras de livros e conferencias explicativas. Foi o proprio Graça Aranha? Foi Di Cavalcanti?... Porem, o que importava era poder realizar essa idéia, alem de audaciosa, dispendiosissima. E o fator verdadeiro da "Semana de Arte Moderna" foi Paulo Prado. E só mesmo uma grande figura como ele e uma cidade grande mas provinciana como São Paulo poderiam fazer o movimento modernista e objetivá-lo na "Semana". Paulo Mendes de Almeida assevera que, pelas afirmações de Mario de Andrade, foi um pouco de cada um daqueles reformadores que ajudaram a objetivação de uma idéia logo aceita. Frisa, contudo: - "Não devemos fiar-nos na modestia com que Mario de Andrade omite sua propria e importante contribuição".
O mais importante

Para Paulo Mendes de Almeida o mais importante não é apurar quem teve a idéia da realização da "Semana", mas diagnosticar o que o movimento pretendia, o que representava, o que alcançaria. Para tanto, esclarece que não será tarefa facil. Diz: — "Em primeiro lugar, era o que pudesse haver de mais heterogeneo, quando aspirava a ser principalmente heteroclita (que se desvia das regras da arte), como proclamavam os mais afoitos. Nela, se pode dizer, somente num ponto houve uma quase unidade ideologica: o da necessidade de mudar. De mudar, sem que se precisasse bem o que, nem para onde. Foi isso o que lhe deu o carater eminentemente destrutivo, sendo sob esse aspecto, de resto, que ela ganha para nós extraordinaria importancia. Porque o ideario mesmo era o que de mais vago se possa imaginar. Verdade é que constituia quase uma constante o sentimento nacionalista, o desejo de redescobrir, ou melhor, de descobrir afinal o Brasil. Na realidade, não conseguiram fazê-lo, pois que somente mais tarde o Brasil nos seria efetivamente desvendado, pela equipe de homens da geração de 1930, numa tarefa a que o sr. Gilberto Freire veio dar explicação, consciencia e conteudo em termos de sociologia." 
O safanão

Enfim, após outras considerações Paulo Mendes de Almeida afirma que se sentia à vontade para afirmar que, não obstante todas as suas falhas, a "Semana de Arte Moderna" constituiu evento da maior relevancia. — "O movimento já não era um gesto isolado de rebeldia que presenciavamos, mas um clamor em coro, um movimento de grupo, em que se integravam importantes personalidade, e que deu, positivamente, um safanão naquele adormecido em berço esplendido Brasil das letras das artes e do pensamento."

Um comentário:

  1. - Não é nosso. Temos que fazê-lo.

    - O novo não é aceito. O novo não é bom. o novo significa precisar deixar aquilo que até então existiu e readaptar-se. Novo é inaceitável!
    - Até que seja visto.

    - Os textos a respeito da "Semana de Arte Moderna de 1922", somados ao de Oswald de Andrade, na imagem da Revista de Antropofogia, de mesma fonte, me transmitem essa ideia - de que trazer e mostrar o novo desgasta, porque há resistência. No entanto, quando é visto, o novo pode mudar perspectivas e opiniões.
    - Se, por um lado, conservar é o princípio para guardar um futuro, por outro, o novo e o refeito são os que permitem escolha. Todavia, na "Semana de 22", o intuito era de renovar. De fazer o que não tinha sido feito, até ali, nas artes.
    - Pensar na possibilidade de reinventar algo diferente a cada dia é o que mais me atrai. Quatro dias. Pintura, Escultura, Poesia, Literatura e Música. O inédito foi feito. E o que foi feito está em questão até hoje, como algo inédito. (Ou será que já foi reformulado?)
    - Por fim, deveríamos é decidir pelo não. Não esperar mudanças para participá-las. Deveríamos fazê-las. O que, depois de 90 anos, nos deixa a "Semana" é que o renovo de lá - 1922 - nunca será o nosso velho, ou antiquado. Mas, mais ainda, jamais poderemos considerá-lo o nosso novo. Não é nosso. Temos que fazê-lo.

    Ágata Schuerne - 614/09
    T. 305.

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