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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Abertura do processo de impeachment de Collor completa 20 anos


Há 20 anos uma votação no Plenário da Câmara fez história. O voto do então deputado Paulo Romano (PFL-MG) completou os 336 votos necessários para abrir o processo que resultou no impeachment do então presidente da República, Fernando Collor de Mello.
A votação, pela abertura do processo de crime de responsabilidade, somou 441 votos a favor, 38 contra, 1 abstenção e 23 ausências.
O voto de Paulo Romano foi proferido às 18h50 do dia 29 de setembro de 1992. O Plenário cantou o Hino Nacional. "Pela ética, mas em nome desta Casa e do povo brasileiro, saibamos ser coerentes. Meu voto pela dignidade, por aquilo que Minas Gerais representa, é sim. Viva o Brasil!"
Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente da República escolhido pelo povo em eleição direta após a ditadura militar. Ex-deputado federal e ex-governador de Alagoas, Collor venceu outros 24 candidatos nas eleições de 1989. Disputou o segundo turno com Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, seu mandato teve curta duração: 2 anos e 7 meses.
O processo político do impeachment estendeu-se por sete meses, de 1º de junho (data de instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito no Congresso) a 29 de dezembro de 1992 (data em que Collor renunciou ao mandato).
CPMI no Congresso
A CPMI foi instalada no Congresso Nacional para apurar fatos contidos nas denúncias feitas por Pedro Collor à revista Veja. O irmão do então presidente questionou a legalidade das atividades do tesoureiro da campanha de Collor, Paulo César Farias. Segundo Pedro Collor, PC Farias era "testa de ferro" do então presidente.

A Câmara dos Deputados, por sua vez, criou uma comissão especial para dar parecer sobre a denúncia por crime de responsabilidade oferecida pelos então presidentes da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère.
As denúncias não tinham sido comprovadas, até que surge a figura de Eriberto França, motorista da secretária de Collor, Ana Acioli. O motorista dá ao Congresso pistas do esquema de extorsão comandado por PC Farias e uma série de contas fantasmas aparece em bancos de todo o País. Entre os beneficiários do esquema estariam a ex-mulher do presidente Rosane Collor e a mãe dele.
Após as denúncias, a CPI mista aprovou o relatório em que acusa o então presidente de receber dinheiro do esquema PC. Collor reage e, na televisão, pede ao povo que se vista com as cores verde e amarelo, para demonstrar apoio a seu mandato. "Não me deixem só, eu preciso de vocês."
Caras-pintadas
Em 16 de agosto de 1992, no entanto, a população tomou as ruas vestida de preto. Os chamados "caras-pintadas" gritavam palavras de ordem do movimento Fora Collor.


No Senado, o impeachment foi aprovado em 30 de dezembro, por 76 votos a 3. No dia anterior, o presidente renunciou ao cargo, mas não escapou do processo. O vice, Itamar Franco, tomou posse em definitivo e Collor teve seus direitos políticos cassados até o ano de 2000.Depois de a Câmara aprovar a abertura do processo, em 29 de setembro de 1992, Collor se afastou do Planalto.
Em 1994, Fernando Collor obteve uma vitória jurídica: foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por falta de provas. Em 2006, foi eleito senador pelo PRT de Alagoas. Assim que tomou posse no Senado, em 1º de fevereiro de 2007, migrou para o PTB.
O senador Fernando Collor foi procurado pela reportagem, mas não foi localizado. Segundo a assessoria, ele está incomunicável no interior de Alagoas.
FONTE: AGÊNCIA CÂMARA de NOTICIAS

O impeachment passo a passo

Maria Fernanda Ziegler | 01/12/2007 00h00
O Brasil passou por uma tremenda reviravolta na entrada da década de 90. Após quase três décadas, finalmente um presidente civil seria escolhido pelo povo. Mas, em apenas três anos, o que parecia inacreditável aconteceu: o país que se mobilizou pela eleição de um candidato retirou-o do comando, sem qualquer alteração nas regras do jogo democrático.
17/12/1989

A vitória
Candidato do Partido da Renovação Nacional (PRN), Fernando Collor de Mello é eleito no segundo turno. A campanha destacava a juventude do “caçador de marajás”.
15/3/1990
Mau começo
O presidente tinha como meta eliminar a inflação de 80% ao mês. Reduziu ministérios, demitiu servidores públicos e anunciou o Plano Collor: o bloqueio, por 18 meses, das contas correntes e poupanças que excedessem 50 mil cruzeiros (o equivalente a quase 7 mil reais).
1990
Em baixa
No início, o plano foi bem-sucedido. Em dezembro, a inflação atingiu índice próximo dos 20%, mas a queda das vendas no comércio gerou desemprego. A aceitação do governo despencou 50% em relação à do período eleitoral. As medidas também não agradaram os parlamentares.
1991
Denúncias
A inflação acumulada passava de 400%. Enquanto isso, denúncias de compras superfaturadas na Liga Brasileira de Assistência (LBA), entidade presidida pela primeira dama Rosane Collor, estampavam os jornais.
27/5/1992
Barraco de irmãos
Em entrevista à revista Veja, Pedro Collor, irmão mais novo do presidente, acusa o tesoureiro da campanha, PC Farias, de usar a amizade com Collor para enriquecer. Ele entregou um dossiê e apontou operações ilegais que envolviam o irmão e o tesoureiro.
1º/6/1992
o congresso ataca
A Câmara dos Deputados instala uma CPI para apurar as denúncias de Pedro Collor. A Comissão apurou a existência de ligações das atividades ilegais do empresário com o governo federal. Organizações da sociedade civil e partidos da oposição lançaram o Manifesto Democrático contra a Impunidade.
16/8/1992
Nas ruas
Milhares de estudantes usam preto e fazem passeatas em dez capitais. Eles são chamados de caras-pintadas e a sociedade passa a exigir o impeachment de Collor.
29/9/1992
Na câmara
A CPI conclui que o presidente sabia da corrupção e do esquema de lavagem de dinheiro de PC. A Câmara aprovou o impeachment por 441 votos a 38. Collor, condenado por crime de responsabilidade, é afastado e, em 2 de outubro, o vice Itamar Franco assume interinamente a Presidência.
29/12/1992
No senado
Collor renuncia minutos antes de ser condenado pelo Senado. Mesmo assim, seus direitos políticos são suspensos por oito anos. Horas depois, ele reúne a imprensa para justificar que a renúncia foi em defesa das instituições democráticas, que estariam sendo ameaçadas pelas elites contrárias à modernização do país.
FONTE: Aventuras na História

Jornal Nacional histórico do dia 29/12/92, que teve como destaques
o impeachment do presidente Collor e a morte da atriz Daniela Perez.



Segunda Parte da edição especial e histórica do JN, após a votação do Impeachment de Fernando Collor pela Câmara dos Deputados.

Continuação da entrevista do presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) ao repórter Heraldo Pereira.

Em seguida, a reportagem especial da votação dentro da Câmara dos Deputados com a repórter Delis Ortiz.

Depois, a motivação dos oposicionistas pela aprovação do Impeachment. Falam: Lula, então presidente do PT, Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e Roseana Sarney (PFL-MA), Deputados Federais.

A seguir, a movimentação na capital federal com os repórteres Alexandre Garcia, Pedro Bial e Renato Machado, no Palácio do Planalto. Heraldo Pereira, no salão negro do congresso entrevistou o então presidente do PMDB, Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo




Repercussão internacional, o dia no planalto


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Conheça a história das comunidades judaicas negras da África


Há quase 30 anos, uma operação do governo israelense deu início à retirada de judeus da Etiópia. Muitos africanos são judeus – e exames de DNA confirmam isso


Em 21 de novembro de 1984, uma operação massiva de transporte humano começava na Etiópia. Envolvendo 28 aviões, mercenários, a CIA e o governo do Sudão, Israel conduzia uma tentativa de retirar todos os judeus da Etiópia.

Os chamados beta israel são também conhecidos por falashas – termo do idioma etíope ghiz que significa estrangeiro. Pertencem a uma das comunidades de judeus negros espalhadas pelo continente africano. Há também os lembas em Zimbábue e na África do Sul, os igbos, na Nigéria, e os ybir ou yeber, na Somália, além de outras tribos em Moçambique, Camarões, Costa do Marfim, Gana e Quênia. Eles já eram conhecidos dos judeus europeus desde o século 19, quando missionários britânicos que viajavam pela Etiópia encontraram as primeiras tribos. Em 1947, foram oficialmente reconhecidos pelos rabinos-chefes de Israel, antes mesmo de o país ganhar sua independência. “Muitos nunca haviam saído de seus vilarejos e se espantaram ao ver um judeu branco”, diz Cecília Ben David, professora de cultura judaica da Casa de Cultura de Israel, em São Paulo.

A Etiópia foi um dos países onde a Guerra Fria foi travada com napalm. Desde 1974, estava em guerra civil, envolvendo o governo revolucionário contra dissidentes e separatistas da Eritreia. Na Operação Moisés (como ficou conhecida, em homenagem ao profeta bíblico), cerca de 8 mil judeus etíopes foram para Israel através do Sudão. No ano seguinte, a Operação Josué retirou mais mil – número pequeno se comparado à Operação Salomão, que levou mais de 14 mil emigrantes para a capital israelense, Tel-Aviv, em 1991, incluindo um Boeing 747 carregando 1 088 pessoas, mais que o dobro de sua capacidade. De 1980 a 1992, cerca de 45 mil judeus etíopes migraram para Israel, que em 2010 já contava com quase 120 mil residentes. Apenas 8 mil deles continua na Etiópia.

A origem dos judeus negros não está clara e se mistura com a mitologia bíblica. A família real etíope, deposta pelos revolucionários em 1974, dizia-se descendente de Makeda, a rainha de Sabá, com o rei Salomão, de Israel (que na Bíblia aparecem conduzindo relações meramente diplomáticas). Os nobres etíopes se converteram ao cristianismo no século 4 d.C., enquanto os beta israel se diziam remanescentes dessa relação entre realezas.

Se a origem de algumas tribos é mitológica, a de outras têm comprovação científica. É o caso dos lembas, que tiveram sua origem semita comprovada por DNA numa pesquisa de 2010, liderada por Tudor Parfitt, professor de estudos judaicos modernos da Universidade de Londres, na Inglaterra, e autor do livro As Tribos Perdidas de Israel – A História de um Mito. Segundo o pesquisador, são descendentes dos cohanim, uma família de sacerdotes judeus da tribo israelita de Levi. Pelos estudos, o ancestral comum de ambas as tribos viveu entre 2 600 e 3 100 anos atrás.

“Eles alegavam ser de uma das tribos perdidas de Israel e traziam um objeto sagrado, semelhante a uma arca, que seus sacerdotes guardavam zelosamente. Com a ajuda de uma equipe de Oxford, constatei que o objeto era de 1350”, afirmou Parfitt em entrevista publicada no site da SOAS (sigla em inglês para School of Oriental and African Studies ou Escola de Estudos Orientais e Africanos, da mesma universidade para a qual trabalha).

A arca se referia a um barco do clã buba, que também compartilha dos mesmos ancestrais dos cohanim. Outra pesquisa feita por Parfitt concluiu que grande parte das comunidades judaicas ao redor do mundo vêm do Levante, isto é, do atual território de Israel e vizinhanças. A única exceção são os etíopes, que não teriam raízes israelitas. “Sua forma de judaísmo foi uma das que se desenvolveram no país. Ou seja, os judeus não foram para a Etiópia em tempos antigos, mas o judaísmo sim”, disse.

Nos Estados Unidos há judeus negros que migraram na 2ª Guerra. Não há registros de tribos no Brasil, mas eles provavelmente foram trazidos para cá durante a escravidão. “Tantos cristãos-novos (judeus convertidos) de Portugal foram parar em alto mar após as perseguições da Inquisição que é provável que muitos tenham chegado aqui, assim como em Guiné, Congo e Angola, onde era menor o alcance inquisitorial”, diz Glasman.

Saiba mais

Livro - The Lost Tribes of Israel - The History of a Myth, Tudor Parfitt, 2003, Phoenix
FONTE: AVENTURAS DA HISTÓRIA /  Lidiane Aires 
LEIA TAMBÉM: A luta dos judeus negros 

Grupo de judeus negros celebra Paz


Jesuítas: em nome do Pai

Os jesuítas se tornaram poderosíssimos dentro e fora da Igreja: aconselharam reis, educaram a nobreza e controlaram os índios. No esforço de catequese, tanto valia construir colégios quanto usar a força


A situação é assustadora. Um europeu baixinho, com seus 30 anos, está detido em uma aldeia em Iperoig (atual Ubatuba, no litoral norte de São Paulo), cercado de índios tamoios por todos os lados. O ano é 1563 e o padre José de Anchieta aguarda há meses sua libertação, desde que se ofereceu como refém, enquanto outro jesuíta, Manuel da Nóbrega, partia para São Vicente com dupla missão: negociar o fim de um dos maiores levantes indígenas contra os portugueses no Brasil e salvar o amigo. A revolta ficou conhecida como Confederação dos Tamoios, aliança de tamoios com tupinambás, liderada pelo lendário guerreiro Cunhambebe. Reuniu 2 mil índios para matar e expulsar do litoral os estrangeiros, que teriam trazido trabalhos forçados e doenças para suas terras. Após cinc0 meses de discussões, Nóbrega conseguiu fechar o primeiro tratado de paz das Américas, chamado de "A Paz de Iperoig". 

O padre Manuel da Nóbrega comandou os primeiros jesuítas a chegarem ao Brasil. Desembarcaram na Bahia, em 1549, na expedição de Tomé de Souza, enviado para ser o governador-geral da colônia. Passados 460 anos, deve-se hoje aos jesuítas a abertura dos primeiros colégios no Brasil (o primeiro deles em Salvador), a valorização do hábito do estudo e grande parte do registro conhecido da cultura indígena. Sem falar na contribuição literária do padre Antônio Vieira (1608-1697), com seus sermões, obra obrigatória do Barroco nacional. Por outro lado, os jesuítas não foram só professores e poetas, mas soldados, empresários e políticos. Defenderam os interesses da coroa e da Igreja, pilotaram empreendimentos comerciais e usaram a mão-de-obra indígena para apoiar a economia de Portugal. 

Anchieta chegou em 1553, na terceira excursão destinada a converter ao catolicismo os povos das novas terras. Era um jovem idealista, de 19 anos, e recebeu de Nóbrega a incumbência de aprender a língua dos índios. No ano seguinte, em 1554, rezou "numa paupérrima e estreitíssima casinha", como descreveu em carta, a missa de fundação de um colégio na vila de Piratininga, origem da cidade de São Paulo. Estava ao lado do cacique guaianá Tibiriçá, maior aliado nativo dos jesuítas, que mandou transferir as ocas e a gente de sua tribo para o entorno do colégio, a fim de garantir sua proteção. Em 1562, veio de fato um grande ataque indígena à vila. O cacique hasteou a bandeira colorida dos guaianazes, amarrada a um pedaço de pau, e, ao lado dos jesuítas, lutou e derrotou os índios tupis e carijós. 

Essa capacidade de interagir com os habitantes das colônias se revelou um grande trunfo político para os jesuítas. No Brasil, traduziu-se, por exemplo, na capacidade de recrutar e administrar trabalhadores em meio à população nativa. Em aliança com a coroa, os padres chegaram a ter, sob sua influência, cerca de 80 mil índios aldeados, no século 17. 

A posição da Companhia de Jesus no que se refere à escravidão ainda hoje gera polêmica. A ordem era contra a exploração dos índios pelos colonos e bandeirantes, pois argumentava que os nativos tinham alma e podiam ser convertidos à fé católica. De acordo com Jonathan Wright, autor de Os Jesuítas: Missões, Mitos e Histórias, para defender as populações indígenas da escravidão, os jesuítas discursavam contra a prática durante os sermões e eram capazes até de armar as tribos. 

O professor de Literatura da Universidade de São Paulo João Adolfo Hansen, em Antonio Vieira – Cartas do Brasil, afirma que o padre escreveu várias cartas a autoridades coloniais, entre 1682 e 1697, opondo-se à escravização de "aldeados" e legitimando a dos índios “de corda”. Ou seja, daqueles cativos de tribos inimigas que aguardavam para ser comidos. Mas os padres, na opinião do professor de História da USP Carlos Alberto Zeron, devem ser analisados como homens de seu tempo, que consideravam aceitável a escravidão de não-católicos. "Eles não foram contra a escravidão, inclusive usaram e abusaram dela." Segundo ele, índios serviram de mão-de-obra para abrir estradas, como carregadores ou na defesa militar de conquistas. 

POETA E CARRASCO 

Pragmáticos, os integrantes da ordem justificavam o uso da força em nome de suas convicções. Anchieta criou o célebre Poema à Virgem, riscado originalmente nas areias de Iperoig, enquanto sofria a angústia da espera, refém dos tamoios. Mas esse poeta também escreveu, em seus textos doutrinários, que nada convence melhor que a espada e a vara de ferro. Ele é acusado por algumas fontes de ter ajudado, com as próprias mãos, no enforcamento de um prisioneiro condenado à morte por heresia pelo governador-geral Mem de Sá, em 1567. O episódio, embora contestado pela Igreja, emperra seu processo de canonização, desde que o padre foi beatificado pelo Vaticano, em 1990. 

Teria ocorrido na época em que estavam sendo expulsos do Brasil os últimos franceses derrotados na tentativa de fundar uma colônia na Guanabara, a França Antártica. O réu executado seria um pastor huguenote deixado para trás, Jacques le Balleur. “No momento da execução, revelandose inábil o carrasco, foi auxiliado pelo padre José de Anchieta, que julgara haver convertido o calvinista e temia que a demora da execução o fizesse voltar atrás”, diz o artigo “A França Antártica e a Confissão de Fé da Guanabara”, do historiador Alderi de Souza Matos, publicado no site do Instituto Presbiteriano Mackenzie. Mas, para o padre jesuíta Hélio Abranches Viotti, na obra Anchieta, o Apóstolo do Brasil, o incidente se baseia em textos apócrifos e não procede. 

Os jesuítas lutaram contra os franceses, no litoral do Rio, arregimentando reforços tupiniquins e guaianazes. Articularam alianças e rezaram missas para levantar o moral das tropas indígenas aliadas. O enfrentamento com as forças do aventureiro Nicolas Durand de Villegagnon (apoiadas por tamoios e tupinambás) demorou 11 anos: de 1555 a 1567. Para fortalecer a presença portuguesa na Guanabara, Anchieta foi enviado de novo para o front. Nóbrega mandou que ajudasse Estácio de Sá, sobrinho do governador-geral, com quem fundaria, então, a cidade do Rio de Janeiro, em 1565. 

SURGIMENTO 

Converter infiéis era o grande objetivo da Companhia de Jesus ao ser criada, em 1537, por um grupo de seis estudantes (um português e cinco espanhóis). Era liderada por Inácio de Loyola, ex-soldado basco que abandonou a vida de arruaças, enquanto convalescia do ferimento feito por um tiro de canhão. Três anos depois de fundada, a ordem foi oficializada pelo papa. Em 1556, contava mil integrantes, e, em 1626, mais de 15 mil. A meta dos primeiros jesuítas era conquistar Jerusalém, mas o mar Mediterrâneo estava dominado pelo sultão otomano Suleiman, o Magnífico, e a saída foi desviar a rota e ir converter reformados (protestantes) e nativos em novas terras. A Companhia de Jesus acumulou poder graças às boas relações com a Coroa e ao controle da mão-de-obra nativa. No Concílio de Trento, realizado entre 1545 a 1563 e que teve a Reforma Católica (reação à Reforma Protestante) no eixo dos debates, fez valer suas teses, como a condenação da interferência de monarcas em assuntos da Igreja, embora os jesuítas influenciassem os governos, como conselheiros dos reis. Antônio Vieira foi confidente de dom João IV (rei de Portugal de 1640 a 1656) e, como seu embaixador, foi à Holanda, em 1646, para negociar a devolução de Pernambuco, ocupado de 1630 a 1654. 

Nas andanças dos jesuítas pelo mundo, a estranheza entre catequizador e catequizado era inevitável. De um lado, índios canibais politeístas que sabiam tudo de plantas, ou chineses de olhos puxados, poucos pêlos no corpo e conhecimentos fantásticos de astrologia e matemática. Do outro, europeus barbudos e suados, completamente vestidos — independentemente do clima. Os missionários foram a Índia, China, Japão, Etiópia, Canadá, Indonésia, entre outros países. As diferenças culturais provocavam confusões óbvias. Imagine que mau agouro, para um chinês do século 16, acostumado a ver ladrões serem punidos com a crucificação, conviver com um homem que levava sempre uma cruz no pescoço. 

Por outro lado, essa proximidade com as tribos permitiu documentar as culturas. Anchieta escreveu o primeiro dicionário português-tupi, sem o qual talvez não tivéssemos registro da língua. Os padres também melhoraram os mapas da época, porque costumavam detalhar em cartas os lugares por onde passavam. Por exemplo, encontraram uma rota terrestre entre Índia e China e descobriram que Califórnia e Coréia não eram ilhas. 

Tantas atividades, contudo, exigiam muitos recursos. Jonathan Wright conta que a ordem "procurou financiar o evangelismo através de uma série fenomenal de instituições comerciais: atividades bancárias, mineração, atividades imobiliárias e envolvimento no comércio de especiarias e seda". Essa rede permitiu manter colégios gratuitos, freqüentados por nobres e plebeus. Ao serem expulsos do Brasil, em 1760, os jesuítas tinham 670 colégios (Minas Gerais, Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo etc.). No começo do século 18, a Companhia de Jesus era tão odiada quanto amada. As missões da China, Índia e Canadá estavam enfraquecidas e os padres, envolvidos em boatos de má conduta e corrupção. Sem falar nas disputas teológicas, como a querela sobre o livre-arbítrio: para os dominicanos, a salvação divina do indivíduo era caso de predestinação, enquanto os inacianos acreditavam que era conseqüência de seus bons e maus atos. Com a morte de dom João IV, a ordem perdeu muitos de seus privilégios e teve de enfrentar os ventos do Iluminismo, que valorizava o pensamento racional e não-teológico. 

A QUEDA 

Com dom José (1714-1777), o comando de Portugal passou, na prática, para Sebastião José de Carvalho e Mello, o marquês de Pombal. Ele desencadeou ampla reforma no país e anulou os poderes legais dos jesuítas nas aldeias indígenas. Em 1759, conseguiu expulsá-los de todos os domínios portugueses (inclusive das colônias, ou seja, do Brasil), ordem que se estenderia depois a outros países da Europa. A situação ficou insustentável e o papa Clemente V suprimiu a Companhia em 1773. Na época, reunia 24 mil membros, mais que os 21 mil atuais. Reabilitada em 1814, a ordem aguardou 40 anos para renascer.

FONTE: Aventuras na História / Fernanda Castro

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Leituras da Escravidão

Em entrevista exclusiva ao Café História, 
Manolo Florentino, especialista em escravidão
 no Brasil, fala sobre a complexidade
 e a riqueza de interpretações que o 
tema oferece ao historiador

O historiador capixaba Manolo Florentino, docente do Instituto de História da UFRJ, é hoje uma das maiores referências em escravidão no Brasil. Sua obra mais famosa, “Arcaísmo como Projeto”, escrita em parceria com o historiador João Fragoso (UFRJ), se tornou leitura obrigatória entre estudantes de história e completa 20 anos em 2013. 

Na entrevista dada ao Café História, Florentino comenta sobre o sucesso do livro, mas vai muito além: fala de sua trajetória acadêmica, sobre suas mais recentes pesquisas e, claro, sobre o panorama dos estudos sobre escravidão no Brasil. Revela, por exemplo, que a historiografia brasileira sobre escravidão não gira apenas no que é produzido no “Eixo Rio-São Paulo”. 

Segundo o professor da UFRJ, “a novidade dos anos recentes tem sido o Norte e o centro Oeste”. Mas não vamos falar mais e estragar as surpresas, não é mesmo? Confira a entrevista, deixe seus comentários e, se possível, ajude a divulgar essa entrevista nas redes sociais que você faz parte.

CAFÉ HISTÓRIA: Professor, o senhor cursou a graduação, o mestrado e o doutorado em um momento em que boa parte da intelectualidade, dos políticos e das pessoas em geral buscava repensar a experiência histórica brasileira (1977-1991). Escolher a escravidão como tema de especialização tem a ver com esse momento?

MANOLO FLORENTINO: Escolher graduar-me em História, sim, foi uma opção que certamente guardou alguma relação com a conjuntura política brasileira dos anos de chumbo. Naquela época, mais do que hoje, muitos dos jovens que elegiam estudar História ou outras ciências sociais faziam-no com a ingênua pretensão de adquirir instrumentos para melhor compreender o mundo – em particular o nosso país – e atuar. Eram tempos de maior engajamento, de maior “politização”, com enorme peso acadêmico das diversas vertentes do marxismo. Estava-se contra ou a favor e pronto, não precisava justificar. O ambiente era tão polarizado que, certa vez, reagindo de modo evidentemente pueril às noções de representação social dos então novos pós-modernistas, um de nossos mais famosos marxistas foi visto nos corredores de sua universidade dando socos na parede a gritar – “o real existe!, o real existe!”.

Mas se estudar história de algum modo resultou do clima cultural e político da época, eleger o escravismo como campo de especialização foi algo absolutamente fortuito. Me explico. No início dos anos 80 tive a chance de fazer mestrado no Colégio do México (Colmex), uma instituição de grande prestígio no âmbito acadêmico latino-americano. Recém-graduado, eu andava doido para sair do Brasil, não importando muito para onde nem para estudar o quê. Por então a Unesco buscava criar uma pós-graduação em Estudos Africanos em algum país da América Latina e o lugar óbvio deveria ser o Brasil. Creio que questões políticas levaram o projeto para o Colégio do México, e eu fui junto. Comecei a estudar a história social do tráfico atlântico de escravos de um ponto de vista africano, suas consequências econômicas, sociais etc. Anos depois, ao regressar ao Brasil, me dei conta de que a única maneira de utilizar o conhecimento acumulado em África era embrenhar-me pela escravidão brasileira. Em suma, adentrei a escravidão pela porta da África, uma África distante da cálida Mãe Preta que os mitos de origem insistiam em veicular, da qual os anos de estudo no exterior me ajudaram a esconjurar.

CAFÉ HISTÓRIA: Por muitos anos, o escravo apareceu em trabalhos de história apenas como uma peça no sistema colonial, alguém que se sujeitava a uma força muito maior que ele. Hoje, no entanto, sabemos que a realidade era bem diferente. O escravo fazia parte de uma rede bastante ampla, onde havia algum espaço para negociações. Mas o que exatamente isso quer dizer? A escravidão deve ser compreendida para além da violência e da coerção?

MANOLO FLORENTINO: Creio que a escravidão nos espanta porque atenta contra uma conquista muito recente da humanidade: os direitos do indivíduo. Talvez por isto uma parte de nossa historiografia opere em um registro abolicionista, como se ainda fosse necessário inventariar os horrores da escravidão para denunciá-los. Com isso se perde aquilo que, em minha opinião, representa um de seus aspectos mais intrigantes, que é o fato do escravismo se constituir uma ordem cultural extremamente estável e rica. Se lermos com atenção a Gilberto Freyre, observaremos que ser este um dos sentidos de sua observação segundo a qual a África civilizou o Brasil.

É claro que para a estabilidade do cativeiro colaboraram a violência e a coerção. Entretanto, a escravidão não era apenas uma relação de trabalho, mas também e principalmente uma relação de poder. Isso significa que sua reprodução se sustentava em grande medida na esfera política. Daí parecer-me tão importante aprofundar o estudo de instituições como a família escrava (um fator de ordem antropológica) e a incessante busca por parte dos escravos em obter algum controle sobre seu tempo de trabalho. Sobretudo em países como o Brasil, estratégias que levavam à formação de famílias e à adoção do trabalho por tarefas foram fundamentais para a acumulação de pecúlio e a obtenção da alforria. Aliás, observe-se que não temos ainda uma noção mais clara do peso demográfico das manumissões em nossa história, razão pela qual não sabemos se a população escravizada e liberta conhecia ou não índices positivos de reprodução natural, como ocorria em algumas áreas do sul dos Estados Unidos e em Barbados. Parece que isto também acontecia em Minas Gerais e no Espírito Santo. De todo modo, quanto mais descobrirmos regiões onde a população escrava e liberta obtinha saldos positivos de reprodução natural, mais nos afastaremos da demografia plantacionista devoradora de homens inventada por Joaquim Nabuco.

CAFÉ HISTÓRIA: A mobilidade social parece ser um dos temas mais interessantes e desafiadores para os historiadores que se debruçam sobre ao tema da escravidão no Brasil. A miscigenação foi a principal estratégia de mobilidade ou podemos citar outras?

MANOLO FLORENTINO: Eu diria que a miscigenação racial, um dos traços característicos do Brasil escravista, somente pode ser decifrada por meio da mobilidade social. Sabemos terem sido altas as taxas anuais de alforrias, sobretudo nas cidades, com amplo predomínio de manumissões de mulheres escravizadas. Semelhante perfil pode ter várias razões, mas para mim uma das principais era a clareza por parte dos escravos de que os filhos herdavam o estatuto jurídico das mães. Ora, uma vez na civitas, com quem se encontrava essa imensa quantidade de mulheres que ascendiam socialmente por meio das alforrias? Com seus maridos escravizados, que ajudavam a libertar, com alforriados com os quais se casavam, e com homens brancos pobres provenientes de norte de Portugal e das ilhas atlânticas, cujo número superava o de mulheres portuguesas em uma proporção que não raro alcançava 9 por 1. O que nossos historiadores demógrafos têm demonstrado é que se tratava de homens desvalidos cuja ilusão de enriquecer (“fazer o Brasil”) e regressar a Portugal se esvaía em poucos anos. Acabavam, pois, por se estabelecer definitivamente na colônia e exercitavam um critério de escolha matrimonial que dista um pouco do que Gilberto Freyre chamava de “plasticidade” sexual do homem lusitano: primeiro buscavam casar com as poucas portuguesas existentes, depois com as mulheres brancas nascidas na colônia; esgotados estes mercados matrimoniais, buscavam as mestiças e negras, inclusive as mulheres forras. Logo, na base de nossa miscigenação estaria a pobreza pura e simples, que promovia o encontro entre as cativas que alcançavam a civitas e os homens pobres de origem lusitana. A miséria partejou o nosso famoso “pardo”.

CAFÉ HISTÓRIA: O livro “O Arcaísmo como Projeto”, escrito pelo senhor e pelo professor João Fragoso (UFRJ), tornou-se uma obra de referência na historiografia brasileira. Uma de suas maiores contribuições foi compreender a economia colonial brasileira a partir de sua própria elite, a partir de sua lógica e de suas dinâmicas. Como a relação escravo-senhor se inscreve nesta perspectiva historiográfica?

MANOLO FLORENTINO: “O Arcaísmo como Projeto” ainda hoje me surpreende, especialmente por sua vitalidade teórica. Um dos problemas que na época de seu lançamento eu e Fragoso tentávamos compreender era a imensa capacidade de reprodução da economia colonial, sobretudo em fases B (de retração) do mercado internacional. A escravidão aparecia então como uma das variáveis centrais, na medida em que, por reproduzir-se por meio do tráfico atlântico, permitia acesso a trabalho barato. O cerne da questão radica na separação promovida pela produção social do escravo na África entre o valor do cativo enquanto ser de cultura e seu preço de mercado, baixo pois em geral tratava-se de um prisioneiro de guerra. O baixo preço de mercado do escravo se transmitia em cadeia através do Atlântico e chegava às fazendas e cidades da América portuguesa. Combinado ao ínfimo valor social da terra e dos alimentos, o reduzido custo social do escravo representava uma variável fundamental para o contínuo crescimento da economia colonial, independentemente das fases de retração do mercado internacional.

CAFÉ HISTÓRIA: Como foi a repercussão do lançamento deste livro no âmbito acadêmico, sobretudo por parte dos historiadores que tiveram suas teses contrariadas?

MANOLO FLORENTINO: Visávamos contrapor um modelo consistente à teoria da dependência, dominante na historiografia brasileira desde os escritos de Caio Prado Júnior. A julgar pela recepção do público, não nos saímos muito mal, e “O Arcaísmo como Projeto” é até hoje estudado em nossas graduações e pós-graduações em história. Sei que gerou algumas reações raivosas no plano estritamente paroquial, mas em geral foi muito bem recebido entre os especialistas em história econômica.

CAFÉ HISTÓRIA: “O Arcaísmo como Projeto” é um trabalho de fôlego produzido em dupla. O trabalho de equipe, entretanto, não tem sido visto com tanta frequência entre nós historiadores. Vemos muitos livros organizados por dois ou mais pesquisadores, mas não são exatamente a mesma coisa. Na sua opinião, escrever com outras pessoas é mais difícil? Como se deu essa dinâmica com o professor João Fragoso?

MANOLO FLORENTINO: Duas cabeças pensam melhor que uma, desde que haja sintonia. De minha parte, sempre gostei de trabalhar em equipe, pois as discussões são bem mais ricas. Reconheço entretanto não ser esta uma tradição intelectual brasileira, embora seja algo bem comum em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, por exemplo.

CAFÉ HISTÓRIA: O senhor tem observado alguma tendência em trabalhos no campo da escravidão em trabalhos de pós-graduação? Talvez novos objetos ou abordagens?

MANOLO FLORENTINO: Se considerarmos, como já disse, que o caminho mais rico para se compreender a escravidão brasileira é encará-la como uma ordem cultural caracterizada por um enorme grau de estabilidade, é óbvio que a principal tarefa dos especialistas é romper com a polarização entre o cativeiro e a liberdade. Entre ambos os polos havia uma imensa gama de situações e combinações sociais possíveis. Por exemplo, estudando o caso do Paraná, a professora Cacilda Machado demonstrou que membros de uma linhagem de escravos podiam abandonar o cativeiro e duas ou três gerações depois seus descendentes regressavam à escravidão pela via do casamento com escravas. Eis uma perspectiva dinâmica de pesquisa, cujos resultados mostram claramente que a pobreza unia e direcionava inúmeros destinos pessoais. Outra linha de trabalho interessante tem sido desenvolvida por João José Reis, na Bahia, que busca acompanhar trajetórias de indivíduos alguma vez submetidos ao cativeiro. Seu livro sobre o liberto Domingos Sodré é um exemplo dos mais ricos de como a mobilidade social ascendente ocorria – o africano Domingos Sodré chegou ao Brasil escravo, conseguiu a alforria e morreu proprietário e cristão.

CAFÉ HISTÓRIA: Professor, Nos últimos anos, temos acompanhado um enorme debate público envolvendo as chamadas “ações afirmativas” no Brasil. Como o senhor enxerga esse tipo de política? Trata-se de um modelo importado? Alguns historiadores alertam que esse discurso gera um tipo de instrumentalização da história, sobretudo do tema da escravidão. O senhor concorda com essa crítica?

MANOLO FLORENTINO: Sem dúvida trata-se de um modelo de política pública importado mecanicamente, aspecto flagrante quando se compara a história das relações raciais nos Estados Unidos e no Brasil, onde os níveis de mobilidade social ascendente eram infinitamente maiores. Um exemplo de instrumentalização da história brasileira por parte dos adeptos das chamadas “ações afirmativas” é a própria noção de terras remanescentes de quilombos, cuja identificação está longe de ser fácil. Outro é o fato de que parcela expressiva de nossos pardos tem sido alocada ao grupo dos “negros”, quando na verdade derivam da mestiçagem entre brancos e indígenas – um tremendo etnocídio historiográfico, por certo.

CAFÉ HISTÓRIA: Em entrevista recente, o professor José Murilo de Carvalho (UFRJ) sublinhou que os principais trabalhos historiográficos sobre o Brasil continuam sendo feito a partir de um ponto de vista típico do “Eixo Rio-São Paulo”. E isso pode ser um problema. Podemos dizer que isso também ocorre nos trabalhos sobre escravidão? Se sim, por que isso acontece?

MANOLO FLORENTINO: Pode ser que isto ocorra em outros campos da historiografia, mas no que se refere à escravidão creio que a hegemonia do eixo Rio-São Paulo deva ser relativizada. Com a crescente disseminação dos cursos de pós-graduação, temos visto aparecerem excelentes trabalhos no sul do país, com destaque para o Rio Grande do Sul; no sudeste, os estudiosos da escravidão mineira e do Espírito Santo têm produzido teses e dissertações bem originais; o nordeste, em especial Bahia e Pernambuco, sempre foi um celeiro de boas pesquisas sobre cativeiro. A novidade dos anos recentes tem sido o Norte e o Centro Oeste, onde também aparecem trabalhos originais. Mas eu gostaria de ressaltar uma importante distinção teórica, estabelecida desde fins da década de 1960 pelo historiador Moses Finley, que ainda pode ser útil para quem estuda escravidão fora do eixo Rio-São Paulo e nordeste. De acordo a Finley, uma sociedade escravista é aquela em que a reprodução sociológica do lugar social da elite se dá mediante a renda acumulada com o trabalho escravo. Nos casos em que há escravos na população, mas a reprodução do lugar social da elite se dá por outros meios, teríamos apenas uma sociedade possuidora de escravos. Ou seja: escravista é toda sociedade em que a utilização do trabalho escravo serve para estabelecer s diferenciação entre os homens livres. Trata-se de uma perspectiva interessante, pois a natureza escravocrata de uma sociedade deixa de ser resultado da quantidade de cativos existentes ou, mesmo, da importância do setor da economia que eles ocupam, e passa a derivar de um movimento sociológico. Desconfio que entre os séculos XVI e XIX vastas áreas da América portuguesa configuravam regionalmente apenas sociedades possuidoras de escravos.

CAFÉ HISTÓRIA: Professor, muito obrigado por conversar com o Café História. Para finalizar nosso papo, uma curiosidade: o senhor está se dedicando a quais trabalhos atualmente?

MANOLO FLORENTINO: Tenho batalhado para traçar algumas características da comunidade de islamitas negros que se formou no Rio de Janeiro depois do levante Malê de 1835 na Bahia. É uma reconstituição difícil porque eles tendiam a manter certo sigilo sobre a sua identidade religiosa e, em 1904, de acordo a João do Rio, praticamente haviam desaparecido. Tomara que eu tenha sorte.

FONTE: CAFÉ HISTÓRIA

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Até quando vamos endeusar a revolução farroupilha?


Até quando?
Todo os anos eu me pergunto: até quando?
Sim, até quando teremos de mentir ou omitir para não incomodar os poderosos individuais ou coletivos?
Até quando teremos que tapar o sol com a peneira para não ferir as suscetibilidades dos que homenageiam anualmente uma “revolução” que desconhecem? Até quando teremos de aliviar as críticas para não ofender os que, por não terem estudado História, acreditam que os farroupilhas foram idealistas, abolicionistas e republicanos desde sempre? Até quando teremos de fazer de conta que há dúvidas consistentes sobre a terrível traição aos negros em Porongos? Até quando teremos de justificar o horror com o argumento simplório de que eram os valores da época? Valores da traição, do escravismo, da infâmia?
Até quando fingiremos não saber que outros líderes – La Fayette, Bolívar, Rivera – outros países – Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia – e outras rebeliões brasileiras – A Balaiada, no Maranhão, por exemplo – foram mais progressistas e, contrariando “valores” da época, ousaram ir aonde os farroupilhas não foram por impossibilidade ideológica? Até quando a mídia terá de adular o conservadorismo e a ignorância para fidelizar sua “audiência”?
Até quando deixaremos de falar que milhões de homens sempre souberam da infâmia da escravidão? Os escravos. Até quando minimizaremos o fato de que a Farroupilha, com seu lema de “liberdade, igualdade e humanidade”, vendeu negros para se financiar? Até quando deixaremos de enfatizar que os farrapos prometiam liberdade aos negros dos adversários, mas não libertaram os seus? Até quando daremos pouca importância ao fato de que a Constituição farroupilha não previa a libertação dos escravos? Até quando deixaremos de contar em todas as escolas que Bento Gonçalves ao morrer, apenas dois anos depois do fim da guerra civil, deixou mais de 50 escravos aos seus herdeiros? Até quando?
Até quando?
Até quando adularemos os admiradores de um passado que não existiu somente porque as pessoas precisam de mitos e de razões para passar o tempo, reunir-se e vibrar em comum? Até quando os folcloristas sufocarão os historiadores? Até quando o mito falará mais alto do que a História? Até quando não se dirá nos jornais que os farroupilhas foram indenizados pelo Império com verbas secretas? Que brigaram pelo dinheiro? Que houve muita corrupção? Que Bento Gonçalves e Neto não eram republicanos quando começaram a rebelião? Que houve degola, sequestros, apropriação de bens alheios, execuções sumárias, saques, desvio de dinheiro, estupros, divisões internas por causa de tudo isso e processos judiciais?
Até quando, em nome de uma mitologia da identidade, teremos medo de desafiar os cultivadores da ilusão? Até quando historiadores como Décio Freitas, Mário Maestri, Sandra Pesavento, Tau Golin, Jorge Eusébio Assumpção, Spencer Leitman e tantos outros serão marginalizados? Até quando nossas crianças serão doutrinadas com cartilhas contando só meias verdades?
Até quando a rebelião dos proprietários será apresentada como uma revolução de todos? Até quando mentiremos para nós mesmos? Até quando precisaremos nos alimentar dessa ilusão?
Até quando viveremos assim?
FONTE: CORREIO DO POVO / JUREMIR MACHADO DA SILVA
LEIA TAMBÉM:  Massacre de Porongos 
                        Na Guerra dos Farrapos: os lanceiros negros

Traição farroupilha


sábado, 15 de setembro de 2012

Conheça a história da rodovia Transamazônica















A Transamazônica foi criada sem planejamento e construída a toque de caixa durante a ditadura militar. Depois de 40 anos e nenhum objetivo alcançado, a pergunta é: para que ela serve?


No dia 6 de junho de 1970, o general Emílio Garrastazu Médici, depois de visitar frentes de trabalho e testemunhar uma das secas mais devastadoras da história do Nordeste brasileiro, fez um discurso no Recife. “Com o velho hábito de comandante de tropa que vela pelo seu último soldado, o chefe da nação não pode compreender a existência de compatriotas vivendo em condições tão precárias”, registrou o presidente da República.

“Não, não me conformo. Isso não pode continuar.” Médici vislumbrou ali a solução para o flagelo da seca. Para usar uma frase que ficou famosa na época, o jeito era levar “homens sem terra para uma terra sem homens”. O caminho de um lugar a outro se chamaria Transamazônica.

Do discurso de Médici à inauguração da estrada, o processo correu em velocidade de Fórmula 1.

Dez dias depois da fala presidencial em Pernambuco, foi criado o Plano de Integração Nacional (PIN), no qual a Transamazônica era o projeto prioritário.

A concorrência foi lançada no dia 18 de junho e as obras começaram em 1º de setembro, menos de 3 meses após o comício. Foi de estalo.

A Superintendência de desenvolvimento da Amazônia (Sudam) fez uma lista dos principais projetos de construção de estradas em 1969. No documento, não havia menção à Transamazônica.
Para conseguir dinheiro para a obra, Médici raspou metade do orçamento da Sudam e da Sudene. Uma estrada, já ensinavam os engenheiros de Roma antiga, serve basicamente para duas coisas. É uma estrutura militar, no sentido de permitir a rápida movimentação de tropas, e também liga áreas de comércio e garante a integração do território. 

A BR-230, o nome oficial da estrada, não fez uma coisa nem outra. A principal justificativa dos militares, a de integração nacional e a de criação de espaço para o desenvolvimento do homem nordestino, não colou. “Seria mais fácil promover a integração do Sul – desenvolvido, rico, industrial – com o Norte – subdesenvolvido, pobre, agrícola”, escreveram Robert Goodland e Howard Irwin em A Selva Amazônica: do Inferno Verde ao Deserto Vermelho?, de 1975. “A integração do pobre e populoso Nordeste com a pobre e quase despovoada Amazônia só se tornará exequível se os migrantes puderem sustentar a si próprios.”

O governo, porém, sonhava alto. Queria instalar na floresta 500 mil colonos (e esperava-se outro meio milhão de pessoas, que seriam atraídas para a região). Assentar essa multidão ao longo da estrada gerou uma das grandes ficções urbanísticas do Brasil. Os colonos ficariam em agrovilas, implantadas a cada 10 km da via. Os planejadores imaginavam que cada uma teria entre 48 e 64 casas, escola primária, capela ecumênica, armazém, clínica e farmácia. Havia até tamanho definido para cada terreno (de 20 x 80 m a 25 x 125 m). 

Além disso, cada família teria uma gleba de 100 hectares, na qual teriam de deixar metade do terreno preservado. A cada 50 km, haveria uma agrópole, que teria 4 agrovilas sob sua jurisdição (cada agrópole teria 500 casas e no máximo 2,5 mil habitantes). Ali funcionariam uma escola secundária, olaria e pequeno comércio – claro, com um posto de gasolina. Por fim, a cada 150 km haveria uma rurópole, com duas agrópoles em sua jurisdição. Parece planejamento soviético, não? Pois nada deu certo. Hoje, existem apenas 20 agrovilas espalhadas pela Transamazônica. “Num primeiro momento, as vilas se estabeleceram em função da mão de obra necessária para a abertura da rodovia”, afirma Geraldo Alves de Souza, da Universidade Federal de Manaus.

“O pessoal foi indo embora junto com o canteiro. Os que continuaram ficaram perdidos, com dificuldades.” Os colonos não tinham crédito, acesso a mercados produtivos e muitas vezes nem terra. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) só conseguiu dar lotes e infraestrutura a 900 famílias. Segundo Pedro Petit, professor da 

Universidade Federal do Pará (Ufpa), a propaganda do governo “favoreceu a vinda para a Amazônia, sem nenhuma ajuda oficial, de milhares de camponeses sem terra e minifundistas de diversas regiões do Brasil”.

Sem nem chegar perto do que havia sido planejado, a Transamazônica foi inaugurada por Médici em agosto de 1974. Em sua extensão, havia menos de 10% dos colonos imaginados. O marco da inauguração da estrada é um retrato de seu projeto. Sobre o toco de uma grande árvore centenária, em Altamira, no Pará, uma placa de metal dá a notícia do que se fez ali: “Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o sr. Presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a verde”. Pelo menos 4 mil operários trabalharam na construção da estrada.

E enfrentaram uma dura realidade: solo miserável, chuvas torrenciais e doenças tropicais. “A medicina terá de enfrentar a malária, tuberculose, lepra, filariose, verminose, febre amarela e febre tifoide, endemias que nem sempre podem ser controladas, e também as doenças desconhecidas, causadas por vírus ainda não isolados”, alertou o jornalista Alberto Tamer em Transamazônica – Solução para 2001, de 1970.

A estrada, entregue em tempo recorde, segue inacabada até hoje. De acordo com o plano original, ela seria um grande escoadouro da produção brasileira para o Pacífico. De Cabedelo, na Paraíba, o estradão iria até a cidade de fronteira de Benjamin Constant, no Amazonas (e de lá, pelo Peru e Equador, até o Pacífico). Mas seu ponto final foi em Lábrea, 687 km antes. Não há planos de expansão.

Para construir os 4 073 km da Transamazônica, o governo gastou 1,5 bilhão de dólares na época (hoje 7,7 bilhões de dólares). Não foi tarefa de pouca monta. A obra foi quase toda em mata fechada e a extensão da estrada poderia cobrir todo o continente europeu, de Lisboa, em Portugal, a Kiev, na Ucrânia. Mais da metade da estrada, 2,2 mil km, não é asfaltada. Durante o período de chuva, de 6 meses, é quase impossível transitar ali. A maior parte da via não tem sinalização e iluminação. A partir de Marabá, no Pará, quando começa o trecho de floresta, surgem os problemas. No Amazonas, dos 1,5 mil km de estrada, só 14 km são asfaltados. Nos anos 90, caminhoneiros indignados incendiavam as pontes de madeira, que costumavam ceder sob o peso das carretas. A maior parte dos rios da região é atravessado por balsas. Em muitos trechos, a “estrada da integração nacional” é só uma picada. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) vai gastar este ano, nos 1,56 mil km do trecho da estrada no Pará (metade deles pavimentado), 700 milhões de reais. Na briga entre homem e natureza, nossa espécie perde por goleada (ainda que cada gol que marque represente uma séria devastação no frágil ecossistema amazônico). A floresta parece não admitir grandes obras.

Foi assim na construção da Madeira-Mamoré, idealizada no meio do século 19, cuja construção foi de 1907 a 1912 e tinha o mesmo objetivo do estradão: fazer a ligação com o Pacífico. A hidrelétrica de Tucuruí, de 1984, é a maior usina 100% brasileira, mas seu lago causou uma tragédia ecológica depois que as árvores submersas começaram a apodrecer e gerar CO2.

A Zona Franca de Manaus, de 1967, enfrenta problemas de logística para abastecer o sul do país. A Transamazônica, que atravessa 7 estados brasileiros, gerou outros convenientes. 

As estradas vicinais que partem de seu traçado ajudam a devastar a floresta. “É inegável a relação direta entre desmatamento e a construção de rodovias”, afirma o professor Alves de Souza. “O Brasil precisa decidir se quer uma Amazônia ligada por estradas ou uma Amazônia preservada.” O maior meio de transporte da região ainda é o barco. A Amazônia tem mais de 80 mil km de trechos navegáveis. Um transatlântico poderia avançar 3,7 mil km rio Amazonas adentro. Como dizem os autores de A Selva Amazônica, “de todos os paradoxos da Amazônia, o mais espantoso é o manto de silêncio e ignorância que a envolve”.

Livros
A Selva Amazônica: Do Inferno Verde ao Deserto Vermelho?, Robert Goodland e Howard Irwin, Itatiaia/Edusp, 1975



FONTE: Aventuras na História / reportagem João Pedro Netto, de Brasília | edição Wagner Gutierrez Barreira