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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

9 motivos pelos quais você também deveria lutar contra o racismo










1 – Você faz parte disso

Certa vez uma pessoa me disse que os debates sobre racismo são exagerados, pois ela não via razões para discriminar alguém por sua cor de pele. É um raciocínio romântico achar que, por não fazermos parte do grupo que discrimina, basta jogar o assunto para debaixo do tapete. Tendo o preconceito ao nosso redor diariamente, ainda que de forma involuntária, somos parte disso. Por exemplo, quando minimizamos a gravidade de um ato discriminatório ou quando presenciamos uma cena e não fazemos nada a respeito. Também fazemos parte quando não questionamos o modelo de sociedade que estamos vivendo. A não ser que você viva em uma realidade paralela, onde todos são iguais de fato, você faz parte disso.

2 – Violência gera violência
O racismo é uma forma de violência e, como tal, age em ciclos. Os contínuos esforços em manter a população pobre na periferia afastam seus moradores de condições decentes de educação, saúde e trabalho, corroborando para a manutenção da situação degradante dos moradores de áreas afastadas. A maioria da população moradora de favelas é negra, segundo estudo do Ipea. O IBGE aponta que 1% dos moradores possui ensino superior.

Esta população está sensivelmente próxima da violência, fato comprovado pela pesquisa que mostrou que a violência urbana está diretamente ligada à discriminação racial e social.

Este assunto é frequentemente apontado quando a criminalidade é discutida. Há quem não tolere a defesa de um criminoso, sob a alegação de que, como seres humanos cientes de seus atos, eles precisam apenas ser punidos e afastados – ainda mais – do convívio social. Como nosso sistema de reabilitação é bastante deficiente, o mais natural, embora trabalhoso para alguns, seria propor-se a estudar o cerne do problema, não apenas sua consequência. A população negra está marginalizada, pessoas marginalizadas não têm expectativa de vida e são mais facilmente coagidas a integrar grupos criminosos, não por escolha, mas porque todo o resto lhe virou as costas. O debate sobre a questão criminal no Brasil precisa se afastar de percepções emocionais e se aproximar da Ciência, e isto não é assunto exclusivo para sociólogos e juízes, é problema de todos os habitantes das cidades.

3 – Você sabe que é errado

Quando uma pessoa acredita que seu ponto de vista é minimamente razoável, ela o expõe com os argumentos que tem a seu alcance. Quando ela sabe que está errada, sai pela tangente, se esconde, faz piada, tenta justificar com sentenças sem pé nem cabeça. Racismo é crime, e é tão grave que as pessoas que o praticam sabem disso, e não raro se escondem sob o anonimato quando querem externar o que pensam de forma clara.

4 – As crianças não têm culpa

Além da densa discussão proposta no item 2, uma outra consequência grave da discriminação racial são os efeitos psicológicos em quem sofre e quem vê. É na primeira infância que o ser humano aprende valores que pautarão seu comportamento para o resto da vida. A criação de estereótipos raciais firma nas crianças a ideia de separatismo. Atitudes pequenas como a naturalização de apelidos ofensivos e negação de características físicas de pessoas negras (lábios grossos, narizes grandes, cabelos crespos) tornam-se verdades na cabeça das crianças. Além do aspecto cruel de tornar crianças reféns de tal barbaridade, elas crescerão e se tornarão adultos que pautaram sua vida em atitudes de discriminação, o que ajudará a agravar os supracitados problemas com violência.

Lutar contra isso é apoiar uma sociedade mais justa, onde crianças estão livres da violência física e psicológica causada pelo racismo, e poderão se tornar adultos saudáveis e menos vulneráveis.

5 – Não faz sentido

No caso do Brasil, negros foram trazidos para cá num grande esquema de tráfico humano para serem utilizados como escravos. Mulheres negras foram objetificadas e reduzidas a objetos sexuais e amas de leite.
Como negros eram inferiorizados até praticamente não serem considerados humanos, criou-se, entre outras teorias absurdas, a ideia de que eram mentalmente inferiores do que brancos. Até hoje há quem defenda esta ideia torpe, muito embora a ciência tenha precisado perder tempo para provar o óbvio: não há superioridade mental branca.

6 – Não tem graça
Racismo não é humor, a não ser que o objetivo seja apenas reforçar os estereótipos preconceituosos que já vivemos. Um dos principais argumentos de defesa de quem é pego no flagra fazendo troça deste tipo é que era só uma brincadeira. Primeiro devemos ter em mente ninguém é obrigado a aceitar a brincadeira que for. Depois é preciso pensar o que você sentiria se fosse com você. Vale também tentar saber o que sentem as pessoas que são alvo destas brincadeiras.

Por último: simplesmente não tem graça. Há coisas engraçadas no mundo e o racismo não é uma delas. Chamar de macaco, cabelo de Bombril, dizer que, apesar de negra, a pessoa até que tem traços finos, chamar de cotista um negro no meio de um grande grupo de pessoas brancas, nada disso tem justificativa senão unicamente a ignorância.
Se alguém realmente acha que está certo por proferir piadas racistas e continua justificando isso com argumentos cada vez mais violentos, ele está errado.

De tempos para cá, muita gente reclama do politicamente correto.
O politicamente correto nada mais é que ética e respeito, é saber que não, não podemos tudo. E achar que pode usar alguém como alvo de piada preconceituosas e não querer enfrentar o que vem depois disso, é infantilidade, coisa de gente que não aprendeu desde cedo que não temos direitos sobre a vida do outro, tampouco temos direito de humilhar alguém por sua cor da pele – olha os efeitos do racismo na infância aí.
Aceitar com naturalidade o humor feito para humilhar o outro é gostar de viver em uma sociedade desigual, ponto contra o qual precisamos ir.

7 – É uma luta cansativa, mas é um trabalho em grupo

Lutar contra o racismo é uma guerra constante e pesada. É estar o tempo todo tendo que repetir as mesmas coisas para explicar ao racista por que o comportamento dele não tem motivo de ser. Mas, adivinha só? Como todo trabalho, este também traz mais resultados se feito em conjunto. É comum se sentir irritado ou entristecido com manifestações racistas, mas a militância diária dá resultado. Às vezes uma conversa basta. Às vezes é preciso ser mais enfático. Tudo depende de quão enraizado está o preconceito na vida de quem o pratica.

8 – Qualquer um pode fazer isso

Não é necessário participar de um grande grupo político para lutar contra o racismo, atitudes cotidianas também devem se tornar ponto de atenção. Questione-se porque há tão poucos estudantes negros nas universidades, repare na cor da pele dos jovens mortos por arma de fogo, se pergunte porque há empresas de empregados domésticos que tem a opção “cor” no formulário de preenchimento de requisição de funcionário.

9 – Você se beneficia de uma sociedade igualitária

Ter mais negros em altos cargos de trabalho, ocupando cadeiras universitárias e passeando pelas ruas sem estarem sob frequente estado de alerta para não serem apontados como criminosos em potencial torna a vida mais fácil a todos. Estar perto da população mais pobre também nos torna sensíveis às questões sociais e nos permite entender nosso papel na comunidade, pois é um erro crasso achar que pertencemos a algum grupo diferente. Nós apenas estamos em condições diferentes. A luta contra o racismo precisa ser de todos porque ela sedimenta as políticas que permitirão o desenvolvimento de todos os cidadãos, diminuindo a desigualdade social e, consequentemente, construindo um lugar melhor para todos.


FONTE: Revista Black Brasil

25 curiosidades sobre a escravidão que você não sabia

Os primeiros navios negreiros foram trazidos pelo português Martim Afonso de Sousa, em 1532. A contabilidade oficial estima que, entre essa data e 1850, algo como 5 milhões de escravos negros entraram no Brasil. Porém, alguns historiadores calculam que pode ter sido o dobro.

- Os navios negreiros que traziam os escravos da África até o Brasil eram chamados de tumbeiros, devido à morte de milhares de africanos durante a travessia. Estas mortes ocorriam devido aos maus-tratos sofridos pelos escravos, pelas más condições de higiene e por doenças causas pela falta de vitaminas, como no caso do escorbuto.

- É possível traçar a origem dos escravos em três grandes grupos: os da região do atual Sudão, em que os iorubás, também chamados nagôs, predominam; os que vieram das tribos do norte da Nigéria, a maioria muçulmanos, chamados de malês ou alufás; e o grupo dos bantos, capturados nas colônias portuguesas de Angola e Moçambique.

- Quando chegava ao Brasil, o africano era chamado de “peça” e vendido em leilões públicos, como uma boa mercadoria: lustravam seus dentes, raspavam os seus cabelos, aplicavam óleos para esconder doenças do corpo e fazer a pele brilhar, assim como eram engordados para garantir um bom preço.

- Um escravo valia mais quando era homem e adulto. Um escravo era considerado adulto quando tinha entre 12 e 30 anos. Eles trabalhavam em média das 6 horas da manhã às 10 da noite, quase sem descanso, e amadureciam muito rápido. Com 35 anos, já tinham cabelos brancos e bocas desdentadas.

- Os cativos recebiam, uma vez por dia, apenas um caldo ralo de feijão. Para enriquecer um pouco a mistura, eles aproveitavam as partes do porco que os senhores desprezavam: língua, rabo, pés e orelhas. Foi assim que, de acordo com a tradição, surgiu a feijoada.

- A Festa de Nossa Senhora do Rosário, a padroeira dos escravos do Brasil colonial, foi realizada pela primeira vez em Olinda (PE), no ano de 1645. A santa já era cultuada na África, levada pelos portugueses como forma de cristianizar os negros. Eles eram batizados quando saíam da África ou quando chegavam ao Brasil.

- Na cidade de Serro (MG), acontece a maior de todas as festas em homenagem a santa, em julho, desde 1720. De acordo com a lenda, um dia Nossa Senhora do Rosário saiu do mar. Ao ser chamada por índios, não se mexeu. O mesmo aconteceu com marinheiros brancos. A santa só atendeu aos escravos, que tocaram bem forte os seus tambores.

- Crianças brancas e negras andavam nuas e brincavam até os 5 ou 6 anos anos de idade. Tinham os mesmos jogos, baseados em personagens fantásticos do folclore africano. Mas aos 7 anos, a criança negra enfrentava sua condição e precisava começar a trabalhar.

- Cada senhor de engenho tinha autorização para importar 120 escravos por ano da África. E havia uma lei que estipulava em 50 o número máximo de chibatadas que um escravo podia levar por dia.

- A cozinha era muito valorizada na casa-grande. Conquistaram o gosto dos europeus e brasileiros os pratos de origem africana, como vatapá e caruru, comuns na mesa patriarcal nordestina. A cozinha ficava num anexo da casa, separada dos cômodos principais por depósitos ou áreas internas.

- Normalmente, divisões internas da senzala separavam homens e mulheres. Mas, algumas vezes, era permitido aos poucos casais aceitos pelo senhor morarem em barracos separados, de pau-a-pique, cobertos com folhas de bananeira.

- Aos domingos, os escravos tinham direito de cultivar mandioca e hortaliças para consumo próprio. Podiam, inclusive, vender o excedente na cidade. A medida combatia a fome do campo, pois a monocultura de exportação não dava espaço a produtos de subsistência.

- Quando a noite caia, o som dos batuques e dos passos de dança dominava a senzala. As festas e outras manifestações culturais eram admitidas, pois a maioria dos senhores acreditava que isso diminuia as chances de revolta.

- Com a expansão das cidades, multiplicam-se escravos urbanos em ofícios especializados, como pedreiros, vendedores de galinhas, barbeiros e rendeiras. Os carregadores zanzam de um lado a outro, levando baús, barris, móveis e, claro, brancos.

- Escravos de Ganho eram escravos que tinha permissão de vender ou prestar serviços na rua. Em troca, ele deveria dar uma porcentagem dos ganhos a seu dono.

- Em algumas regiões, os escravos africanos eram divididos em três categorias: o “boçal”, que recusava falar o português, resistindo à cultura europeia; o “ladino”, que falava o português; e o “crioulo”, o escravo que nascia no Brasil. Geralmente, ladinos e crioulos recebiam melhor tratamento, trabalhos mais brandos e perspectiva de ascenção social.

- Os negros nunca tiveram uma atitude passiva diante da escravidão. Muitos quebravam ferramentas de trabalho e colocavam fogo nas senzalas. Outros cometiam suicídio, muitas vezes comendo terra. Outros, ainda, entregavam-se ao banzo, grande tristeza que podia levar à morte por inanição. A forma comum de rebeldia, no entanto, era a fuga.

- Segundo alguns historiadores, a capoeira nasceu de um ritual angolano chamado n’golo (dança da zebra), uma competição que os rapazes das aldeias faziam para ver quem ficaria com a moça que atingisse a idade para casar. Com o tempo, a prática se transformou em exibição de habilidade e destreza.
- A palavra capoeira não é de origem africana. Ela vem do tupi (kapu’era). Trazida para o Brasil por intermédio dos navios negreiros, a capoeira foi desenvolvida nos quilombos pernambucanos do século XVI. As características de luta e dança adquiridas no país podem classificá-la como uma manifestação cultural genuinamente brasileira.

- O berimbau é um instrumento de percussão trazido da África (mbirimbau). Ele só entrou na história da capoeira no século XX. Antes, o instrumento era usado pelos vendedores ambulantes para atrair os clientes. O arco vem do caule de um arbusto chamado biriba, comum no Nordeste, que é fácil de envergar.

- Até a abolição da escravatura, a lei punia os praticantes de capoeira com penas de até 300 açoites e o calabouço. De 1889 a 1937, a capoeira era crime previsto pelo Código Penal. Uma simples demonstração dava seis meses de cadeia. Em 1937, o presidente Getúlio Vargas foi ver uma exibição, gostou e acabou com a proibição.

- Após a independência de Portugal, em 1822, uma das primeiras medidas do governo foi proibir que alunos negros frequentassem as mesmas escolas que os brancos. Um dos motivos apontados é que temiam eles pudessem transmitir doenças contagiosas.

- O movimento abolicionista tinha mais de 60 anos quando a Lei Áurea foi assinada, em 1888. Mobilizava muitos intelectuais da época, como escritores, políticos, juristas, e também a população de uma forma geral.

- Em 1823, dom Pedro I chegou a redigir um documento defendendo o fim da escravidão no Brasil, mas a libertação só ocorreu 65 anos depois.

FONTE:  Revista Black Brasil – Esta lista foi extraída e adaptada de diferentes fontes, como mania de história e guia dos curiosos.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A conquista do Oeste na expansão das fronteiras norte-americanas









Com menos heróis e mais interesses econômicos, norte-americanos expandiram o território do país no século 19

Carruagens fugindo de bandidos. A cavalaria combatendo índios, cowboys solitários laçando cavalos e bois. Manadas de bisões que faziam a terra tremer quando estouravam por imensas planícies. Agricultores e suas famílias tirando o sustento de terras hostis com tenacidade. Tiros para todo lado. Estradas de ferro.

Os relatos de escritores e jornalistas, as pinturas de Frederic Remington e o cinema fixaram na mente das pessoas histórias e tipos míticos como cowboys e xerifes em cidades poeirentas. Ficção à parte, a conquista do Far West teve contornos lendários, mas envolveu política, trabalho duro e rotineiro e muita violência.

Quando os britânicos depuseram armas, em 1781, os habitantes das 13 colônias que fundaram os EUA tinham como fronteira ocidental a Cordilheira dos Apalaches, uma área do tamanho de Minas Gerais e São Paulo. Em 1803, a Louisiana foi comprada dos franceses. Em 1819, foi a vez da Flórida, adquirida dos espanhóis. A partir de 1846, uma guerra de dois anos custaria ao México metade de seu território. No mesmo ano, o Tratado do Oregon (1846) garantiu a porção noroeste, definindo a fronteira com o Canadá. “Em 1848, os EUA já haviam alcançado o Pacífico, numa conquista vertiginosa e violenta”, afirma a historiadora Mary Junqueira, da USP.

Para garantir a posse de tanta terra, era preciso povoá-la. “A região foi ocupada por gente de vários perfis atraída pela chance de adquirir terra e direitos políticos”, diz Mary. Além do incentivo à imigração e da legislação conhecida como Land Ordinance (1785), que regulava a formação de estados no Oeste, dois eventos atraíram multidões para a “Corrida do Oeste”: a descoberta de ouro na Califórnia e o Homestead Act, que doava lotes de 160 acres (65 hectares) de terras federais, assinada em 1862 por Abraham Lincoln. Parte das terras foi obtida por especuladores, prejudicando o pequeno agricultor, segundo Claude Fohlen, em O Faroeste.

Os personagens
A Conquista do Oeste tem personagens emblemáticos. Os primeiros a se embrenharem na terra desconhecida foram os caçadores de peles, que não se fixaram na região. Seguiu-se um grande fluxo de mineiros, seduzidos pela promessa nunca concretizada de um Eldorado. O auge da exploração se deu na Califórnia, entre 1848 e 1855. Houve ciclos posteriores em estados próximos, com resultados parecidos.

Já o cowboy, a figura mítica da região, na essência é um perito em manejar gado e cavalos. Os espanhóis trouxeram bovinos ao Golfo do México no século 17. Com as guerras e o fechamento das missões, no século 19, os rebanhos voltaram ao estado selvagem. Os americanos, atraídos pelo cultivo de algodão, viram a oportunidade de domesticar e explorar os long horns, ou chifres longos, como faziam os vaqueros. Havia também mustangs: cavalos em estado selvagem pouco maiores que um pônei, mais resistentes que as raças europeias e com instinto apurado para conter o gado.

Mas levar rebanhos do Texas até os consumidores do Leste exigia cruzar territórios indígenas – o que era ilegal – ou florestas cheias de ladrões e soldados desertores. As viagens irritavam também os colonos, porque o gado danificava plantações e transmitia doenças. O comerciante Joseph G. McCoy foi um dos que pensaram na solução para o problema. Em 1867, ergueu galpões de madeira para abrigar os rebanhos e um saloon, transformando Abilene, no Kansas, em entreposto comercial ao lado de uma ferrovia. Faltava levar o gado até o que viria a ser chamado de cowtown. A travessia rendeu grande fama aos cowboys, um contingente de 40 mil homens, pelos cálculos de Fohlen.

Um capataz comandava até dez cowboys, dependendo do tamanho do rebanho. Eram homens entre 20 e 30 anos, com boa saúde e vigor físico para caminhadas de até 25 km para domar reses. À noite, cantavam para acalmar os bois e se revezavam na vigília para proteger os acampamentos de saqueadores, lobos, coiotes e colonos. Tinham dieta simples: carne fresca era raridade. Nada desteaks, uma criação do século 20. Para beber, café, água e uísque de milho.

Outro grande evento eram os round-ups, quando os rebanhos de vários criadores eram marcados a ferro quente. Tais eventos atraíam muitos cowboys e são a mais provável origem dos rodeios. Nessa época, empresários perceberam o potencial da industrialização da carne de gado no Oeste. Adotaram criações sedentárias e cruzaram raças para melhorar a qualidade do produto. Os cowboys passaram a se ocupar mais da rotina dos ranchos.

O historiador Walter Webb, em seu trabalho The Great Plains (“As grandes planícies”), cita a descrição de um habitante da época sobre um deles: “Vive montado em seu cavalo, combate como os cavaleiros da Idade Média, anda armado, jura como um soldado, bebe como um peixe, veste-se como um ator e luta como o diabo. É amável com as mulheres, reservado com os estranhos, generoso com os amigos e brutal com os inimigos”.

Agricultura
A área cultivável nos EUA ia da Costa Leste ao vale dos rios Mississippi e Missouri, além de uma faixa de terra do litoral até a Serra Nevada, no Oeste. Entre essas duas regiões, com a cadeia das Montanhas Rochosas no meio, existiam as grandes planícies, terra difícil de cultivar sem irrigação.
Cenário hostil a que chegaram os colonos atraídos pelo Homestead Act. Quanto mais fazendeiros, mais graves eram os conflitos com os criadores de gado. Cercar as plantações era difícil, pela escassez de madeira e pedras. Até que Joseph Glidden patenteou o arame farpado, em 1873. Produzido em série, tinha preço acessível. Em menos de uma década, espalhou-se pelo Oeste. Segundo Walter Webb, o arame farpado foi decisivo para o avanço dos colonos. “Só então foi possível plantar com certo grau de economia e alguma certeza de não ter as colheitas comidas pelo gado solto no campo.”

Os índios
Ao lado dos mexicanos, os índios foram os grandes prejudicados pela marcha para o Oeste, de acordo com Mary Junqueira. No início do século 19, tribos do Leste e Meio-Oeste, como os sioux, foram empurradas para as planícies. Outras, como os cherokees e seminoles, foram realocadas em uma reserva onde é hoje o estado do Oklahoma. Apaches e navajos, que habitavam o sudoeste, tiveram de lutar muito para ficar por lá.

Os índios se adaptaram à vida nas planícies caçando bisões, abundantes no Oeste. Tinham destreza com cavalos e aprenderam a manejar com habilidade armas de fogo. Finda a Guerra de Secessão, o Exército Federal foi encarregado de garantir a segurança de colonos e cowboys, além de proteger a construção das ferrovias. Fortes militares foram erguidos e vários originaram cidades. Como mineiros, colonos, cowboys e os trens cruzavam áreas indígenas sem cerimônia, os índios atacavam ou roubavam bois e cavalos. A resposta dos militares foi violenta.

A ampliação das ferrovias e o povo “branco” praticamente extinguiram o bisão nos EUA, tirando o principal meio de subsistência dos índios, confinados em reservas cada vez menores. “Touro Sentado, chefe dos sioux, e Gerônimo, líder apache, são símbolos da resistência. Ambos perderam a queda de braço com o homem branco”, diz Mary Junqueira.

O transporte
A marcha rumo ao interior e depois ao Oeste utilizou ao longo do tempo quatro meios de transporte. O primeiro foram os steamboats, barcos a vapor, de casco quase reto, sem quilha – para escapar dos bancos de areia do Rio Mississipi. Sua característica mais marcante eram grandes rodas hidráulicas na popa. As viagens eram lentas e as caldeiras, barulhentas.
Longe dos rios, as diligências: carroças puxadas por parelhas de cavalos. Durante a Corrida do Ouro, ir do Missouri à Califórnia podia levar mais de quatro meses. “Era mais rápido ir de navio, contornando o Cabo Horn, na América do Sul”, afirma Mary Junqueira. Com a abertura de trilhas e a criação de serviços regulares, o tempo caiu para até 20 dias.

Os trajetos eram percorridos em comboios, para as carroças não se perderem e ficarem menos expostas a ataques. O custo da viagem era alto e a comida, precária. Os passageiros sofriam com os solavancos e a travessia de riachos e vaus.

Os navios só perderam a primazia com a chegada do trem ao Oeste. Em 1855, o Exército levou ao Congresso um plano detalhado com rotas possíveis para formar a malha ferroviária do país. Várias empresas entraram no negócio, entre elas a Central Pacific e a Union Pacific. A primeira partiu de Sacramento (Califórnia) e a segunda de Omaha (Nebraska). Mais eficiente e com emprego de mão de obra chinesa em larga escala, a Central cumpriu a meta e foi adiante. Em 10 de maio de 1869, o encontro das locomotivas das duas equipes em Promontory Point, Utah, foi um acontecimento nacional. Houve orações no local e o Sino da Liberdade soou na Filadélfia. Os trilhos iam agora de costa a costa.

Segundo o historiador Dee Brown, autor de Enterrem meu Coração na Curva do Rio, o século 19 no Oeste foi uma época de incrível violência e veneração da liberdade individual. E nesse quadro “se criaram os grandes mitos do Oeste americano – histórias de caçadores, pioneiros, pilotos de vapores, jogadores, pistoleiros, soldados da cavalaria, mineiros, cowboys, prostitutas, missionários, professores e colonizadores.” Para Mary Junqueira, um aspecto marcante da Conquista do Oeste é seu forte tom romanceado. “Apesar de visto assim por muitos nos séculos 19 e 20, tal processo não pode ser considerado uma aventura”, afirma a historiadora. “Claro que tipos como fazendeiros e cowboys existiram, mas o encontro do homem civilizado, mesmo que rústico, com o meio selvagem (natureza e indígenas) resultou numa versão que minimiza a violência que foi de fato empregada.”

FONTE: AVENTURA DA HISTÓRIA - Texto Marcelo Sales

domingo, 10 de novembro de 2013

Levantes libertários: do ludismo aos Black Blocs







Se olharmos a História percebemos que levantes populares são uma constante no passado: os hebreus se rebelaram e fugiram dos egípcios, os escravos romanos sob comando de Espártaco quase destruíram Roma, entre tantos outros exemplos. Em nosso passado recente percebe-se que desde o século XVII começam a haver levantes libertários no mundo ocidental. Originalmente se rebelavam contra a opressão do clero e da nobreza nos campos e nas cidades. Intelectuais iluministas tentavam compreender o fenômeno e as explicações eram das mais variadas.

Para alguns membros do pensamento iluminado – que surgia dentro da burguesia como uma forma de resistência ao mercantilismo e às “justificativas” divinas para os privilégios feudais – tais levantes eram uma forma de expressão popular e, dessa forma, justificada pela opressão. Para outros iluministas, mesmo avessos à nobreza e ao clero a destruição de campos, igrejas e símbolos dessas duas castas era um grande barbarismo.

Do século XVII em diante percebemos que cada geração descobriu formas próprias de resistência, baseados nas condições que se apresentavam para a luta social. Algumas vezes tais manifestações mostravam o desconhecimento de quem era o verdadeiro inimigo.

O movimento ludista – atribuído a um indivíduo que pode não ter existido chamado Ned Ludd – é um exemplo. Na transição do século XVIII para o XIX o sistema capitalista dava seus primeiros passos. Não se sabia muito bem o que era – tanto que sequer era chamado dessa forma. Os trabalhadores seguidamente perdiam seus empregos devido ao desenvolvimento de novas tecnologias. Cada máquina podia substituir cem funcionários.

Como os ludistas agiram? Simples, quebrando as máquinas. Eles não conseguiam ver que a máquina não era o inimigo e sim o dono da máquina que explorava sua força de trabalho. Como sempre, os donos do poder reagiram e uma violenta repressão caiu sobre esses operários: qualquer um que se rebelasse seria violentamente perseguido e quem quebrasse uma máquina teria a pena de morte decretada. Ainda, para proteger os interesses econômicos os soldados dos exércitos nacionais passaram a defender as fábricas.

No desenvolvimento dos levantes populares ao longo do século XIX, uma das formas de resistência era impedindo que as forças armadas – que defendiam o capital e não os cidadãos (alguma mudança?) – tivessem livre trânsito. Como as ruas eram estreitas, a população bloqueava com entulhos fazendo barricadas nas ruas. Desse jeito, os soldados tinham seu poder de mobilidade e formação de combate limitados. O povo podia, mesmo com paus, pedras e outras armas artesanais enfrentar as forças regulares, pois atacavam nas barricadas, nas sacadas e topo dos prédios.

Isso ocorreu na Revolução Francesa, nas jornadas de 1830 e 1848 e deixou de acontecer pelo fato dos estados perceberem e reformularem as cidades para impedir esse tipo de organização. Essa é uma das causas pelas quais a Comuna de Paris ter falhado: Napoleão III depois dos acontecimentos de 1848 reorganizou as ruas de Paris para que fossem largas e dificultar a construção das barricadas que necessitavam de muito mais materiais e eram rapidamente destruídas pelos soldados que tinham condições de fazer suas formações ofensivas sem riscos de ataques pelos flancos (prédios).

Ainda no século XIX, mas principalmente no século XX, os trabalhadores se organizavam em grandes sindicatos e partidos de esquerda (algumas vezes até supranacionais) e com movimentos solidaristas os trabalhadores faziam amplas greves gerais que paralizavam as nações e ameaçavam os donos do capital.
A estruturação do Estado de Bem Estar Social foi uma espécie de vacina “natural” utilizada pelos países e a ultima grande greve parece ter acontecido no glorioso Maio de 1968.

Ao mesmo tempo, no século XX houve movimentos pacifistas que colocavam em xeque o poder militarista das nações ao não enfrentar os opressores com armas e sim com a simples desobediência civil – não trabalhavam ou não obedeciam às ordens de quem os subjugava. A Índia sob o comando de Gandhi é o maior exemplo de resistência pacífica, conseguindo a libertação do jugo britânico. Outro grande exemplo é a conquista dos direitos civis pelos afro-descendentes nos Estados Unidos sob o comando de Martin Luther King Jr.

Em outros momentos simplesmente eclodia rebeliões das mais variadas formas e espontâneas quando a tirania era grande e colocava em risco a própria sobrevivência das populações ou quando a exploração era demasiada. As Intifadas palestinas contra os opressores israelenses tanto no século XX como no XXI são exemplos.

No final do século XX e início do século XXI surgiu uma nova forma em que as manifestações passaram a ser realizadas. Essas são conhecidas vulgarmente como Black Blocs e conjugam em si algumas características do nosso tempo.

Em um primeiro plano percebemos que os jovens que aderem aos Black Blocs sempre utilizam os rostos tapados por capuzes, lenços ou camisetas. Sim, isso é algo lógico se pensarmos que estamos vivendo em um mundo onde câmeras estão em todos os lugares e é muito fácil a identificação dos cidadãos. Tendo em vista que o Estado tem uma premissa a autodefesa, certamente tentará identificar e enquadrar esses cidadãos nos rigores da lei.

Muitos críticos – inclusive parte daqueles que lutaram contra os militares durante o período ditatorial - dizem que quando se manifestavam estavam de peito aberto e rosto desnudo. E comparam isso como se essa nova geração fosse um bando de covardes.

Estranho, pois todos os guerrilheiros abandonavam sua vida civil e iam para a clandestinidade. Trocavam de nome, corte ou cor de cabelo, cidade, estado. Eram mecanismos para ocultar a própria identidade. Mesmo assim, o regime postava cartazes com os rostos dos cidadãos e muitos caíram presos por isso. Isso são formas diversas de ocultar a própria face e se livrar da repressão.

Outra característica é a violência descabida não apenas contra os símbolos do capitalismo como o patrimônio público e privado. Isso é um fato interessantíssimo se formos analisar sociologicamente. No passado - e vamos pegar no século XX - os trabalhadores brasileiros é que detinham uma grande organização. Havia um princípio teórico e prático de ação: a mobilização através de greves. Nos períodos ditatoriais (Estado Novo e Regime Militar) muitas vezes a resposta foi de grupos armados enfrentando o sistema, mesmo assim havia um inimigo a ser combatido e com formas e objetivos claros de intervenção.

Nos dias de hoje percebemos uma grande desestruturação de valores políticos, culturais e sociais. Isso é um reflexo da pós-modernidade que descentralizou completamente as lutas político-sociais. Diante de um quadro de levante popular sem uma organização central e com objetivos claros tende-se à violência descabida.

Há uma espontânea ação de destruição. Os objetivos são menos claros que dos antigos ludistas, que viam e centralizavam nas máquinas a sua rebeldia. Agora os Black Blocs são desprovidos de uma coordenação geral e se juntam espontaneamente através das redes sociais. Existem dos mais variados interesses políticos. Ou seja, ideologicamente é pulverizado. Não há um comando da esquerda, do centro ou da direita.

É por isso que os Black Blocs assustam tanto, pois é um movimento espontâneo que surge exatamente em um momento de completo afastamento da classe política do resto da Nação. Não segue os padrões conhecidos, não possui uma agenda definida e pode eclodir em qualquer momento sob qualquer bandeira, desde que consiga sensibilizar simpatizantes pelas redes sociais (que são incontroláveis). O Estado ainda não sabe como enfrentar essa “ameaça”.

Ou seja, os Black Blocs são a síntese da pós-modernidade dos dias atuais: inexistência de uma única causa, ora individualismo ora a irracionalidade de uma multidão, a busca pelo anonimato, um ódio contra a máquina do sistema, mas não se sabe bem o que é o sistema, pois as novas gerações estão cada vez menos politizadas.

Isso leva a grandes equívocos para a compreensão dentre nossos intelectuais, em sua grande maioria presos aos valores e conhecimentos do século XX. A direita vai enquadrá-los como criminosos (sim atacam os símbolos do capital e o patrimônio) e arruaceiros. A esquerda sem ter o controle sobre o movimento vai enquadrá-la como vândalos e analisá-los com o desdém de uma multidão despolitizada. E disso resulta que a direita os vêem como “anarquistas” e a esquerda como se fossem os “freikorps” que surgiram na Alemanha pré-nazista. Um verdadeiro erro de ambas as partes.

Como pode ser visto, os Black Blocs não são um simples bando de arruaceiros. Eles refletem a forma espontânea que ressurgiu a luta social nesse novo mundo pós-moderno do século XXI: o capitalismo triunfou de tal forma que as lutas sociais foram pulverizadas e ninguém mais vislumbra a exploração capitalista no âmago de todos os problemas sociais da humanidade.

Enquanto isso, dezoito milhões de pessoas morrem de fome todos os anos (e a cada seis anos mais de cem milhões). O capital gera mais exclusões e sofrimento às nações e comunidades como nunca antes visto na nossa História.

Se analisarmos friamente, os Black Blocs são apenas uma entre tantas contradições do sistema capitalista. Apesar de tudo, mesmo que possamos julgar suas ações de forma errônea, são os Black Blocs que estão nas ruas lutando por um país e um mundo melhor.

Para deter a ação dos Black Blocs não adiantará a repressão, pois para cada mascarado que seja desmascarado e preso, outros dez poderão ir para as ruas se forem sensibilizados pelas redes sociais. A melhor forma para lidar com eles é melhorando a sociedade ou criando (ou recriando) formas mais eficientes e politizadas de luta popular.



FONTE: NADA ALÉM DE VERDADES

96 anos da tomada do poder pelo Partido Bolchevique






Há exatamente 96 anos, no dia 07 de novembro de 1917 (pelo calendário gregoriano e 25 de outubro pelo juliano) o partido Bolchevique sob a direção do grande chefe Lenin tomava o poder de estado na Rússia. A história do século XX não pode ser compreendida sem se ter em conta a enorme influência da revolução socialista de Outubro de 1917 na luta dos trabalhadores e dos povos oprimidos de todo o mundo contra a exploração e opressão imperialistas. Falem o que quiserem falar os “historiadores” e “jornalistas” detratores da revolução a soldo do capital e todos os renegados “comunistas” e revisionistas do Leninismo arrependidos que, em nome de “lançar um novo olhar crítico” sobre os fatos, os deformam grotescamente, não há como ocultar que os principais acontecimentos que marcaram o último século estão de alguma maneira relacionados à perspectiva histórica da revolução socialista mundial que se abriu com a vitória bolchevique.

De forma inédita, ocorreu uma experiência genuinamente proletária de expropriação da propriedade privada que, em uma vasta extensão territorial, assumiu uma dimensão e duração infinitamente maior que a Comuna de Paris. Até então, a primeira tentativa de “assalto ao céu”, como afirmou Marx na época, e instauração de um governo proletário, durou apenas 72 dias. Por sua vez, os sovietes, os órgãos de democracia operária criados sobre a base de estruturas piramidais de conselhos populares nascidos em meio ao “ensaio geral” de 1905, apresentaram um formato bem mais aprimorado de Estado operário. E, o que assumiu uma importância decisiva: também pela primeira vez na história da humanidade, a classe operária, através de sua vanguarda de quadros comunistas forjados sob as experiências das revoluções de 1905 e de fevereiro de 1917, converteu-se em classe para si e organizou conscientemente a tomada do poder. Assim, por maior que sejam os esforços em contrário de todos os seus inimigos nestes 96 anos, as lições da primeira revolução proletária da etapa imperialista do capitalismo não podem ser esquecidas pelas novas gerações de revolucionários. Na academia, na mídia e nos partidos da esquerda revisionistas reina neste momento uma verdadeira cruzada antibolchevique por exterminar ou pelo menos demonizar todas as referências do grande triunfo proletário de 1917, para confundir os lutadores de hoje e impedi-los de organizar uma saída revolucionária diante das explosivas contradições da dominação imperialista. Não por acaso os charlatães do Marxismo tentam “vender” o conceito de uma suposta revolução como sendo levantes “democráticos” organizados pelo imperialismo contra “ditaduras” nacionalistas.

Se antes a socialdemocracia, o stalinismo e o “marxismo acadêmico” trataram, cada um a seu modo, de prostituir o legado de Outubro, após a restauração do capitalismo na URSS, a ampla frente dos antibolcheviques se sentiu mais à vontade para requentar antigas calúnias que anteriormente só pertenciam ao desacreditado entulho “literário” da direita reacionária. Um extenso e heterogêneo arco faz em comum à propaganda de que não tem mais sentido algum no século XXI a defesa do partido de vanguarda comunista da classe operária, da revolução violenta, da tomada de poder e da ditadura do proletariado. Esta crença contrarrevolucionária ganhou força e se alastrou amplamente após a queda do Muro de Berlim, a destruição dos Estados operários deformados do Leste europeu e da URSS que, além de re-implantar a propriedade privada nessa parte do planeta onde a burguesia já havia sido expropriada, permitiu ao capital intensificar a exploração e opressão sobre as massas trabalhadoras em todo o mundo. A extremada degeneração do modo de produção capitalista, com a crescente miséria das massas e a concentração da riqueza social nas mãos um punhado de megacorporações coloca, na ordem do dia, a necessidade da luta de classe do proletariado reencontrar sua estratégia socialista como única via para arrancar a humanidade da barbárie imperialista. Ainda que hoje as condições estejam bastante adversas aos trabalhadores, em essência a luta de classes continua a mesma luta do proletariado contra a exploração e o domínio de classe dos capitalistas. Portanto, o resgate do legado teórico e político de Lenin e do bolchevismo como parte das lições do processo revolucionário de Fevereiro a Outubro de 1917 é de fundamental importância. Nesse aspecto destaca-se o método leninista de análise da luta de classes e de construção do partido como instrumento de ação política para a transformação revolucionária da sociedade.

Os fatores históricos e sociais que fizeram possível a Revolução de Fevereiro de 1917, prólogo da Revolução de Outubro dirigida pelo Partido Bolchevique oito meses mais tarde, têm suas raízes fincadas nas profundas contradições da Rússia czarista, um típico país camponês que se incorporou à cadeia da economia capitalista mundial somente no final do século XIX, quando os países capitalistas mais desenvolvidos da Europa e da América do Norte já haviam ingressado na fase imperialista. O desenvolvimento capitalista da Rússia foi favorecido por investimentos de capitais originários da França, Inglaterra e Alemanha, que afluíram massivamente ao império dos czares entre 1880 e 1900, possibilitando uma rápida transformação na economia e na sociedade russa. Entretanto, o vigoroso desenvolvimento industrial que concentrou grandes fábricas nos principais centros urbanos, se fez de tal forma que as mais avançadas estruturas e técnicas do capitalismo coexistiam e completavam-se com o atraso econômico no campo, onde ainda imperavam relações semifeudais (a servidão feudal só foi abolida em 1861) e a concentração de terras nas mãos de um punhado de latifundiários. Dessa forma, manifestavam-se na Rússia todas as contradições características dos países capitalistas de desenvolvimento desigual e combinado. No início do século XX a Rússia possuía a maior população da Europa, 174 milhões de habitantes. Destes, cerca de 80% ainda viviam no campo. A maior parte das terras estava em mãos de uma minoria de 30.000 latifundiários, enquanto milhões de camponeses pobres viviam miseravelmente em pequenas propriedades e outros tantos não possuíam nenhuma terra, vendo-se obrigados a trabalhar como operários agrícolas nas terras dos latifundiários. Esta situação condenava os camponeses à pobreza, à miséria e à fome, conduzindo a revoltas periódicas que eram violentamente reprimidas pela autocracia czarista.

A dissolução das relações feudais no campo e o desenvolvimento da grande indústria lançaram uma parcela significativa dos camponeses nos centros urbanos, dando origem a um jovem e combativo proletariado fabril de aproximadamente 10 milhões de operários; um proletariado muito concentrado (as fábricas com mais de 1.000 operários empregavam 41,4% da classe operária russa) que, tendo rompido bruscamente com suas velhas relações sociais, estava aberto para as ideias revolucionárias mais avançadas. A opressão que a autocracia czarista exercia sobre uma multidão de povos e nações que constituíam o império russo era outro fator que alimentava as contradições da sociedade. As lutas de libertação nacional de polacos, finlandeses, ucranianos, letões, lituanos, muçulmanos, etc., que sofriam a opressão nacional nas mãos da casta dominante grã-russa, tiveram um papel muito importante no processo revolucionário russo e acertaram golpes mortais contra a monarquia czarista. O atraso econômico engendrava também o atraso político. Em 1917 a Rússia ainda era uma monarquia absolutista. O Estado czarista era um poder político semifeudal, organizado fora dos padrões burocráticos dos Estados burgueses modernos (recrutamento dos funcionários aberto a todas as classes sociais; ideologia do Estado como autoproclamado defensor do interesse geral de toda a população e situado acima dos interesses das classes e dos indivíduos; direito baseado na igualdade jurídica formal entre todos os cidadãos, etc.). Era, portanto, um Estado controlado quase que exclusivamente por burocratas provenientes ou ligados à aristocracia nobiliárquica e em que os principais cargos do aparelho estatal eram vedados aos membros da burguesia. Num mundo dominado por nações capitalistas, a permanência de um aparelho de Estado feudal sobre uma estrutura econômica já baseada em relações de produção capitalistas, era cada vez mais inviável. Todas as classes da sociedade burguesa se colocavam objetivamente em oposição ao regime czarista com sua burocracia estatal e a aristocracia feudal que lhe dava sustentação.

A existência da autocracia czarista obrigava a burguesia a colocar-se em oposição ao regime visando tomar em suas mãos a direção do Estado e da economia. Com esse objetivo já se organizara desde 1905 no partido democrata-constitucionalista, principal partido burguês de oposição ao czarismo, cuja sigla KDT o tornou mais conhecido como partido cadete. Todavia, na etapa histórica do capitalismo imperialista, a burguesia russa, como toda a classe burguesa de qualquer país de desenvolvimento capitalista tardio, já era politicamente incapaz de colocar-se à frente das massas para realizar mesmo as tarefas históricas clássicas das revoluções burguesas como o fim dos privilégios feudais, a extinção do latifúndio com a distribuição das terras entre os camponeses pobres e a abolição do absolutismo. Dessa forma, já na revolução de 1905 a burguesia, que inicialmente apoiou a mobilização das massas contra a autocracia czarista, pretendendo utilizá-las para forçar o regime czarista a promover mudanças que permitissem sua participação como força social majoritária na direção do Estado, logo se jogou nos braços da reação quando os operários, de armas nas mãos, levantaram suas próprias reivindicações (jornada de 8 horas, aumento dos salários e ocupações de fábricas).

De sua parte, a classe operária russa, antes mesmo de 1905, já dispunha de sua própria organização política, o POSDR, fundado em 1898. As divergências que dividiram os marxistas russos entre bolcheviques e mencheviques começaram no II congresso POSDR, em julho de 1903, em torno da definição do conceito de militante e do tipo de organização de que necessitava o movimento operário para lutar contra o czarismo e pela revolução. Lenin, à frente dos bolcheviques, definia como militante do partido “todo aquele que aceita seu programa e apoia o partido tanto materialmente como por meio da participação pessoal em uma de suas organizações”. A concepção leninista de partido propunha uma organização de combate, formada principalmente por revolucionários profissionais, forjada no centralismo democrático, na hierarquia e na disciplina consciente de seus membros; constituída por quadros preparados por uma longa aprendizagem. Uma organização que pudesse se apresentar com fisionomia própria diante das tendências pequeno-burguesas; preservar a vanguarda consciente da degeneração política e ideológica e preparar, com todos os detalhes da arte revolucionária, a vitória da revolução proletária. Em oposição aos leninistas, os mencheviques, liderados por Martov, consideram membro do partido “todo aquele que aceita seu programa, paga suas cotizações e coopera regularmente no trabalho do partido, sob a direção de uma de suas organizações”. O tipo de organização proposta pelos mencheviques baseava-se no princípio da “ampla democracia”, refletindo a influência das concepções pequeno-burguesas no movimento operário russo.

Para muitos antibolcheviques de hoje todo mal emana do “centralismo democrático” (alguns revisionistas contemporâneos até tentam escamotear sua aversão substituindo a expressão por democracia centralista), que até se justificaria para a luta clandestina contra o czarismo, mas seria completamente desnecessário e até nocivo nas sociedades “democráticas” atuais. De fato, o centralismo leninista não foi pensado, principalmente e antes de tudo, para as condições de clandestinidade sob a tirania czarista (que seguramente influíram na necessidade de centralização da organização leninista), mas por razões políticas fundamentadas no caráter centralizado da própria dominação do capital e seu Estado. Sem uma centralização, sem uma vontade única, o proletariado não poderá levar adiante a luta revolucionária, que exige vencer um Estado centralizado.

Tanto Engels em seu “Sobre a autoridade” quanto Lenin em seu “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” destacam a disciplina do proletariado como uma das condições para a vitória sobre a burguesia. Isto é reconhecido por qualquer trabalhador que tenha participado de uma greve. Acatar as decisões democraticamente tomadas majoritariamente por uma assembleia é uma das condições para ter êxito sobre a burguesia e não por acaso, o seu inverso, o desacato, a supressão da democracia operária e a não execução de suas deliberações tomadas nas assembleias proletárias é a política dos burocratas traidores que fazem o jogo do inimigo de classe. Muitos poderão reconhecer que a disciplina é justa quando praticada de baixo para cima, mas o partido bolchevique organizava-se de forma hierárquica de cima para baixo e aí estaria a causa da burocratização. De fato, as coisas se processam de forma diferente entre as organizações de massas (sindicatos, associações, etc.) e as organizações de vanguarda (de caráter partidário). Lenin queria construir com os setores mais avançados do proletariado o Estado maior da revolução social e, por isto, combatia a ideia anarquista de que o partido teria leis próprias independentes da luta de classes pelo poder e da influência da ideologia burguesa sobre as distintas classes sociais e sobre os próprios militantes. Até que o comunismo não dissolva as classes sociais, a lei principal que se manifesta sempre quando se luta pelo poder estatal, é a existência de dirigentes e dirigidos, daqueles que dão ordens e aqueles que a seguem, hierarquia que no partido é definida pelo grau de dedicação e abnegação à luta revolucionária do proletariado. Exatamente por isto, em um partido dinâmico, muitos dirigentes que têm sua militância debilitada por quebra ideológica ou erros políticos de direção são dialeticamente ultrapassados pelos que antes eram dirigidos. Todavia, querer vencer romanticamente esta divisão elementar entre vanguarda e retaguarda com ficções horizontalistas é pura demagogia ou utopia libertária. Significa subordinar a parte mais avançada a mais atrasada, arriscando o caráter revolucionário do partido.

Sobre o que consiste a autoridade dirigente e os riscos do burocratismo, Lenin argumenta: “Toda a arte de uma organização conspirativa consiste em saber utilizar tudo e todos, em ‘dar trabalho a todos e a cada um’, conservando ao mesmo tempo a direção de todo o movimento, e isto entenda-se, não pela força do poder, mas pela força da autoridade, por energia, maior experiência, amplidão de cultura, habilidade. Esta observação está relacionada com uma contestação possível e comum: a de que uma centralização rigorosa possa destruir um trabalho com excessiva facilidade, se casualmente no centro se encontre uma pessoa incapaz, possuidora de imenso poder. É claro que isso é possível, mas o remédio contra isso não pode ser o princípio eleitoral e a descentralização, absolutamente inadmissíveis e inclusive nocivas ao trabalho revolucionário sob a autocracia. O remédio contra isso não se encontra em nenhum estatuto. Somente podem nos fornecer parâmetros ‘críticas fraternas’ começando com resoluções de todos os grupos e subgrupos, seguidas de conclamações ao Órgão Central e Comitê Central e terminando, ‘na pior das hipóteses’, com a destituição da direção completamente incapaz. O comitê deve esforçar-se para realizar a mais completa divisão de trabalho possível, lembrando-se que para os vários aspectos do trabalho revolucionário são necessárias diferentes capacidades. Algumas vezes, pessoas completamente incapazes como organizadoras podem ser excelentes agitadoras, ou outras incapazes para uma severíssima disciplina conspirativa, ser excelentes propagandistas, etc. (Carta a um Camarada, setembro de 1902).

As divergências entre bolcheviques e mencheviques aprofundaram-se a partir de 1905 em torno da definição do caráter da revolução russa e do papel das classes sociais no processo revolucionário. Enquanto os mencheviques defendiam que caberia à burguesia a direção política da sociedade após a derrota do czarismo, os bolcheviques sustentavam que o novo governo revolucionário só podia ser produto de uma aliança do proletariado com o campesinato. A experiência revolucionária de 1905 despertou para a vida política até os setores mais atrasados das massas, como o numeroso campesinato que, pouco propenso a constituir organizações políticas estáveis devido à dispersão imposta pelas suas próprias condições sociais de existência, encontrou um canal de expressão no partido da pequena-burguesia urbana, o partido socialista-revolucionário. A situação revolucionária de 1905, após a derrota na guerra com o Japão (1904-1905), foi um claro sinal, por um lado, da incapacidade do Estado russo manter uma posição de potência internacional e, por outro, de que a Rússia era o Estado europeu mais vulnerável às lutas populares e onde estas estavam mais avançadas da época. A repressão sangrenta do movimento revolucionário de 1905 permitiu salvaguardar o poder de Estado nas mãos do Czar por mais 12 anos. Mas provocou a perda de um dos pilares fundamentais de sustentação do Estado, ou seja, a capacidade de controle ideológico e a sua legitimidade como poder político perante as massas exploradas. Desde o Domingo Sangrento, o Czar perdeu sua feição sagrada diante das massas que passaram a vê-lo como um inimigo de classe. Entre 1905 e 1917, o Estado czarista se manteve fundamentalmente sobre o aparelho repressivo que tornava o czarismo cada vez mais objeto do ódio popular. Dessa forma, quando eclodiu a primeira grande guerra, abrindo uma nova crise e acendendo o estopim para que a revolução fizesse saltar pelos ares todo o corroído edifício do Estado absolutista, preparando as condições para a revolução proletária mundial independente da vontade dos blocos imperialistas que impulsionaram a guerra, a revolução russa já conhecera, nas palavras de Lenin, o seu “ensaio geral” em 1905.

A 1ª Guerra Mundial que começou em agosto de 1914, como consequência da disputa entre as principais potências imperialistas por mercados e por uma nova partilha do mundo colonial, promovendo a maior carnificina humana jamais conhecida até então, embotou temporariamente a consciência dos trabalhadores com o nacionalismo e o patriotismo belicista. Uma onda chauvinista atingiu todas as camadas da sociedade russa, inclusive a classe operária, que se viu afetada pela mobilização de milhões de operários e camponeses para as tropas da frente de batalha, desarticulando temporariamente o movimento operário. A vanguarda revolucionária e os dirigentes do partido bolchevique se viram isolados das massas durante todo um período. Mas, apesar do isolamento, se mantiveram firmes na defesa da derrota de ambos os blocos imperialistas em conflito e pela transformação da guerra imperialista em guerra civil do proletariado contra as burguesias de seus países, em defesa da revolução proletária mundial como única saída para a humanidade diante dos horrores da guerra imperialista. A destruição de forças produtivas se fez particularmente insuportável sobre os países mais atrasados. Na Rússia, a indústria de guerra devorava todos os recursos agravando a situação de miséria das massas trabalhadoras. Aproximadamente 50% de toda a produção e cerca de 75% da produção têxtil foram destinados a suprir as necessidades do exército. Ao final de 1916, as tropas russas já estavam exauridas pela fome. A guerra já custara ao país 1 milhão e 700 mil mortos, destruíra 25% da indústria e 9% da agricultura. As derrotas na frente de combate, o baixo nível de provisões, a desorganização dos transportes e os abusos dos oficiais acabaram por abater completamente o moral dos soldados russos. As deserções adquiriram proporções massivas. A escassez, a miséria, a fome e o aumento vertiginoso dos preços faziam insuportável a situação dos operários e camponeses em todo o país, minando a febre patriótica que contaminou a sociedade no início da guerra. A responsabilidade por toda essa catástrofe recai sobre o Czar e a casta dirigente do Estado. A crise social passou a se refletir no círculo dirigente do Estado, através de intrigas palacianas que culminaram com o assassinato de Rasputin, o sacerdote charlatão que era conselheiro e “guia espiritual” do czar e da czarina, interferindo diretamente nas decisões de governo e que resumia em sua pessoa toda a podridão e corrupção da autocracia czarista. A Revolução Bolchevique foi uma consequência direta da primeira grande crise imperialista que teve sua expressão maior e mais trágica na I Guerra Mundial. Apesar de não ser um marxista, o rigoroso historiador Edward Hallet Carr reconhece que “A Revolução constituiu o primeiro desafio claro ao sistema capitalista, que alcançou seu ponto culminante na Europa no final do século XIX. Sua aparição durante a I Guerra Mundial, e em parte como consequência desta, foi mais que uma coincidência. A guerra descarregou um golpe mortal na ordem capitalista internacional, tal como existia antes de 1914, e revelou sua instabilidade inerente. A revolução pode ser considerada, ao mesmo tempo, como uma consequência e uma causa do declínio do capitalismo” (Edward H. Carr, A Revolução Russa de Lenin a Stalin, 1917-1929, Rio de Janeiro, Zahar, 1980).

A guerra mundial agravou a crise do Estado absolutista e gerou uma conjuntura extremamente favorável para a derrubada do Czar Nicolau II. Em apenas cinco dias, de 23 a 28 de fevereiro, segundo o calendário russo (8 a 13 de março pelo calendário ocidental), a insurreição proletária pôs abaixo a secular monarquia imperial russa. Mas em seu lugar surgiu um governo de latifundiários capitalistas e da burguesia liberal (outubristas e democratas-constitucionalistas), o Governo Provisório burguês de Lvov, Gutchkov e Miliukov, que nasceu da Revolução de Fevereiro como consequência das limitações da luta espontânea das massas. Lvov era um latifundiário e deputado da extrema direita. Miliukov era líder do principal partido burguês, conhecido como Partido dos Democratas Constitucionalistas ou KDT (Kadete). Gutchkov dirigia os Outubristas, que absolutamente nada tinham a ver com a revolução de outubro de 1917, eram assim chamados porque foram criados em apoio ao Manifesto promulgado pelo Czar em Outubro de 1905. Lenin, que se encontrava na Suíça quando explodiu a Revolução, analisou criteriosamente os acontecimentos através de uma série de artigos conhecidos como “Cartas de Longe”, em que escreveu ao CC do partido bolchevique em Petrogrado: “Todo o curso dos acontecimentos da revolução de Fevereiro-Março mostra claramente que as embaixadas inglesa e francesa, com os seus agentes e ‘ligações’, que há muito faziam os mais desesperados esforços para impedir acordos ‘separados’ e uma paz separada entre Nicolau II... e Guilherme II, organizaram diretamente a conspiração, em conjunto com os outubristas e democratas-constitucionalistas, em conjunto com uma parte do generalato e do corpo de oficiais do exército e em especial da guarnição de Petrogrado, para depor Nicolau Romanov”. Analisando de um ponto de vista marxista a correlação das forças sociais na revolução Lenin afirmava: “Se a revolução venceu tão rapidamente e – aparentemente, ao primeiro olhar artificial – de um modo tão radical, é apenas porque, por força de uma situação histórica extremamente original, se fundiram, e fundiram-se com uma notável ‘harmonia’, correntes absolutamente diferentes, interesses de classe absolutamente heterogêneos, tendências políticas e sociais absolutamente opostas. A saber: a conspiração dos imperialistas anglo-franceses que impeliram Miliukov, Gutchkov e Cia a tomarem o poder, no interesse do prosseguimento da guerra imperialista... E, por outro lado, um profundo movimento proletário e popular de massas (de toda a população da cidade e do campo), com caráter revolucionário, pelo pão, pela paz, pela verdadeira liberdade” (Cartas de Longe, 7 a 26 de março de 1917). Nos primeiros dias de março se organizaram sovietes em todas as fábricas, bairros, localidades e regiões. Os mencheviques e socialistas-revolucionários elegeram a imensa maioria nos sovietes. Em essência, a influência dos mencheviques e socialistas-revolucionários refletia o peso social da pequena-burguesia russa, sobretudo das massas camponesas recém-despertadas para a vida política e que se encontravam concentradas aos milhões como soldados do exército. O Partido Bolchevique que na época contava com cerca de 40 mil militantes, embora tenha estado na linha de frente da insurreição, estava longe de ser a força política com maior influência de massas. Mesmo em Junho de 1917 os bolcheviques ainda detinham apenas cerca de 10% dos delegados ao I Congresso de Sovietes de Deputados Operários e Soldados de Toda a Rússia (apenas 105 do total de 1090 de delegados eram bolcheviques).

Na noite de 27 de fevereiro, ocorreu a primeira reunião do Soviete de Petrogrado, que criou o Comitê Executivo Central composto em sua maioria por mencheviques e socialistas-revolucionários. O Soviete se declarou órgão dos deputados operários e soldados e era de fato quem detinha o poder político, colocando as tropas sob seu comando e determinando que as ordens do Comitê da Duma (a Duma era uma espécie de Câmara de Deputados que foi criada pelo czarismo pressionado pela revolução de 1905) só seriam cumpridas se não se chocassem com as do Soviete. Porém, dois dias depois, os membros mencheviques e socialistas revolucionários do Comitê Executivo do Soviete concluíram um pacto com a Duma, avalizando a formação de um Governo Provisório composto por partidos monarquistas e burgueses, presidido por Lvov. Contrariando uma resolução do Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado, adotada na tarde do dia 1º de março, que decidira não indicar representantes para compor o governo burguês, a direção do soviete apresenta o nome de Alexandre Kerensky, um parlamentar de um partido pequeno-burguês conhecido como Trudovique que havia sido eleito em 1912 para a Duma para compor este primeiro governo provisório como Ministro da Justiça. Os Trudoviques nasceram, em 1907, de uma ruptura da ala direita do Partido Socialista Revolucionário (SR). Os SRs compunham um partido radical pequeno burguês, camponês, herdeiro dos Narodniks que empregavam métodos de terrorismo individual contra o czarismo. Outro “socialista” indicado ao primeiro ministério provisório foi o menchevique N. S. Tchkheidze. Dessa maneira, mais uma vez na história, os trabalhadores que espontaneamente realizaram a revolução de fevereiro entregaram voluntariamente o poder à burguesia. Assim, a Revolução de Fevereiro desembocou na constituição de um governo burguês fortemente apoiado nas organizações de massa, os sovietes, através de suas direções conciliadoras.

Após a queda do Czarismo, a situação peculiar na Rússia consistia em que, sob a política dos mencheviques e socialistas-revolucionários, a Revolução de 27 de Fevereiro havia dado o poder à burguesia. Faltava ainda ao proletariado o grau de consciência e organização necessárias para tomar todo o poder em suas próprias mãos, passando por cima de suas direções reformistas tradicionais. Forjar-se como o instrumento que vai possibilitar aos trabalhadores preencher esta carência política é a grande contribuição à história da luta de classes que os bolcheviques viriam a dar. Não antes sem uma ferrenha luta interna promovida por Lenin contra a posição dos dirigentes locais do partido, Stalin, Kamenev, Olminsk, Kalinin e Muranov de apoio crítico ao Governo Provisório, de fazer-lhes exigências políticas por pão, paz e terra, mantendo inclusive conversações para a reunificação com os mencheviques. A partir de suas “Cartas de Longe”, como vimos, Lenin defendeu que a política correta dos bolcheviques deveria ser denunciar os líderes mencheviques e socialistas-revolucionários como conciliadores e bajuladores da burguesia. Em um segundo documento intitulado “Sobre as tarefas do proletariado na presente revolução” que ficou conhecido como “Teses de Abril”, Lenin combate a linha colaboracionista dos dirigentes bolcheviques locais: “Nenhum apoio ao Governo Provisório. Explicar a completa falsidade de suas promessas, sobretudo sobre a da renúncia das anexações. Desmascarar este governo, que é um governo de capitalistas, invés de propagar a inadmissível e ilusória ‘ exigência’ de que deixe de ser imperialista” (7 de abril de 1917). Nas “Teses” Lenin defende a realização imediata de um Congresso do Partido para modificar seu programa mínimo, o qual considera antiquado; a reformular as posições sobre o imperialismo, a guerra imperialista e, sobre o Estado, apontando que a República soviética seria a versão mais acabada de um Estado que tem como exemplo a Comuna de Paris. Ele reivindica também a substituição do nome do Partido de “Social democratas (bolchevique)” para Comunista. Para dobrar os setores conciliacionistas da direção bolchevique em favor da ruptura revolucionária com o governo provisório, Lenin teve que recorrer às bases do partido, que aprovaram toda a linha política das Teses de Abril. Como parte desse combate, conseguiu aproximar do Partido Bolchevique, a organização Inter-bairros de Petrogrado. Este grupo, vinculado a Trotsky, havia tomado postura a favor do poder soviético, mas a política implementada por Kamenev e Stalin no partido, o tinha dissuadido, uma vez que desde a Revolução de 1905 defendia que somente a revolução proletária na Rússia poderia realizar as tarefas democráticas burguesas e iniciar as tarefas de construção do socialismo. Depois de um longo périplo desde o Canadá à Escandinávia, Trotsky regressou à Rússia em 5 de maio. De imediato se integra na organização Inter-bairros, onde militam vários mencheviques internacionalistas, Yureniev e Karajan, antigos bolcheviques e, no geral, os militantes que se viram vinculados a ele há vários anos: Ioffe, Manuilsky, Uritsky, da redação do Pravda (A verdade) e Pokrovsky, Riazánov e Lunacharsky do Nashe Slovo (Nossa Palavra). O partido bolchevique de 1917, o partido comunista cuja constituição defendia Lenin em abril, em torno dos “melhores elementos do bolchevismo”, nasceu da confluência, no seio da corrente bolchevique, das pequenas correntes revolucionarias independentes que integram tanto a organização Inter-bairros como as numerosas organizações socialdemocratas internacionalistas que, até então, haviam ficado à margem do partido de Lenin.

Lenin definiu como característica peculiar da Rússia após a Revolução de Fevereiro, a dualidade de poderes entre o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado. “Esta dualidade de poderes manifesta-se na existência de dois governos: o governo principal, autêntico e efetivo da burguesia, o governo provisório de Lvov e companhia, que tem em suas mãos todos os órgãos do poder, e um governo suplementar, secundário, de controle, personificado pelo Soviete de deputados operários e soldados de Petrogrado, que não tem nas suas mãos os órgãos do poder de Estado, mas se apoia diretamente na indubitável maioria absoluta do povo, nos operários armados e soldados” (Teses de Abril). Os sovietes de operários, que apareceram pela primeira vez durante a Revolução de 1905, ressurgiram em Fevereiro de 1917 como forma de organização operária de base, com um grau elevado de espontaneidade, onde o proletariado russo se organizava autonomamente por zona residencial e/ou por fábrica. Assim, ocorria uma unificação do poder econômico e político em uma nova instituição social, onde os operários elegiam os seus delegados diretamente. Estes poderiam ter seus mandatos revogáveis a qualquer momento e expressavam a vontade das assembleias e plenárias operárias de base. Os sovietes representavam um poder de classe paralelo ao poder político oficial do governo da burguesia e dos partidos conciliadores (mencheviques e socialistas-revolucionários). Obviamente estes dois poderes não poderiam coexistir indefinidamente. A dualidade de poderes era característica de uma situação revolucionária que não se definira, revelando um impasse na luta de classes. Um dos poderes teria que suprimir o outro. Visto que sob essa dualidade de poderes a burguesia não tinha forças para reprimir e desarmar os operários e soldados revolucionários, a Rússia era então o país mais democrático dentre as nações beligerantes. Nessas circunstâncias, segundo Lenin, a tarefa central dos bolcheviques era realizar um paciente trabalho de crítica e esclarecimento dos erros dos partidos pequeno-burgueses, socialista-revolucionário e menchevique; de preparação e coesão dos elementos genuinamente proletários, comunistas; de libertação do proletariado da embriaguez pequeno-burguesa generalizada. Apontando que as contradições da dualidade de poder têm que ser resolvidas em favor do poder proletário, Lenin defende neste momento a consigna de “Todo o poder aos Sovietes” como instrumento de mobilização e conscientização das massas.

A primeira crise do Governo Provisório ocorreu em abril (maio) de 1917. No dia 20 de abril (3 de maio), o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Miliukov (KDT), confirmou a decisão do governo provisório de respeitar todos os tratados concluídos pelo governo do czar Nicolau II, ou seja, manter a Rússia na guerra de rapina imperialista. No dia seguinte o operariado de Petrogrado realiza uma manifestação de protesto que mobilizou cerca de 100 mil operários e soldados, provocando a renúncia de Miliukov. Para sanar a crise, o Comitê Executivo Central dos Sovietes vota por conformar um segundo governo provisório de coalizão composto por 10 ministros burgueses e cinco ministros mencheviques e socialistas-revolucionários indicados pelo Soviete de Petrogrado, entre eles Skobelev, Tchernov e Tsereteli. Kerensky assumia o Ministério da Guerra e da Marinha. Forma-se o segundo Governo Provisório, do qual, somente o partido bolchevique fica de fora. Este tipo de governo de colaboração de classes, preventivamente contrarrevolucionário, vem a ser anos depois propagandeado como exemplo pelos PCs stalinizados mundo afora com o nome de frente popular. O novo governo em nada correspondia aos anseios revolucionários das massas: O país continuava na guerra de pilhagem imperialista, o desemprego e a fome ameaçavam a classe operária e os camponeses pobres continuavam sem terra.

Em resposta a essa situação, o Partido Bolchevique convocou uma manifestação para o dia 10 de Junho, ocasião da abertura do I Congresso Pan-Russo dos Sovietes. O Comitê Executivo Central dos Sovietes e o Governo Provisório proibiram manifestações de rua durante três dias. Não querendo opor-se à decisão do Congresso soviético, os bolcheviques cancelaram a manifestação. Porém, no dia 12 a direção socialista-revolucionária e menchevique do Congresso dos Sovietes aprovou uma resolução para realizar uma manifestação para o dia 18 de Junho, com o claro objetivo de ganhar as massas para o lado do governo provisório e angariar apoio para a continuidade da guerra imperialista. Entretanto, no dia da manifestação (18) cerca de 500 mil operários e soldados de Petrogrado desfilaram ao som das palavras de ordem do Partido Bolchevique contra a guerra imperialista, fora os 10 ministros capitalistas e por todo o poder aos sovietes. O crescimento da influência de massas do Partido Bolchevique era evidente. Desde a Revolução de Fevereiro os operários, soldados e camponeses haviam dado todo seu apoio ao Comitê Executivo dos Sovietes, ou seja, aos mencheviques e socialistas-revolucionários. As massas estavam dispostas a defendê-los com todas as suas forças, incluindo as armas. Mas o estado de espírito revolucionário das massas não admitia traição e covardia. Haviam tomado o poder em Fevereiro e o confiaram ao Comitê Executivo dos Sovietes que, por sua vez, devolveu o poder aos piores inimigos da revolução, refugiando-se covardemente atrás do Governo Provisório dos latifundiários e da burguesia. Os partidos conciliadores dos Sovietes se negavam a tomar as terras dos latifundiários, os bancos dos burgueses e pôr fim à guerra imperialista.

Os bolcheviques eram contra a insurreição armada neste momento, pois acreditavam que a crise ainda não estava madura, que o exército e as províncias não estavam preparados para apoiar a insurreição em Petrogrado que ficaria isolada. Lenin chega a comentar no dia 3 de julho “Se não nos fuzilam agora é porque são uns imbecis!”. Mas, mesmo neste descompasso com o interior do país era difícil conter o estado de radicalização do proletariado em Petrogrado. O CC bolchevique juntamente com a direção regional de Petrogrado tomam a decisão de participar da manifestação para dar-lhe um caráter pacífico e organizado. A paciência das massas foi se esgotando até explodir nas radicalizadas manifestações espontâneas que constituíram as “Jornadas de Julho”, quando 500 mil operários e soldados armados exigiram que o Soviete de Petrogrado tomasse todo o poder em suas mãos. O Governo resolveu reprimir a manifestação pacífica. Após as Jornadas de Julho, o Governo Provisório desencadeou uma feroz perseguição aos bolcheviques. Sua imprensa foi proibida. O operário bolchevique, Ivan Voinov, foi assassinado no dia 06 daquele mês quando distribuía a publicação Listok Pravda (Folha da Verdade) pelo aparato repressivo ligado aos kadetes. A direita aproveita o refluxo, aproveitando a ofensiva alemã no front e lança uma campanha de calúnias acusando os bolcheviques de “agentes do Kaiser” e Lenin de vendido. Trotsky foi preso e é ordenada a prisão de Lenin que não se apresenta e foge para a Finlândia. No dia 12 (25) de julho foi restabelecida a pena de morte para os soldados que não obedecessem a seus oficiais. Houve fuzilamento de soldados na frente de combate e desarmamento dos operários. A perseguição foi um duro golpe contra a situação de dualidade de poderes. A partir de então, para Lenin, já não tinha sentido acreditar na evolução pacífica da revolução em direção a um governo soviético. “A palavra de ordem de ‘Todo o poder aos sovietes’ era a palavra de ordem de desenvolvimento pacífico da revolução, que de 27 de fevereiro até 4 de julho foi possível e, como é natural, o mais desejável de todos, porém hoje já é absolutamente impossível. (...) O equilíbrio estável do poder cessou, o poder passou, no lugar decisivo, para as mãos da contrarrevolução. (...) Nestas condições, a palavra de ordem de passagem do poder aos sovietes pareceria uma quixotada ou uma fraude. Manter esta palavra de ordem equivaleria, objetivamente, a enganar o povo” (A propósito das consignas, meados de julho de 1917). A incapacidade do governo provisório de colocar um ponto final no clima de instabilidade social levou à saída dos ministros do partido democrata-constitucionalista (Kadete) do governo. Forma-se então o terceiro governo provisório e Kerensky assume a condição de primeiro ministro.

Em agosto de 1917 ocorreu a tentativa de golpe comandada pelo General Kornilov, que expressava os objetivos contrarrevolucionários da burguesia e dos latifundiários feudais de esmagar o proletariado revolucionário e campesinato russos. Kerensky sempre foi conivente com a preparação do golpe fascista de Kornilov, mas quando percebeu que também não seria poupado foi obrigado a aceitar o rearmamento do proletariado para derrotar a tentativa golpista. No dia 25 de agosto (7 de setembro) Kornilov enviou o Batalhão da 3ª Cavalaria contra Petrogrado. Sob a orientação direta de Leon Trotsky, foi organizada a Guarda Vermelha que ergueu as barricadas e preparou a defesa da cidade. O avanço das tropas foi interrompido e seu moral arrasado pelos agitadores bolcheviques, imprimindo uma rápida derrota a kornilovada. O Partido Bolchevique saiu desse episódio como o grande responsável pela vitória dos operários e soldados de Petrogrado. O fracasso da tentativa golpista significou uma derrota da burguesia e da aristocracia russas e isolamento completo do governo de Kerensky. A essa altura, só lhe restava resistir como pudesse e ganhar tempo até que os alemães entrassem na Rússia e desbaratassem as forças bolcheviques e os sovietes de operários, soldados e camponeses. A cidade de Riga, atual capital da Letônia, foi entregue ao governo alemão e Petrogrado estava em vias disso, segundo se tomou conhecimento mais tarde através da publicação dos tratados secretos estabelecidos entre Kerensky e o governo alemão. A vitória da Insurreição de Outubro impediu uma carnificina sobre a classe operária.

Como consequência da vitória sobre as forças de Kornilov, o Partido Bolchevique obteve uma rápida ascensão junto das massas. O prestígio e a influência dos bolcheviques se manifestaram na vitória esmagadora que obtiveram nas eleições para os sovietes de Moscou e Petrogrado, as duas maiores cidades do país. Em 9 de setembro (22), Trotsky foi eleito Presidente do Soviete de Petrogrado. Após a derrota do golpe direitista de Kornilov operou-se um importante giro à esquerda entre os camponeses, que protagonizaram ocupações e expropriações de terras e insurreições regionais que tiveram um grande efeito obre as tropas compostas basicamente por camponeses. A frente desse processo colocaram-se novos dirigentes operários organizados no Comitê de Defesa da Revolução, que se encarregou de armar os trabalhadores. A maioria era bolchevique. Lenin lança uma nova carta ao CC do partido no dia 15 (28) de setembro intitulada “Os bolcheviques devem tomar o poder”. A proposta vence ainda que por uma pequena minoria. Seis votos a favor, quatro contra e seis abstenções. Perdendo peso nos sovietes para os bolcheviques, os partidos conciliadores governistas tentaram criar um contrapeso parlamentarista burguês com a Conferência Democrática convocada pelo Comitê Executivo Central dos Sovietes para 14 a 22 de setembro (27 de setembro a 25 de outubro) de 1917 em Petrogrado. Dela participaram 1.500 delegados. Mencheviques e SRs fizeram o possível para reduzir o número de delegados operários e garantir uma maioria burguesa e pequeno-burguesa. Esta manobra continuou mesmo depois da revolução com a chantagem da Assembleia Constituinte que se realizou em 5 (18) de janeiro de 1918. Esta Constituinte composta ainda por uma maioria contrarrevolucionária recusou-se a reconhecer o poder soviético. Foi dissolvida por decreto do Comitê Executivo Central Soviético em 6 (19) de janeiro de 1918.

A intervenção dos Sovietes na vida política crescia cada vez mais. A desorganização e a sabotagem da economia obrigava os sovietes a manter sob seu controle a distribuição dos alimentos, a eletricidade, o transporte, tanto para as cidades como para a frente. Colocava-se a questão de saber quem deveria dirigir a economia: o governo de Kerensky, que era a sombra da burguesia e não tinha nenhum interesse em enfrentar-se com ela, ou os Soviets, cuja tarefa deveria levar adiante as primeiras medidas para a transformação socialista da sociedade. Lenin pressionava e insistia que não se podia deixar passar o tempo. Em 29 de setembro de 1917, Lenin escreve uma carta ao Comitê Central do Partido Bolchevique que vacilava, exigindo a organização imediata da tomada do poder. Sem meios termos declarava: “A crise está madura”. Explica novamente porque a consigna de “Todo poder ao Soviete!”, não mais atendia às necessidades imediatas da luta de classes, mesmo quando os bolcheviques já dominavam a maioria dos Sovietes. Era necessário organizar militarmente o assalto ao poder burguês. A partir daquele momento Lenin considera que esperar seria um crime contra a revolução mundial. Crime com o qual ele não compartilhava e apresentava seu pedido de demissão do CC, reservando-se ao direito de fazer propaganda nas bases do partido. A situação mais favorável para a insurreição era o momento em que a correlação de forças favorecia aos bolcheviques e esse momento havia chegado. Se o partido deixasse passar o momento, se hesitava, poderia levar as massas ao descontentamento, à desconfiança e à decepção e com isso à derrota da revolução. Os bolcheviques haviam dado passos muito importantes na organização e na ampliação de sua influência sobre as massas. Desde que se opuseram ao envio de 1/3 da guarnição de Petrogrado para frente de combate como queria Kerensky, se criou o Comitê Militar Revolucionário – CMR (em 16 de outubro), órgão legal da insurreição, presidido por Trotsky. A tática do Governo Provisório era retirar da capital os regimentos mais revolucionários e, portanto, mais perigosos, que estavam alinhados com os bolcheviques. Através do CMR foram nomeados comissários bolcheviques em todas as unidades e instituições militares, estabelecendo vias de comunicação entre os soldados e os operários. Assim ia se consolidando os elementos de um poder proletário. Com o apoio dos soldados, o CMR realizou o armamento sistemático dos trabalhadores, reforçando a Guarda Vermelha. Destacamentos de operários, soldados e marinheiros armados se preparavam estrategicamente em posições chaves da cidade. Os capitalistas viam como a corrente da história seguia adiante sem que pudessem fazer nada. No final de setembro, o Soviete de Petrogrado exigiu do Comitê Executivo dos Sovietes a convocação do II Congresso dos Sovietes. O Congresso conseguiria unificar o papel e a ação de todas as forças para defender-se da contrarrevolução, para discutir a organização do poder revolucionário e a derrubada do governo Kerensky. Os bolcheviques pediram a sua convocação para a primeira semana de outubro e ameaçaram fazer sua própria convocação do Congresso caso este não fosse convocado pelo Comitê Executivo, que diante dessa situação se viu obrigado a convocar o Congresso dos Sovietes para 20 de outubro. Porém, os conciliadores do Comitê Executivo sabiam que o Congresso não deixaria passar em branco a questão do poder. Cientes do perigo procuram adiar a data. Em resposta, os bolcheviques começaram uma ampla campanha de agitação em torno da necessidade de convocação do Congresso, conseguindo o apoio dos sovietes locais, onde apenas tinham influência, passando a ter maioria. Sob a consigna bolchevique de “todo o poder aos sovietes”, os sovietes de toda a Rússia passaram a exigir a imediata convocação do Congresso. Quando os mencheviques e socialistas revolucionários do Comitê Executivo viram que não podiam mais continuar sabotando a realização do Congresso, finalmente decidiram convocá-lo para o dia 25 de outubro.

No dia 10 de outubro foi realizada a primeira reunião do CC bolchevique com a presença de Lenin que voltou da clandestinidade na Finlândia. Ele aprofundou pessoalmente a linha de defesa de suas cartas escritas na clandestinidade assumida desde julho, pela tomada imediata de medidas políticas e militares para organizar a insurreição. Nas semanas que sucederam o golpe de Kornilov e a conquista da maioria dos Sovietes o CC havia evoluído à esquerda. Resultado: dez contra dois em favor do assalto ao poder. As dúvidas e vacilações sobre a possibilidade de triunfo da classe revolucionária levaram Kamenev e Zinoviev, dois importantes membros do Comitê Central, a votarem contra a insurreição. Argumentaram que o partido estava subestimando as forças inimigas; que o governo dispunha de destacamentos de choque, dos cossacos, do Estado Maior, dos cinco mil junkers e de artilharia que iam massacrar o povo e derrotar a revolução. Negavam, inclusive, que havia um estado de espírito combativo entre as massas. Aludiam que com as forças atuais a tática correta seria exigir do Governo a convocação definitiva da Assembleia Constituinte e que, na medida em que a influência dos bolchevique havia crescido no último período se conseguiria obter 1/3 dos mandatos da Assembleia. Isso significava relegar ao partido leninista o papel de opositor dentro do regime democrático burguês. Kamenev e Zinoviev subestimavam o apoio real das massas aos bolcheviques, sustentando a necessidade de um “poder estatal combinado” entre a Assembleia Constituinte e os Sovietes. Demonstrando falta de confiança na força real da classe operária dos camponeses, Zinoviev e Kamenev desprezaram os princípios elementares do Partido Bolchevique e tornaram públicas suas divergências, expondo as intenções do partido ao inimigo de classe, uma criminosa quebra do centralismo. Essa atitude de Zinoviev e Kamenev levou Lenin a defender a expulsão do partido dos dois dirigentes. Sua posição, entretanto, não foi aprovada pelo Comitê Central. A maioria do partido estava de acordo com a tomada do poder. Nesse momento, como já havia ocorrido em abril, o apoio às posições de Lenin provinha das tradições de classe dos operários bolcheviques que garantiram a manutenção da linha correta. Este episódio da Revolução de Outubro demonstrou a importância do fator subjetivo, ou seja, do partido leninista e a necessária democracia interna que o caracterizava. Tanto nos debates de abril como nos de outubro, as discussões foram totalmente amplas, sem nenhum tipo de restrições na hora de expor as divergências. Graças ao debate democrático nas instâncias do Partido Bolchevique conseguiu a preparação necessária para dirigir a insurreição de outubro.

Ante o temor de que o Congresso dos Sovietes fugisse de seu controle, em 24 de outubro o Governo decidiu dissolver o CMR e fechar a imprensa bolchevique. O cruzador Aurora, cuja tripulação era majoritariamente bolchevique recebe a ordem de levantar âncoras e posicionar-se em frente ao Palácio de Inverno. O CMR, sob a liderança de Trotsky, organizou a defesa da imprensa bolchevique e chamou os ferroviários e soldados a paralisarem as tropas contrarrevolucionárias que haviam sido chamadas para Petrogrado. O governo Kerensky achava-se impotente. O CMR trabalhou durante todo o dia e toda a noite (24/25 de outubro), ocupando pontes, estações, edifícios, etc., transferindo para o controle do Soviete de Petrogrado os principais órgãos de poder. O Instituto Smolny, sede do Soviete de Petrogrado e do Partido Bolchevique, estava fortificado. Vinte e quatro horas depois, os últimos representantes do Governo Provisório renderam-se no Palácio de Inverno. Kerensky já havia fugido para o exterior. No dia 24 de outubro, um dia antes do II Congresso Pan-Russo dos Sovietes, Kerensky ordena desesperado a repressão contra o soviete de Petrogrado e aos bolcheviques, fornecendo ele próprio o motivo para a ação armada preventiva bolchevique: a defesa do II Congresso soviético. Mais tarde, Trotsky relata que segundo suas estimativas apenas 30 mil homens participaram da luta. O II Congresso, do qual participam 390 bolcheviques de um total de 673 delegados, avaliza a insurreição e o novo Governo dos Comissários do Povo presidido por Lenin. O CMR entrega o poder ao Soviete, dando início à construção do primeiro Estado operário do século XX. Refletindo o internacionalismo da Revolução de Outubro, a primeira resolução do Congresso dos Sovietes foi um chamado a todos os povos em guerra para lutar por uma paz verdadeiramente democrática. A conduta dos bolcheviques neste momento crucial para a vitória da revolução demonstrou com absoluta clareza a necessidade vital da construção de um partido comunista de vanguarda, demolindo o fetichismo da “auto-organização” da classe operária independente de uma direção revolucionária, como bem caracterizou Trotsky em seu “Lições de Outubro”: “Não pode triunfar a revolução proletária sem partido, a parte do partido ou por um substituto do partido”.

Um evento desta magnitude histórica para a luta de classes não poderia deixar de despertar acaloradas polêmicas desde os distintos matizes de esquerda até os ataques raivosos dos contrarrevolucionários repetidos até a exaustão nos dias de hoje. Em resumo: 1) O que ocorreu não foi uma revolução, mas um golpe de Estado ilegítimo arquitetado pela astúcia perversa de Lenin. Como vimos, Lenin e os bolcheviques acreditavam a princípio na possibilidade dos sovietes assumirem gradativamente o poder a partir do desgaste crescente dos governos provisórios burgueses, o que não foi possível graças à repressão desesperada e crescente patrocinada pelo regime moribundo burguês que recorreu ao golpe de Estado fascista de Kornilov e a medidas militares para trucidar os bolcheviques, impedindo sua ascensão através da luta política pacífica. A própria burguesia ensinou aos bolcheviques que esta via não era possível, como todas as experiências posteriores de governos de frente populares (França, Espanha, Indonésia, Chile, Nicarágua...), nacional populistas de esquerda (Jango) e bonapartistas sui generis como veremos em breve no desenlace da experiência com os bolivarianos atuais, nos comprovam que não há via pacífica para o socialismo. A tomada do poder em outubro de 1917 foi um golpe de Estado na medida em que será qualquer assalto ao poder executado por fora da institucionalidade ou legalidade burguesa existente. O que se distingue dos golpes militares burgueses é o fato destes serem executados por dentro do próprio aparato repressivo estatal. Neste sentido, só pode haver revolução através de um golpe de Estado, executado por organismos armados da população através do emprego da ação direta. Todavia, ninguém pode esperar que uma insurreição armada espontânea triunfe sobre um aparato repressivo profissional de milhares de homens por mais debilitado que esteja o governo burguês e por mais favorável que seja a situação revolucionária. A insurreição armada é uma forma especial de luta política que possui suas próprias leis, como expressou Marx, “a insurreição armada é, como a guerra uma arte”. Estava claro que a conspiração militar para o assalto ao poder instigada por Lenin nada tinha a ver com o blanquismo. Naquele momento, seu partido estava profundamente enraizado no proletariado, contava com as simpatias da maioria do povo, suas palavras de ordem (todo poder aos sovietes, terra para os camponeses, paz imediata) tinham a mais ampla popularidade e ele havia conquistado a maioria dos órgãos de luta revolucionária, os sovietes. 2) A ditadura do proletariado não foi mais do que uma fachada para instaurar de fato uma ditadura do partido único sobre o proletariado. Lenin insistiu até o final em manter a coalizão com o partido socialista-revolucionário de esquerda, uma vez que ao participar do governo provisório capitalista os mencheviques e os SRs foram os primeiros a organizar a resistência contrarrevolucionária à revolução. Todavia, após a tomada do poder, foi-lhes permitido seguir organizados. Os mencheviques chegaram a realizar uma Conferência de cinco dias em Moscou, em outubro de 1918. Impor-se como partido único nos sovietes não foi um desejo bolchevique, mas uma imposição da guerra civil, responsável direta pelo fim do pluripartidarismo soviético. Antes de tomar decisões mais drásticas, o governo bolchevique sofreu muitos ataques. No dia 20 de julho de 1918, o popular orador bolchevique Volodarsky, foi assassinado por um SR. Em 17 de agosto do mesmo ano, Moisei Uritsky, que ingressou formalmente no CC bolchevique junto com Trotsky e foi posteriormente nomeado a dirigente da recém-fundada polícia política soviética, a Cheka, foi assassinado por um militar Kadete. No dia 30 do mesmo mês, era a vez do próprio Lenin ser alvejado com duas balas disparadas pela SR de esquerda, Fanny Kaplan. Foi a gota d´água que transbordou para acabar com qualquer vacilação sobre a necessidade de recorrer ao Terror Vermelho. Crimes como estes contra a jovem república soviética selaram o fim de todos os compromissos e a colaboração dos bolcheviques com os grupos aos quais os bolcheviques tentaram aliar-se para governar o país. A acusação de “ditadura sobre o proletariado” é o argumento mais popular sobre o caráter não proletário do Estado soviético, referindo-se ao estrangulamento da liberdade das organizações proletárias e na onipresença da burocracia. Trotsky refutou estes argumentos lançados pelos que diante da ascensão da burocracia stalinista deram à revolução por terminada e passaram a caracterizar a URSS como “capitalismo de estado”, “coletivismo burocrático” ou algo pior: “é realmente possível identificar a ditadura de um aparato, que conduziu à ditadura de uma só pessoa, com a ditadura do proletariado como classe? (...) Esse raciocínio atraente não está construído sobre uma análise materialista do processo, tal como se desenvolve na realidade, e sim, sobre esquemas puramente idealistas, sobre normas kantianas. Alguns nobres ‘amigos’ da revolução formaram uma ideia muito brilhante da ditadura do proletariado e ficam completamente transtornados com o fato de que a ditadura real, com a sua herança da barbárie de classe, com as suas contradições internas, com os erros e crimes da direção, não se parece em nada à bela imagem que fizeram. Destruídas as suas mais formosas ilusões, dão as costas à União Soviética. (...) Antecipando-se a nossos próximos argumentos, nossos adversários se apressarão a replicar: mesmo que a burguesia, como minoria exploradora, possa manter sua hegemonia também através de uma ditadura fascista, o proletariado não pode construir a sociedade socialista sem administrar seu próprio governo, atraindo massas populares cada vez mais amplas para cumprir diretamente esta tarefa. Em seu caráter geral este argumento é indiscutível, mas, neste caso específico, significa apenas que a atual ditadura soviética é uma ditadura doente. As terríveis dificuldades da construção socialista num país isolado e atrasado, unidas à falsa política da direção — que, em última instância, também reflete a pressão do atraso e do isolamento —, levaram a burocracia a expropriar politicamente o proletariado para proteger suas conquistas sociais com seus próprios métodos. As relações econômicas da sociedade determinam sua anatomia. Enquanto as formas de propriedade criadas pela Revolução de Outubro não forem liquidadas, o proletariado continuará sendo a classe dominante” (A natureza de classe do Estado soviético, ‘A ditadura sobre o proletariado’, 01 de outubro de 1933). 3) Partindo das próprias premissas anteriores, o “Terror vermelho” teria instaurado uma tirania sanguinária desnecessária que reprimiu os próprios trabalhadores, um exemplo disto foi à repressão aos marinheiros sublevados da base naval de Kronstad. No inverno de 1920-21, o Estado operário estava arruinado depois de sete anos de guerra imperialista e de guerra civil. Após a revolução bolchevique que retirou o país da guerra imperialista, os Exércitos de 14 países capitalistas invadiram o país para afogar em sangue o nascente poder soviético, perigoso pelo exemplo que poderia dar aos povos do mundo todo. Muito dinheiro e armamento foram despejados na construção de um enorme Exército branco dirigido por antigos comandantes militares czaristas como Denikin, Kolchak, Wrangel, etc. que massacraram perversamente comunistas, judeus, operários e camponeses que não colaborassem com a cruzada restauracionista. No verão de 1918, o próprio Kerensky, que não tinha qualquer simpatia com o Exército Vermelho dos bolcheviques que o haviam apeado do poder declarou aos jornalistas estrangeiros: “Não existe crime que os brancos do almirante Kolchak não tenham cometido. Execuções e torturas foram cometidas na Sibéria, populações de aldeias inteiras foram massacradas, inclusive professores e intelectuais” (Dimitri Volkigonov, Lê vrai Lenine, Robert Laffont, 1995). Mesmo depois da vitória bolchevique, os brancos continuaram mobilizados nas fronteias do país destroçado. O imperialismo impôs um mortificante bloqueio a URSS. No campo, se multiplicava a fome, a peste e em algumas aldeias chegou a haver canibalismo. Os bolcheviques tiveram que improvisar medidas emergenciais para enfrentar tantas calamidades, o que chamaram de “comunismo de guerra”, cujo eixo era a expropriação de víveres dos camponeses para alimentar as cidades e o Exército Vermelho, criando assim um explosivo ressentimento camponês. Na Ucrânia, se insurgiu um considerável exército camponês, organizado em torno do aventureiro anarquista Nestor Macno. Na base destes movimentos pequeno-burgueses não eram os princípios abstratos libertários contra o Estado soviético, mas o desejo de liberar-se dos grandes capitalistas e latifundiários sem no entanto submeter-se as necessidades da ditadura do proletariado. Em março de 1921, a guarnição da fortaleza da ilha báltica de Kronstadt, porta de entrada para Petrogrado, se rebelou contra o governo bolchevique. A rebelião durou duas semanas até que os bolcheviques reconquistaram sob o custo de muitas baixas a estratégica base naval. Este episódio dramático vem sendo utilizado desde então não apenas pelos anarquistas, mas por todos os que querem identificar o governo bolchevique como uma ditadura contra as massas. A vanguarda dos marinheiros que havia participado da linha de frente da revolução bolchevique havia assumido importantes funções tanto no Exército Vermelho quanto no Estado operário no que foram substituídos por estratos mais atrasados de camponeses, suscetíveis as pressões de suas famílias contra a requisição de víveres do “comunismo de guerra”. Após solicitar a rendição da base militar e tentar negociar um acordo, os bolcheviques foram obrigados a tomar à força a ilha que se transformara em baluarte dos exércitos brancos derrotados. A “rebelião” que reivindicava Sovietes livres, ou seja, sem bolcheviques, imediatamente foi apoiada publicamente pela contrarrevolução no exílio. De Paris, Miliukov, dirigente dos Kadetes estampou em seu jornal “Abaixo os bolcheviques! Vivam os sovietes!” (Poslednie Novosti, 11/03/1921). Em 10 de janeiro de 1994, o então presidente restauracionista russo Boris Yeltsin, herdeiro dos interesses do Exército Branco, fez sua homenagem a revolta de Kronsdat. Ironicamente, dentre os documentos recém-abertos dos arquivos russos e publicados sob o nome de “Kronshtadtskaia tragediia 1921 goda” (A tragédia de Kronstadt de 1921, documentos em dois volumes, Enciclopédia política Russa, 1999), comprovam que a “rebelião” foi de fato uma conspiração branca e imperialista do princípio ao fim e foi articulada por velhos generais czaristas como A. N. Kozlovsky. Mais ainda foi comprovada a ligação do dirigente da rebelião, o marinheiro Stepan Petrichenko, com os brancos. Após a derrota dos amotinados Petrichenko foge para a Finlândia onde se reúne com as tropas brancas do carniceiro general czarista Manherheim. 4) Como resultado, também dos preconceitos anteriormente citados, generalizou-se outro criado pelo dirigente oportunista Kautsky de que o stalinismo foi uma consequência natural do bolchevismo. Uma grande farsa para encobrir a própria traição socialdemocrata da revolução na Europa que tratou de identificar toda medida de força do partido de Lenin contra o regime democrático-burguês em favor da ditadura proletária como uma anomalia autoritária. Bolchevismo e Stalinismo não apenas possuem um conteúdo de classe distinto, mas inclusive na forma estão contrapostos. O stalinismo só conseguiu se estabilizar no poder depois de uma sanguinária luta que foi concluída com o aniquilamento do partido de Lenin. Segundo Trotsky, responsável por continuar a batalha de Lenin contra a burocracia stalinista até seu assassinato por um agente da GPU no México em 1940: “Evidentemente o stalinismo ‘surgiu’ do bolchevismo, mas não surgiu de uma maneira lógica, mas sim dialética, não como sua afirmação revolucionária, mas como sua negação termidoriana” (Bolchevismo e Stalinismo, 29 de agosto de 1937).

A tragédia do stalinismo vem sendo usada por quase um século pelos ideólogos da burguesia e da pequena-burguesia para incutir nos lutadores sociais preconceitos anticomunistas que os impeçam de abstrair os ensinamentos valiosíssimos, mais necessários para a emancipação dos explorados do que o ar que respiram, das riquíssimas lições do assalto aos céus legadas pela revolução bolchevique. Todavia, a burocratização stalinista da URSS (ou de qualquer outro estado operário), qualquer que tenham sido a forma que assumiu em seus ziguezagues à esquerda ou à direita, desde a coletivização forçada, do chamado “terceiro período”, passando pelos Processos de Moscou, pelas frentes populares e pela política de convivência pacífica do pós-guerra, não é mais do que uma expressão política do refluxo da luta de classes em Estado operário isolado, quando, sob pressão do imperialismo as camadas dirigentes do aparato estatal, debilitam as forças da revolução e conduzem objetivamente o país de volta a restauração capitalista. Desgraçadamente, as diversas oportunidades em que a classe operária se lançou na luta pelo poder ao longo do século XX, desde a Alemanha já em 1918-1919, foram derrotadas pelas traições da social-democracia e posteriormente pelo stalinismo, por faltar ao proletariado uma direção revolucionária organizada num partido de tipo leninista. A Revolução de Outubro demonstrou que a luta espontânea do proletariado pode gerar até os embriões de um futuro Estado operário, como as milícias armadas e sovietes. Mas a classe do proletariado só pode exercer o seu poder através do partido revolucionário de tipo leninista. Essa é a principal lição da Revolução de Outubro que o proletariado de todo o mundo ainda precisa por em prática. A não concretização da revolução mundial isolou o Estado operário nascido da Revolução de Outubro, possibilitando sua posterior degeneração burocrática sob a direção do stalinismo. Mas apesar das deformações burocráticas da URSS, as condições de vida material e o progresso social proporcionado pela expropriação da burguesia e a supressão da exploração capitalista durante mais de sete décadas, são um claro sinal de que o socialismo é a única alternativa histórica para pôr fim às guerras, ao desemprego, ao latifúndio, à fome e todas as mazelas geradas ou mantidas pelo capitalismo.

A etapa histórica de reação política e ideológica aberta a partir da queda do Muro de Berlim e da destruição contrarrevolucionária da URSS, em 1991, possibilitou ao imperialismo uma brutal ofensiva sobre as massas exploradas em todo o mundo. Seus porta-vozes proclamaram a vitória definitiva da “economia de mercado” e da democracia dos ricos e a “morte do comunismo”. Mas as crises econômicas, derrotas militares perante a resistência armadas dos povos oprimidos, como no Líbano, o fiasco da “guerra ao terror” e a crise imobiliária que teve com epicentro os próprios EUA, puseram um fim à euforia imperialista. A expressão simbólica disto foi quando Francis Fukuyama teve que morder a língua. Fukuyama é um ideólogo do imperialismo que fez fama logo após a restauração do capitalismo na URSS com a expressão “O fim da história”, proclamando a vitória irrevogável do capitalismo sobre o comunismo. Menos de uma década depois, em uma entrevista para The New York Times, Fukuyama confessou que foi convencido pelos crashies financeiros que ameaçam a arrastar o planeta para uma depressão global que “poderia estar realmente equivocado nos argumentos que expus no “Fim da História”. A necessidade de derrotar o imperialismo faz da Revolução Bolchevique, mais do que nunca, uma referência para a luta dos trabalhadores de todos os países. Portanto, a tarefa que se coloca para os revolucionários de hoje, é resgatar o legado político e teórico de Lenin e Trotsky, para potenciar a vitória da revolução mundial imprimindo uma derrota definitiva ao imperialismo para abrir o caminho ao futuro socialista da humanidade. Passados 96 anos do grande triunfo histórico Bolchevique, podemos afirmar que as novas gerações para vencer devem superar a fraude teórica do revisionismo, que maculou a bandeira da revolução socialista a empunhando com os “levantes populares” reacionários, organizados pelo imperialismo contra os estados operários e os governos nacionalistas burgueses.



FONTE: DIARIO DA LIBERDADE