Com
menos heróis e mais interesses econômicos, norte-americanos expandiram o
território do país no século 19
Carruagens fugindo de bandidos. A cavalaria
combatendo índios, cowboys solitários laçando cavalos e bois. Manadas de bisões
que faziam a terra tremer quando estouravam por imensas planícies. Agricultores
e suas famílias tirando o sustento de terras hostis com tenacidade. Tiros para
todo lado. Estradas de ferro.
Os relatos de escritores e jornalistas, as pinturas
de Frederic Remington e o cinema fixaram na mente das pessoas histórias e tipos
míticos como cowboys e xerifes em cidades poeirentas. Ficção à parte, a
conquista do Far West teve contornos lendários, mas envolveu
política, trabalho duro e rotineiro e muita violência.
Quando os britânicos depuseram armas, em 1781, os
habitantes das 13 colônias que fundaram os EUA tinham como fronteira ocidental
a Cordilheira dos Apalaches, uma área do tamanho de Minas Gerais e São Paulo.
Em 1803, a Louisiana foi comprada dos franceses. Em 1819, foi a vez da Flórida,
adquirida dos espanhóis. A partir de 1846, uma guerra de dois anos custaria ao
México metade de seu território. No mesmo ano, o Tratado do Oregon (1846)
garantiu a porção noroeste, definindo a fronteira com o Canadá. “Em 1848, os
EUA já haviam alcançado o Pacífico, numa conquista vertiginosa e violenta”,
afirma a historiadora Mary Junqueira, da USP.
Para garantir a posse de tanta terra, era preciso
povoá-la. “A região foi ocupada por gente de vários perfis atraída pela chance
de adquirir terra e direitos políticos”, diz Mary. Além do incentivo à
imigração e da legislação conhecida como Land Ordinance (1785),
que regulava a formação de estados no Oeste, dois eventos atraíram multidões
para a “Corrida do Oeste”: a descoberta de ouro na Califórnia e o Homestead
Act, que doava lotes de 160 acres (65 hectares) de terras federais,
assinada em 1862 por Abraham Lincoln. Parte das terras foi obtida por
especuladores, prejudicando o pequeno agricultor, segundo Claude Fohlen, em O
Faroeste.
Os personagens
A Conquista do Oeste tem personagens emblemáticos.
Os primeiros a se embrenharem na terra desconhecida foram os caçadores de
peles, que não se fixaram na região. Seguiu-se um grande fluxo de mineiros,
seduzidos pela promessa nunca concretizada de um Eldorado. O auge da exploração
se deu na Califórnia, entre 1848 e 1855. Houve ciclos posteriores em estados
próximos, com resultados parecidos.
Já o cowboy, a figura mítica da região, na essência
é um perito em manejar gado e cavalos. Os espanhóis trouxeram bovinos ao Golfo
do México no século 17. Com as guerras e o fechamento das missões, no século
19, os rebanhos voltaram ao estado selvagem. Os americanos, atraídos pelo
cultivo de algodão, viram a oportunidade de domesticar e explorar os long
horns, ou chifres longos, como faziam os vaqueros. Havia também mustangs:
cavalos em estado selvagem pouco maiores que um pônei, mais resistentes que as
raças europeias e com instinto apurado para conter o gado.
Mas levar rebanhos do Texas até os consumidores do
Leste exigia cruzar territórios indígenas – o que era ilegal – ou florestas
cheias de ladrões e soldados desertores. As viagens irritavam também os colonos,
porque o gado danificava plantações e transmitia doenças. O comerciante Joseph
G. McCoy foi um dos que pensaram na solução para o problema. Em 1867, ergueu
galpões de madeira para abrigar os rebanhos e um saloon,
transformando Abilene, no Kansas, em entreposto comercial ao lado de uma
ferrovia. Faltava levar o gado até o que viria a ser chamado de cowtown.
A travessia rendeu grande fama aos cowboys, um contingente de 40 mil homens,
pelos cálculos de Fohlen.
Um capataz comandava até dez cowboys, dependendo do
tamanho do rebanho. Eram homens entre 20 e 30 anos, com boa saúde e vigor
físico para caminhadas de até 25 km para domar reses. À noite, cantavam para
acalmar os bois e se revezavam na vigília para proteger os acampamentos de
saqueadores, lobos, coiotes e colonos. Tinham dieta simples: carne fresca era
raridade. Nada desteaks, uma criação do século 20. Para beber, café,
água e uísque de milho.
Outro grande evento eram os round-ups,
quando os rebanhos de vários criadores eram marcados a ferro quente. Tais
eventos atraíam muitos cowboys e são a mais provável origem dos rodeios. Nessa
época, empresários perceberam o potencial da industrialização da carne de gado
no Oeste. Adotaram criações sedentárias e cruzaram raças para melhorar a
qualidade do produto. Os cowboys passaram a se ocupar mais da rotina dos
ranchos.
O historiador Walter Webb, em seu trabalho The
Great Plains (“As grandes planícies”), cita a descrição de um
habitante da época sobre um deles: “Vive montado em seu cavalo, combate como os
cavaleiros da Idade Média, anda armado, jura como um soldado, bebe como um
peixe, veste-se como um ator e luta como o diabo. É amável com as mulheres,
reservado com os estranhos, generoso com os amigos e brutal com os inimigos”.
Agricultura
A área cultivável nos EUA ia da Costa Leste ao vale
dos rios Mississippi e Missouri, além de uma faixa de terra do litoral até a
Serra Nevada, no Oeste. Entre essas duas regiões, com a cadeia das Montanhas
Rochosas no meio, existiam as grandes planícies, terra difícil de cultivar sem
irrigação.
Cenário hostil a que chegaram os colonos atraídos
pelo Homestead Act. Quanto mais fazendeiros, mais graves eram os
conflitos com os criadores de gado. Cercar as plantações era difícil, pela
escassez de madeira e pedras. Até que Joseph Glidden patenteou o arame farpado,
em 1873. Produzido em série, tinha preço acessível. Em menos de uma década,
espalhou-se pelo Oeste. Segundo Walter Webb, o arame farpado foi decisivo para
o avanço dos colonos. “Só então foi possível plantar com certo grau de economia
e alguma certeza de não ter as colheitas comidas pelo gado solto no campo.”
Os índios
Ao lado dos mexicanos, os índios foram os grandes
prejudicados pela marcha para o Oeste, de acordo com Mary Junqueira. No início
do século 19, tribos do Leste e Meio-Oeste, como os sioux, foram empurradas
para as planícies. Outras, como os cherokees e seminoles, foram realocadas em
uma reserva onde é hoje o estado do Oklahoma. Apaches e navajos, que habitavam
o sudoeste, tiveram de lutar muito para ficar por lá.
Os índios se adaptaram à vida nas planícies caçando
bisões, abundantes no Oeste. Tinham destreza com cavalos e aprenderam a manejar
com habilidade armas de fogo. Finda a Guerra de Secessão, o Exército Federal
foi encarregado de garantir a segurança de colonos e cowboys, além de proteger
a construção das ferrovias. Fortes militares foram erguidos e vários originaram
cidades. Como mineiros, colonos, cowboys e os trens cruzavam áreas indígenas
sem cerimônia, os índios atacavam ou roubavam bois e cavalos. A resposta dos
militares foi violenta.
A ampliação das ferrovias e o povo “branco”
praticamente extinguiram o bisão nos EUA, tirando o principal meio de
subsistência dos índios, confinados em reservas cada vez menores. “Touro Sentado,
chefe dos sioux, e Gerônimo, líder apache, são símbolos da resistência. Ambos
perderam a queda de braço com o homem branco”, diz Mary Junqueira.
O transporte
A marcha rumo ao interior e depois ao Oeste
utilizou ao longo do tempo quatro meios de transporte. O primeiro foram os steamboats,
barcos a vapor, de casco quase reto, sem quilha – para escapar dos bancos de
areia do Rio Mississipi. Sua característica mais marcante eram grandes rodas
hidráulicas na popa. As viagens eram lentas e as caldeiras, barulhentas.
Longe dos rios, as diligências: carroças puxadas
por parelhas de cavalos. Durante a Corrida do Ouro, ir do Missouri à Califórnia
podia levar mais de quatro meses. “Era mais rápido ir de navio, contornando o
Cabo Horn, na América do Sul”, afirma Mary Junqueira. Com a abertura de trilhas
e a criação de serviços regulares, o tempo caiu para até 20 dias.
Os trajetos eram percorridos em comboios, para as
carroças não se perderem e ficarem menos expostas a ataques. O custo da viagem
era alto e a comida, precária. Os passageiros sofriam com os solavancos e a
travessia de riachos e vaus.
Os navios só perderam a primazia com a chegada do
trem ao Oeste. Em 1855, o Exército levou ao Congresso um plano detalhado com
rotas possíveis para formar a malha ferroviária do país. Várias empresas
entraram no negócio, entre elas a Central Pacific e a Union Pacific. A primeira
partiu de Sacramento (Califórnia) e a segunda de Omaha (Nebraska). Mais
eficiente e com emprego de mão de obra chinesa em larga escala, a Central
cumpriu a meta e foi adiante. Em 10 de maio de 1869, o encontro das locomotivas
das duas equipes em Promontory Point, Utah, foi um acontecimento nacional.
Houve orações no local e o Sino da Liberdade soou na Filadélfia. Os trilhos iam
agora de costa a costa.
Segundo o historiador Dee Brown, autor de Enterrem
meu Coração na Curva do Rio, o século 19 no Oeste foi uma época de incrível
violência e veneração da liberdade individual. E nesse quadro “se criaram os
grandes mitos do Oeste americano – histórias de caçadores, pioneiros, pilotos
de vapores, jogadores, pistoleiros, soldados da cavalaria, mineiros, cowboys,
prostitutas, missionários, professores e colonizadores.” Para Mary Junqueira,
um aspecto marcante da Conquista do Oeste é seu forte tom romanceado. “Apesar
de visto assim por muitos nos séculos 19 e 20, tal processo não pode ser
considerado uma aventura”, afirma a historiadora. “Claro que tipos como
fazendeiros e cowboys existiram, mas o encontro do homem civilizado, mesmo que
rústico, com o meio selvagem (natureza e indígenas) resultou numa versão que
minimiza a violência que foi de fato empregada.”
FONTE: AVENTURA DA HISTÓRIA - Texto
Marcelo Sales
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