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terça-feira, 17 de julho de 2012

Impérios que viram Estados


Em entrevista à RHBN David Armitage, 

professor de Harvard, fala sobre a 

Declaração de Independência dos EUA


A memória e o legado dos Pais Fundadores dos Estados Unidos estão constantemente em disputa. Nesta breve entrevista, David Armitage, professor da prestigiada Universidade de Harvard e referência nos estudos sobre Revolução Americana, afirma que isso é possível tanto pela transformação dos patriarcas em símbolos quase sagrados de sua História quanto pela ambiguidade de seus escritos. Lançando no Brasil a tradução do seu livro Declaração de Independência (Cia. das Letras), Armitage fala sobre o jogo constante em busca de uma verdade americana original por parte de conservadores e progressistas.
REVISTA DE HISTÓRIA A independência dos EUA é vista como a busca da liberdade para os americanos, mas esse processo vai além, há um contexto não mencionado?
DAVID ARMITAGE Pelo menos desde o início do século XIX, historiadores dos EUA, assim como seus habitantes, têm um ponto de vista excepcional a respeito da própria história. Assume-se que a identidade americana, nutrida pela perseguição no Velho Mundo e pelo exílio no Novo Mundo, veio crescendo desde o século XVII até explodir com o movimento liberal conhecido nos EUA como Revolução Americana e, na maioria dos outros países, como Guerra Americana de Independência. Os patriotas que lideraram as revoltas eram os primeiros “americanos”. Eles seriam mitificados como os Pais Fundadores de uma nova nação. Teriam sempre seus destinos separados dos do resto do mundo. Entretanto, estes fundadores sabiam – mais que os que vieram depois – que a causa revolucionária era mais ampla. Para Thomas Paine, a independência americana era “a causa de toda a humanidade”. Em 1821, Thomas Jefferson escreveu que “as chamas acesas no 4 de julho de 1776 se espalharam pela maior parte do globo para extinguir os frágeis mecanismos do despotismo”.
RH Havia coesão ideológica entre os Pais Fundadores?
DA Momentos de crise podem forçar a união de pessoas que tenham pontos de vista divergentes. É como dizemos em inglês: “adversidades podem fazer de estranhos companheiros de cama”. A partir da década de 1760, aqueles que estavam na linha de frente contra a Inglaterra, como Benjamin Franklin, avisaram aos colonos que eles deveriam “aderir ou morrer”. Como é comum na política, diferenças profundas foram mascaradas por alianças oportunas. O republicano e antimonarquista Thomas Jefferson não poderia ser mais diferente, temperamental ou filosoficamente, do conservador John Adams. Mas trabalharam juntos na redação da Declaração. Também podemos confrontar a visão dos fundadores com a economia: agrária ou industrial? Com a política internacional: pró-França ou pró-Inglaterra? Com a religião: teísta ou deísta, cristão ou sem denominação? Com a escravidão: abolicionista ou antiabolicionista? A crença, agora bastante difundida nos EUA devido à proeminência do Tea Party, de que os fundadores tinham uma só voz é um mito e um erro. Eu não diria que houve muito além de uma coesão temporária e contingente entre os Pais Fundadores.
RH Como foi a repercussão internacional da Declaração de Independência dos Estados Unidos?   
DA A Declaração viajou rapidamente em 1776: em setembro as notícias chegaram a lugares distantes como Varsóvia, na Polônia, e traduções já apareciam na França, na Itália, na Dinamarca e na Suíça. Somente depois da Revolução um documento similar apareceria fora da América do Norte. Nos dois séculos seguintes, mais da metade dos 193 países agora representados nas Nações Unidas produziram um documento considerado por seus povos como “declaração de independência”. Muitos foram moldados de acordo com a declaração americana, como Venezuela (1811), Libéria (1846), Tchecoslováquia (1918), Vietnã (1945) e Rodésia do Sul (1945). O mais relevante foi o nascimento de um gênero de “declaração de independência” e sua crescente importância para movimentos políticos por autonomia, secessão e independência a partir do início do século XIX. Se juntarmos uma lista completa de todas as declarações de independência a partir de 1776, elas se concentram muito claramente em certos momentos: nas décadas de 1810 e 1820 na América espanhola; após 1918, na Europa Central e Ocidental; e mundo afora entre 1945 e 1975, e de 1989 a 1993. O elo entre esses vários momentos foi a reestruturação, ou colapso de impérios, sejam os grandes impérios extensivos da Eurásia e do Oriente Médio, os impérios europeus ultramarinos coloniais ou o “império” da União Soviética e seus estados satélites. Mais do que nunca, declarações de independência anunciaram o surgimento de novos estados vindos do império. De modo geral, podemos observar declarações que descendem da declaração americana de 1776 como sintomas de um “contágio de soberania”. Como algo que se espalhou através de quase todo o mundo nos últimos dois séculos.
RH A identidade política norte-americana foi principalmente gerada no processo de independência do sistema imperial britânico. Como vê as críticas à ação “imperialista” norte-americana em outras regiões?
DA Críticos do imperialismo americano têm frequentemente achado paradoxal que uma nação gerada pelo ato de rejeitar um império tenha se tornado um. Eles têm contraposto os ideais fundadores aos seus desígnios imperiais em casos como Filipinas ou Vietnã. Apesar disso, penso que não há tanto paradoxo se recordarmos que os EUA nasceram em um mundo de impérios em 1776: eles se autoproclamaram “estado livre e independente” num mundo onde o número de estados era inferior a quarenta. Em sua busca por segurança e prosperidade, conduzido por um crescente senso messiânico, os EUA tornaram-se um império territorial na América do Norte. E prosseguem como um dos dois grandes territórios imperiais que começaram sua expansão neste período. O outro é a China. 

FONTE: Revista de Historia / Rodrigo Elias 

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