Futebol
e política são elementos que intercalam perfeitamente e por mais que se diga
que o futebol seja um elemento recreativo da sociedade ele é mais político do
que se possa imaginar. Pelo menos em sua origem e durante o seu desenvolvimento
nas sociedades, já que o ser humano é um indivíduo político por natureza,
obviamente esse esporte não poderia deixar de sofrer tal influência. Ele foi
usado largamente como um elemento que unisse todo o povo brasileiro em uma só
causa, em especial em 1970 após a conquista do tri campeonato. Temos uma
discussão grande que se arrasta até os dias de hoje, qual seleção foi melhor? A
de 1982 ou a de 1970? Difícil de responder...
Mas
o que a seleção brasileira 1970 representou politicamente todas as outras não
representaram, nisso ela foi melhor. Não que os jogadores tivessem a par ou
concordassem com tal prática dos políticos-generais brasileiros, embora todos
receberam prêmios generosos dos nossos políticos. “Em São Paulo, o prefeito
Paulo Maluf, com verbas públicas, deu um automóvel a cada um dos integrantes da
seleção...” (BARROS, 1998 p.61), slogans foram criados para destacar o
desenvolvimento do País e óbvio que a imagem da seleção foi largamente
utilizada como “garoto-propaganda” do regime de Médici, que quando assumiu a
presidência era um total desconhecido da nação, mas em seu governo e a sua mão
de ferro, fomos conduzidos a níveis de crescimento nunca vistos antes, crescimento
este para parte da população naturalmente, afinal era a política do “primeiro
vamos fazer o bolo crescer para depois dividir” e como todos nós sabemos, o
bolo era pequeno e ficou na mão dos mais esfomeados.
Todo
o governo ou forma dele necessita de um braço ideológico para promover e ou
justificar o seu Status
Quo, isto não ocorre apenas no Brasil, mas
também em todo o mundo, isto é um fenômeno mundial de nossas relações e
ideologias impostas de cima para baixo. Vemos isso no EUA do general MacCarthy
e sua cruzada contra o comunismo, usando o medo como argumento para legitimar a
suas ações, em nome de Cristo os cruzados europeus quase varreram Jerusalém do
mapa, Hitler atribuiu aos judeus as desgraças sofridas pelos alemães e para a
alegria de nossos militares, a seleção fez um bom papel no México.
Veremos
então a seguir alguns elementos que enriqueceram o nosso futebol até o período
militar onde este último, encontrou um excelente terreno para se propagar um
sucesso que o País teve para poucos e para muitos, a exclusão e repressão eram
a rotina.
Uma
breve história do futebol, no mundo e no Brasil
O
nobre esporte bretão como é conhecido, já tem em um de seus apelidos a sua
origem. Nobreza. Não nobreza propriamente dita, mas o futebol tem a sua origem
nas classes mais abastadas da Inglaterra, é um esporte burguês o futebol
moderno com as regras que conhecemos hoje, até por que ele deriva de outras
atividades lúdicas e recreativas praticadas há muito mais tempo. Nós chutamos
uma esfera ou objetos semelhantes a essa forma há alguns bons anos anteriores
ao século XIX, temos o Kemari na China antiga, o Haspartum em Roma, o Calcio na Itália, um jogo religioso chamado pok ta pok no extinto Império Maia, onde a atividade era
cabecear e chutar uma bola de látex, com o objetivo de passá-la por um
anel. Bem, exemplos nós temos muitos e variadíssimos, mas qual deles é o
parente direto do futebol moderno, isso não sabemos, fato é que nós sempre
chutamos uma bola em alguma época da humanidade.
Voltando
a sua origem moderna, o futebol era praticado pelos burgueses ingleses do
século XIX com uniformes rigorosamente alinhados e elegantes, com regras de boa
conduta no “field”[2] e em geral apenas clubes e associações que possuíam
uma série de regras e exigiam outras tantas exigências para poder frequentá-las
é que podiam exercer a atividade futebolística.Os jogos de futebol surgidos na
Inglaterra ainda nos meados do século XIX desembarcaram por essas bandas no
final dele, afinal as novidades vindas da Europa ainda demoravam algum tempo
para atravessar o Atlântico. O futebol foi trazido por um filho de ingleses no
ano de 1894, Charles Miller que desembarcou aqui com duas bolas de capotão como
atesta SANTOS 1981: “Como quer que seja tudo começou em 1894, quando um jovem
paulista filho de ingleses, desembarcou com duas bolas de couro na bagagem:
Charles Miller o fundador do futebol brasileiro. (p.12)”.
Charles
Miller mal sabia da grandiosidade daquele ato, ou melhor, do item que ele
trazia na bagagem. Aquelas duas bolas de couro moldariam para sempre o
comportamento dos brasileiros nos próximos anos, o esporte como se confirmaria
seria a grande paixão dos brasileiros não é a toa que o ditado popular que
“técnico da seleção brasileira é o cargo mais importante do País depois do
presidente”. Curiosamente veremos essa relação na década de 1970 durante o
Regime Militar, às vezes a sabedoria popular se mostra muito mais eficiente e
eficaz em analisar certas situações. E nada mais popular no Brasil do que o
esporte disputado dentro das quatro linhas.Ele movimentou aspectos políticos,
criou frases de efeitos, foi responsável por anedotas engraçadas em uma época
em que se amarrava “cachorro com linguiça”, enfim, o futebol é responsável por
boa parte da construção do que é “ser brasileiro” como adorava dizer diversos
presidentes do Brasil desde Getúlio Vargas até ao nosso Emílio Garrastazu
Médici, a figura presidenciável em questão aqui neste texto a ser apresentado.
Porque
jogamos futebol?
Esta
é uma pergunta complicada de responder com precisão, pois devemos levar em
conta a grande evolução que este esporte teve na sociedade brasileira,
associado claro com a influência que o grande Império Britânico exercia no
mundo no século XIX. O futebol que aqui se jogava, era um esporte das
elites urbanas, o povão não podia participar, e como em toda e qualquer época,
um plebeu sonha em ser nobre. As elites moldam costumes, hábitos, produz
cultura, legitima valores, tudo isso reflete em todos os setores da sociedade e
todas as classes sonham em ser o que a elite é e possuir o que ela possui. É o
sonho da ascensão social, da diferenciação dos seus iguais, da vitrine, de
desfrutar um pouco dos valores e hábitos do “ser burguês”. O povo primeiramente
não jogava futebol, mas via pelo muro os disputados “matchs”[3]como revela SANTOS:
Os
pobres – os que não tinham dinheiro para a bola, os uniformes e os ingressos –
espiavam por cima do muro. Mesmo os que conseguiam pagar o preço da geral,
sentiam-se intrusos no espetáculo : os craques, ao saudarem a torcida, nunca se
dirigiam a eles, mas à seleta assistência da arquibancada, bouquet de moças e rapazes de boa família. Era o tempo em
que os intelectuais ainda gostavam de futebol e o comparavam, em artigos
derramados e versos eloquentes, os jogadores a deuses gregos, os estádios ao
Olimpo. (1981, p.15)
Temos
aqui um claro elemento que atesta o caráter elitista do esporte, onde os pobres
não tem acesso devido ao seu poder aquisitivo ou então a sua origem, o futebol
vai se tornar popular e cair nas graças do povo a partir da década de 1910
quando surgem as primeiras agremiações populares, mas elas surgiram
mesclando–se com os pretos e mulatos que serviam de “tapa-buracos” afinal o
nosso futebol era branco e inglês, os jogadores que o disputavam tinham que ser
brancos, os que não eram recorriam ao pó de arroz para se parecerem com os seus
colegas de equipe, segundo SANTOS:
Nesta
fase branca e inglesa do nosso futebol já se poderiam notar os germes que
acabariam com ela. O povo de alguma maneira, participava do espetáculo,
torcendo nas gerais ou aproveitando o breve instante em que a bola transpunha o
muro, para alguns chutes e embaixadas. Resultado: vinte anos depois estava
assimde times pobres; e mesmos os ricos enxameavam de jogadores humildes. Nos
dois casos, a moçada tratava de imitar os grã-finos. Imitavatudo, desde a
maneira de jogar até a aparência externa. Quem era pobre e varzeano, como
Carlos Alberto, tratava de virar branco e elegante. (1981, p.16)
A
plebe tomou conta do esporte dos ricos que gradativamente foram deixando o
hábito de jogar futebol, por todos os lados temos histórias de “clubes do povo”
que se formaram a partir da negação dos clubes dos ricos em aceitar
determinados atletas de origem popular, gentalha grosseira e mal vista. Ao
passo que o futebol vai caindo nas graças da população e consequentemente na
pauta diária de todos (surgem as primeiras transmissões à rádio, a imprensa
especializada, comentaristas esportivos) começam a surgir nele também a
possibilidade de mudar de vida, como uma maneira de um trabalhador pobre ou
ainda sem emprego de ascender socialmente e ser aceito na alta sociedade, assim
surgem os ídolos das massas afinal de contas:
“Un
jugador sobresaliente puede obtener uma considerable riqueza como deportista
profesional;incluso para lós numerosos aficionados, em apariencia, existen
suculentas bonificaciones materiales. Además de ventajas materiales. El fútbol
ofrece al narcisismo La posibilidad de conquistar um satisfactorio
reconocimiento entre sus semejantes.”(VINNAI, 1974, p.109)
Fato
notório é que o futebol como desporto transformou a nossa sociedade de uma
maneira única, intensificando ou então sendo motivo para o surgimento de novas
relações dentro da sociedade. Nele temos não apenas a possibilidade de
conquistar espaços que não poderiam ser frequentados de outras maneiras e quer
sim, quer não, promoveu timidamente uma inserção dos negros e dos mestiços na
participação da vida lúdica da sociedade brasileira.Mas nem todos viam o
futebol com bons olhos, ele já tinham inimigos e críticos ferrenhos, visto como
o “pão e circo moderno”. Afonso Henriques de Lima Barreto era um perseguidor do
futebol pois para ele as oligarquias iam usar a bola como “ópio do povo”[4] e de fato, passado quase cem anos depois parece que
Lime Barreto acertou, futebol é assunto sério emtodas as regiões do Brasil. Mas
claro que não podemos atribuir apenas ao desejo de ser burguês que o futebol
vingou em nossas classes menos abastadas. No começo da primeira década do
século XX o Brasil tinha se transformado radicalmente, as greves e as agitações
populares eram demasiadamente grandes e perturbavam a ordem. A aglomeração da
população em torno das cidades, a crescente urbanização faziam com que se
concentrasse uma massa de indivíduos ociosos era necessário ocupar essa gente,
dar uma atividade a eles, está aí um dos motivos do futebol ser odiado por Lima
Barreto, além dele (o futebol) ser imperialista claro, mas nas linhas de SANTOS
fica evidente que:
“A
greve de 1917, que chegou a paralisar dezenas de milhares de operários, fez ver
as autoridades e aos industriais que a cidade precisava de um “esporte de
massas”. Como uma criança que se manda brincar “para queimar energias” , os
operários foram, então mandados jogar futebol: os municípios isentaram os
campos de impostos; os industriais se apressaram em construir grounds; a polícia parau de reprimir os rachas em terrenos
baldios; os castigos aos estudantes de escolas públicas que fossem pegos
jogando futebol, suspensos. ” (1981, p.22)
Desta
forma podemos ver que começamos a jogar futebol não apenas por uma reprodução
de hábitos dos costumes burgueses, mas também convinha à elite industrial e as
autoridades que essa prática, além de promover um “bem estar à saúde do corpo”
era um elemento que dispersava ou até mesmo rompia com a unidade de um grupo ou
causa. A partir dessa época, gradativamente o futebol vai fazendo parte da vida
de todos os brasileiros. Pão e circo, teatro dos pobres, podemos dar o termo
que quiser, mas esse esporte transformou abruptamente o cotidiano do
brasileiro, passando a fazer parte de nossas vidas, para preencher o tempo
livre que está determinado no modo de produção capitalista “Lo que se hace o se
omite em El tiempo libre está determinado, em La sociedad capitalista, por La
necesidad de reproduzir inalterablemente La fuerza de su trabajo.” (VINNAI,
1974 p.21). Ou seja, em uma época de intempéries ele veio amortizar as classes
subalternas e ocupar as nossas mentes e corpos.
O
regime militar no Brasil
O
golpe do dia primeiro de Abril de 1964 trouxeram novos ventos na política do
Brasil. Censura, repressão, torturas, atos institucionais, cassação, eram
termos que agora estavam presentes no cotidiano do Brasil. Sob a justificativa
de que era necessário conter a ameaça vermelha no País, pois vivíamos o ápice
da guerra Fria e de maneira alguma as elites ligadas ao capital estrangeiro
jamais permitiriam uma nova Cuba, apelaram então para as forças armadas do
Brasil que promoveriam assim a “revolução”.
O
cenário era propício para a intervenção militar que o Brasil sofreu, não
tínhamos uma articulação entre as esquerdas, a população estava alheia as
questões políticas e sem consciência democrática, uma vez no poder, os
militares puderam alinhar o País com o capital externo e organizar as
estruturas político-econômicos a favor da pequena parcela da população que
detinha os meios de produção.a principal e mais notória ação política do
período militar em seus primeiros anos foram o controle da vida pública através
de medidas e atos oficializados por um congresso manipulado e com as cartas
marcadas já antes das votações. No período em que o General Castelo Branco
esteve no poder, a criação do SNI (serviço acional de informações) foi o órgão
que mais teve incidência na vida pública do brasileiro. Através dele o regime
militar controlava todas as ações dos cidadãos sob o motivo de estar
monitorando possíveis ações de “grupos terroristas”.
Após
o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco deixar o seu mandato, que
durara de 15 de Março de 1964 a 15 de Abril de 1967 vindo a falecer meses
depois, assumiu o cargo de presidente do Brasil o General Arthur Costa e Silva.
O seu governo foi caracterizado pelo ato institucional mais violento que
ocorreu na vida política brasileira durante o período de ditadura militar; o
famoso AI-5 que acusava sumariamente todo e qualquer cidadão que estivesse
envolvido em “atos subversivos” e lhe dava poder para fechar o congresso
(atitude que ele realizou). De todos os decretos-leis que foram legitimados no
período ditatorial, este certamente é o mais lembrado pela população e o que
causou mais intervenções nos direitos de liberdade dos brasileiros. Era a
consolidação da ditadura em nosso cenário político como atesta BARROS: “O ato
institucional nº 5 foi a implantação acabada do totalitarismo estatal, o
comando de todos os brasileiros por uma única vontade, a ditadurasem qualquer
disfarce.”(1998, p.42).
O
General Costa e Silva foi afastado por motivos de saúde, assumindo em seu
mandato uma junta militar que governaria o País por dois meses. Assumindo após
esse período o presidente que o lideraria o Brasil durante o seu período
espetacular de crescimento: o gaúcho Emílio Garrastazu Médici, que sem sombra
de dúvida, teve o governo com a melhor propaganda do período militar.
(Continua na parte II)
Referências
BARROS, Edgard Luiz de. Os governos militares. São Paulo: Contexto, 1998.
MAGNANE, Georges. Sociologia do esporte. Sao Paulo: Perspectiva, 1969.
MEDICI, Emilio Garrastazu. A verdadeira paz.2 ed. Brasília, DF: Imprensa Nacional, 1973.
________________,O jogo da verdade. [S.l.]: [s.n.], 1970.
________________, O povo não esta só. 2 ed. Brasília, DF: Departamento de Imprensa
Nacional, 1973.
SANTOS, Joel Rufino dos. História política do futebol
brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1981.
VINNAI, Gerhard. El fútbol como ideologia. Buenos Aires: Siglo XXI, 1975.
WASSERMAN, Cláudia; GUAZZELLI, Cesar
Augusto Barcellos (Org.). Ditaduras militares na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
Notas
[1] Artigo
dividido em duas partes. Originalmente enmtregue como avaliação parcial da
disciplina de História do Brasil IV, do curso de História da FAPA.
[2] Campo,
traduzido do inglês.
[3] Combinar
em inglês, mas no futebol dava o sentido de jogo, partida, disputa.
[4] “O
futebol é coisa inglesa ou nos chegou por intermédio dos arrogantes e
rubicundos caixeiros dos bancos ingleses, ali, da Rua da Candelária e
arredores, nos quais todos nós teimamos em ver lordes e pares do Reino Unido.”
Lima Barreto. FEIRAS
E MAFUÁS. São Paulo, 1956, p.170
FONTE: O FATO e a HISTÓRIA
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