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quarta-feira, 25 de abril de 2012

25 de abril de 1984 - A emenda Dante de Oliveira

"Que país é este? - era a indagação que se fazia à sociedade quando o Brasil se preparava para o reencontro com as liberdades públicas.

O Estado concedia quotas de liberdades mas se prevalecia do autoritarismo institucionalizado.

Levantou gradualmente a censura à imprensa, mas se reservava o arbítrio até para impor sua vontade ao Congresso. Soube-se que país era aquele.

Mas que país, afinal de contas é este? Uma democracia certamente não é e nem será enquanto o Estado pretender que a vontade nacional continue a ser ditada pelos instrumentos de coação da sociedade". Editorial JB

Chegou ao plenário do Congresso, alavancada pela Campanha das "Diretas Já" em incansável peregrinação pelo país, a Emenda Constitucional Dante de Oliveira, proposta pelo deputado federal homônimo, com objetivo de instaurar eleições diretas para a presidência da República.

A sessão era o triunfo do movimento civil reivindicatório de eleições presidenciais diretas no Brasil, iniciado oficialmente durante um discurso no interior pernambucano no ano anterior, e orquestrado com sucessivas adesões de importantes lideranças da vida pública nacional. Por todo o país o povo acompanhou a contagem de votos em painéis instalados em praças públicas. 

No Rio, a concentração foi na Cinelândia. No ABC Paulista, houve manifestações de trabalhadores em empresas metalúrgicas e, na Capital, o povo reuniu-se na Praça da Sé. Em Brasília, universitários e secundaristas escreveram com seus corpos a frase Diretas Já, nos gramados do Congresso. Algumas emissoras de rádio e televisão sofreram censura e tiveram a transmissão suspensa durante horas, voltando a funcionar somente à noite.

Adiado sonho de votar para presidente 

Com galerias tomadas, o plenário votou a emenda Dante de Oliveira sob tensão, até as primeiras horas da madrugada do dia seguinte, numa das mais exaustivas sessões da história do Congresso Nacional. Ao final de mais de 60 discursos, era adiado mais uma vez o sonho nacional de escolher o presidente do país através do voto direto. Com 298 votos favoráveis, 65 contrários, 3 abstenções e a ausência de 113 deputados - estratégia adotada pelo Partido Democrático Social (PDS), o Congresso rejeitou, por falta de quórum constitucional, a emenda em questão, retardando o processo de redemocratização do País.

FONTE: JORNAL DO BRASIL


quarta-feira, 18 de abril de 2012

A história do Brasil logo após a independência


Após 21 meses de guerra, dom Pedro I garantiu a unidade do território. Até na moda, se valorizava a identidade do país. O brasileiro descobriu o duplo emprego e a primeira Constituição lhe garantiu a liberdade de culto e de imprensa


Perto das 16h30 de 7 de setembro de 1822, um rapaz de 23 anos alcançava o alto de uma colina ao lado do riacho Ipiranga, nos arredores da vila de São Paulo, seguido de alguns acompanhantes. Era o príncipe regente dom Pedro, montado numa mula, coberto de poeira e com as botas sujas de lama. A viagem fora mais uma vez interrompida pela diarreia incômoda que o perseguia desde a partida de Santos, antes do amanhecer. O alferes Francisco de Castro Canto e Melo, que vinha de São Paulo com notícias dramáticas, alcançou a comitiva, prestes a retomar o curso. Antes que ele desse seu recado, porém, chegaram a galope dois mensageiros do Rio de Janeiro. Traziam cartas de José Bonifácio de Andrada e Silva, da princesa Leopoldina e do cônsul britânico na capital, Henry de Chamberlain.


O sucessor do trono português não podia esperar novidade pior. Lisboa havia cassado sua regência sobre a colônia e anulava suas decisões anteriores. Um membro da comitiva, o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, relataria quatro anos depois o que viu naquela tarde: "Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou das minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e os deixou na relva. (...) Caminhou alguns passos, silenciosamente. De repente, estancou já no meio da estrada, dizendo-me: ‘(...) As cortes me perseguem, chamam-me de rapazinho, de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal’". Minutos depois, diante da guarda de honra que o esperava mais à frente (leia acima), desembainhou a espada para determinar: "Será nossa divisa de ora em diante: Independência ou Morte!", descreveu o chefe da guarda, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo.

Moda tupiniquim

Poucos meses depois, nas principais cidades do novo país, muitos homens começaram a mudar alguns de seus hábitos. O deputado baiano Cipriano Barata, por exemplo, passou a se vestir exclusivamente de algodão brasileiro e a usar chapéus feitos de palha de carnaúba - no que foi rapidamente imitado. Os nacionalistas mais empolgados penteavam o cabelo de forma a deixar uma risca definida no meio da cabeça. Era a chamada "estrada da liberdade", uma forma de simbolizar os caminhos abertos pela Independência. O uso do cavanhaque, incomum entre os portugueses, também foi adotado para marcar diferença. De uma hora para outra, pegava mal fumar os adorados charutos cubanos - era obrigatório valorizar o produto nacional. Cachimbo, nem pensar, pois tornou-se símbolo dos exploradores europeus. Exagero? Muitas famílias trocaram seus sobrenomes de batismo por expressões indígenas. Um ramo da família Galvão, de Pernambuco, passaria a se chamar Carapeba. O jornalista, advogado e político negro Francisco Gomes Brandão, um dos fundadores da Ordem dos Advogados do Brasil, adotou o nome Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (homenagem também aos astecas).

Os modismos foram só a vitrine mais singela das transformações na vida nacional - iniciadas, é verdade, em 1808, após o desembarque da família real. A terra pela qual dom Pedro se apaixonou a ponto de romper com Portugal (não sem antes implorar ao pai dom João VI, em 1821, para que lhe poupasse do posto de príncipe regente. Leia mais à pág. 32) reagiu com empolgação à sensação de autonomia. Quando deixou o Rio de Janeiro, em 1831, o soberano havia legado uma nação ainda turbulenta politicamente, mas já estabelecida como Império do Brasil. O cenário que encontrou às vésperas do Grito do Ipiranga, escreve Laurentino Gomes em 1822, indicava que o país de 4,5 milhões de habitantes "tinha tudo para dar errado: de cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Era uma população pobre e carente de tudo. O medo de uma rebelião escrava pairava como um pesadelo sobre a minoria branca. Os analfabetos somavam mais de 90% dos habitantes".

Confronto

Em importantes cidades, a novidade significou a realização literal do lema "Independência ou Morte". Nas ruas, defensores do Brasil e de Portugal se estranhavam e, não raro, discutiam e se agrediam. Em alguns lugares, era preciso ter coragem para aderir à onda do cavanhaque. Em Salvador, em 1824, um padre se recusou a prosseguir com o cortejo fúnebre enquanto o defunto não fosse barbeado. Bahia, Piauí e outras províncias pegaram em armas para garantir a autonomia brasileira e a unidade do território nacional - desfecho diferente do que ocorreu nas colônias vizinhas, que acabaram fragmentadas. A adesão ao comando do imperador, porém, não foi automática em todas as regiões. Rachas provincianos somavam-se à luta com os portugueses. Somente Rio, São Paulo e Minas Gerais aceitaram de pronto as ordens de dom Pedro. Esse processo foi mais lento sobretudo no Norte, no Nordeste e no Sul (veja quadro à pág. 28). A Guerra da Independência, iniciada em fevereiro de 1822, durou 21 meses e matou de 2 a 3 mil pessoas. "Em 1825, o governo brasileiro sequestrou os bens de portugueses que ainda contestavam a independência no Rio, na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão e no Grão-Pará. E os intimou a deixar o país", diz Isabel Lustosa, historiadora ligada à Fundação Casa de Rui Barbosa.

O confronto acabou de afundar as finanças quase falidas do novo governo, limitando investimentos urgentes e gerando inflação. Entre 1825 e 28, ela dobrou. Só a dívida externa superava 1 bilhão de reais em valores atualizados.

A infraestrutura das províncias mais afastadas da capital não tinha mudado muito desde a chegada de dom João. Ainda se dormia em redes e esteiras, se comia com a mão e se andava em ruas escuras e estreitas - mesmo no Rio de Janeiro, a iluminação a gás só estrearia em 1860. Mas as diferentes regiões já tinham mais contato com os acontecimentos no centro de poder. Dom Pedro I continuou a abrir estradas, que passaram a ligar a Bahia a Pernambuco, Minas Gerais a Goiás, o Grão-Pará ao Maranhão.

Nas maiores cidades, uma nova classe de trabalhadores se desdobrava com mais de uma ocupação, algo inédito depois de três séculos de controle estrito das atividades profissionais e das fontes de renda dos súditos de Lisboa. Barbeiros eram músicos nas horas vagas, pedreiros cortavam cana, advogados mantinham lojas, médicos davam aulas.

As mulheres também se viravam bem. Cozinhavam e costuravam para a família e ainda vendiam nas ruas quitutes, toalhas e roupas com a ajuda de um ou dois escravos. "A Independência dá um novo dinamismo às províncias. As pessoas têm uma grande mobilidade social, econômica e cultural. Escravos e livres se movimentam muito e exercem atividades econômicas variadas. Surgiu uma primeira geração de ex-escravos livres. E eles, em especial as mulheres, ganharam um grande poder com a possibilidade de se casar com brancos e com a liberdade para exercer diversas atividades econômicas simultâneas", diz Eduardo Franco Paiva, historiador e professor da UFMG. "Por outro lado, a chegada de escravos, que continuavam sendo vendidos em grandes quantidades no Brasil, manteve um grande intercâmbio cultural com a África. Também havia contato com estrangeiros de outros lugares."

Apesar da grande desigualdade social, a miséria e a fome não eram tão comuns - diferentemente do que acontecia sobretudo no interior em tempos de seca, como a que assolou o sertão nordestino em 1825 e levou à primeira grande onda migratória interna. No Sudeste, as indústrias incipientes ganharam fôlego - especialmente fábricas de barcos, pólvora e tecidos. A produção de algodão, café e gado ocupava cada vez mais espaço, em detrimento do açúcar e da mineração. Mas as transformações mais radicais aconteceram mesmo na sede do Império: o Rio de Janeiro.

A capital

Sob o impacto dos 13 anos de estadia da corte, tudo mudou na cidade. A população saltou de 43 mil habitantes, em 1799, para 79 mil, em 1821 (ou 110 mil com a área rural). A capital já tinha uma primeira geração de médicos formados no Brasil, nas faculdades de medicina do Rio e de Salvador. Em uma época de condições sanitárias precárias, cujo sistema de esgoto consistia em grandes latões de dejetos carregados por escravos, esses doutores começavam a substituir os barbeiros com suas sanguessugas. Era uma forma de reduzir a mortalidade em geral, o impacto das mortes no parto e, principalmente, das "febres de março", que faziam diversas vítimas todos os anos. "Sistematicamente, as mortes eram bem superiores aos nascimentos. A cidade crescia graças apenas às migrações de pessoas que para lá eram atraídas. Mas, no geral, a população foi sendo beneficiada por todas as mudanças", diz Maria Luiza Marcilio, professora da USP.

Havia um afluxo grande de estrangeiros. Em 1818, os suíços formaram a primeira colônia de imigrantes não portugueses em Nova Friburgo. Apesar da falência em 1821, o Banco do Brasil já havia ajudado a alterar a economia da cidade, que, até a década de 1810, vivia basicamente do escambo. O porto do Rio concentrava a metade do comércio exterior nacional, sobretudo embarcando café (que, em 1840 somava quase 50% de toda a pauta de exportações) e importando produtos ingleses inéditos por aqui, de tecidos a lampiões. As pessoas rapidamente se acostumaram a se vestir mais de acordo com a moda europeia (mesmo escravos adotaram ternos, mas não podiam calçar sapatos. Os pés descalços denunciavam sua condição). A língua francesa se tornava mais comum. No começo dos anos 1830, a rua do Ouvidor já estava tomada por lojas francófonas (leia à pág. 30).

Faltaram soldados nativos para as lutas de independência nas províncias, mas as escolas da Guerra e da Marinha constituíam uma crescente classe de militares. A população se acostumou com facilidade a resolver suas pendengas na Casa de Suplicação do Rio, criada por dom João VI, origem do Supremo Tribunal Federal. O Teatro São João, a Biblioteca Real e os jornais locais faziam a vida cultural ficar muito mais diversificada e acessível, a ponto de até mesmo alfaiates manterem seu próprio veículo de comunicação. Em 1826, o surgimento da Academia Imperial de Belas-Artes tirava os desenhistas dos quartéis, onde eles se limitavam a rabiscar plantas de terrenos.

Os pianos eram uma peça obrigatória nas casas mais ricas e o imperador dedicava tempo às composições musicais. Em carta ao pai, o rei Francisco I da Áustria, a imperatriz Leopoldina escreveu: "Envio-vos nesta ocasião uma Missa de Neukomm (...) que merecerá sem dúvida o vosso bom acolhimento. O meu Marido também é compositor e faz-vos presente da Sinfonia e Te Deum de sua autoria; falando a verdade é um tanto teatral, que é defeito de meu Marido". Aluno de Joseph Haydn e colega de estudos de Ludwig van Beethoven, o maestro Sigimund von Neukomm vivia no Rio desde 1816. A influência dessa vida pujante era tal que ganhava importância o sotaque carioca, mais aportuguesado e menos marcado por expressões indígenas do que no resto do país. "Muito antes ainda (do advento) da televisão, os habitantes do Rio já influenciavam a fala dos habitantes das outras províncias", escreve o historiador Luiz Felipe de Alencastro em História da Vida Privada no Brasil.

A Constituição

O Primeiro Reinado, claro, foi um período de intensa atividade política. A elite se dividia em várias correntes, a começar por monarquistas e republicanos (que em 1822 se aglutinaram em torno de dom Pedro para confrontar as cortes portuguesas - grandes responsáveis pelo processo que levou à Independência). A Assembleia Constituinte, instalada em maio de 1823, seria dissolvida em novembro, mas, em 1824, o imperador promulgou a primeira Constituição do país (considerada até liberal para a época). O Poder Moderador dava a ele autoridade sobre os demais poderes, mas a Carta garantiu liberdade de culto, de imprensa (em termos, pois havia determinadas perseguições) e deu outro status à figura do eleitor. Homens maiores de 25 anos, livres, alfabetizados e com renda de 100 mil-réis escolhiam os cidadãos que podiam votar e ser votados desde que atendessem a certos requisitos. Os religiosos seriam valorizados - até porque eles representavam parte considerável da ínfima parcela alfabetizada da população. Na década de 1820, eles eram 23% de todos os deputados. Os padres raramente usavam batinas, mantinham negócios e, com muita frequência, mulher e filhos.

As discussões a respeito dos rumos do novo país não ficavam restritas às elites (embora pelo menos parte dela tenha feito valer sua vontade, evitando o fim da escravidão, por exemplo). "A população estava longe de estar a reboque das camadas dirigentes", escrevem os historiadores Gladys Sabina Ribeiro e Vantuil Pereira em O Brasil Imperial: "O povo foi ator político fundamental na trama do Primeiro Reinado, tanto por meio de revoltas ou burburinhos quanto usando mecanismos formais, como petições, queixas e representações". Os debates da constituinte foram acompanhados por populares, que gritavam palavras de ordem pedindo direitos civis e apresentavam por escrito centenas de sugestões aos deputados. Com o desmonte da assembleia, o intendente de polícia Estevão Ribeiro de Resende mandou seus homens às ruas para apreender os panfletos com chamados à revolução. Negros e mulatos eram a maior preocupação das autoridades - se reuniam em tabernas nos arredores da cidade, área cheia de quilombos. Um grupo chegou a fundar um "Club dos Malvados" com motivações políticas e raciais. Já liberais radicais organizaram um atentado contra o imperador. Na noite em que assinou a Constituição, ele e a família foram ao teatro. Um grupo tocou fogo em poltronas, mas ele saiu ileso.

O rei voltou a enfrentar resistência política intensa dos deputados. Seus vínculos com Portugal, que vivia um período turbulento, incomodavam os brasileiros. A derrota na Guerra da Cisplatina, em 1828, havia afetado seu prestígio, já abalado pelos escândalos de alcova. Em 1831, dom Pedro voltou a dissolver seu ministério. Foi o estopim para uma série de manifestações populares, que culminaram com a família real abandonando o Rio na surdina. Em seus últimos três anos de vida, porém, ele mudaria também os rumos de Portugal.

O sucessor

Dom Pedro I indicou imperador o filho de 5 anos e deixou como tutor um dos patronos da nação, José Bonifácio. O Brasil mergulharia numa década de revoluções e turbulências, até que dom Pedro II assumisse o cargo e garantisse a estabilidade política (ao menos temporariamente) não alcançada pelo pai.
A História reconheceria, porém: Pedro de Alcântara Francisco foi um dos nomes mais importantes da trajetória do país. Não se limitou a garantir a independência do Brasil e a unidade do território. Com ele, despontava uma nação com identidade própria. Dali em diante, a verdadeira transformação ocorreria com o fim da escravidão, em 1888. No ano seguinte, seria proclamada a República.

Longe do centro


A vida tumultuada nas províncias 


O Grito do Ipiranga ecoou de modo diverso nos 8,5 milhões de km2 que formavam o Brasil. Na Bahia, no Piauí, no Maranhão, no Grão-Pará e na Cisplatina, os defensores da independência pegaram em armas contra portugueses e aliados. Apesar da falta de recursos, os "brasileiros" (partidários da causa nacional, inclusive mercenários estrangeiros) venceram. Mesmo após a Guerra da Independência, dom Pedro teve de enfrentar levantes de províncias que queriam autonomia, a exemplo da sufocada Confederação do Equador, a partir de Pernambuco, em 1824. Já a Cisplatina conseguiu desmembrar-se e virou o Uruguai em 1828. Os conflitos aumentavam a inflação e castigavam os moradores.

MINAS GERAIS

A província e o centro-oeste do país ganhavam pujança econômica com a produção de carne, leite, tecidos e outros itens vendidos para o Rio de Janeiro. Moradores migraram para o campo.

RIO GRANDE DO SUL

Os gaúchos, que falavam quase um "portunhol", aceitaram a Independência, mas perderam com a separação da Cisplatina. Entre 1835 e 1845, romperiam com o Brasil.

GRÃO-PARÁ

Entre 1822 e 1823, a província se dividiu ao meio. A vitória dos imperiais não cessou os conflitos. Em 1835, Belém ficaria sitiada durante a Cabanagem.

PERNANBUCO

Foi convulsionado por movimentos separatistas e de caráter republicano. Mas, no Natal, a política dava lugar a festas ao som de lundu, o som mais popular na região.

BAHIA

Após a Guerra da Independência, aos poucos o custo de vida caiu em Salvador. Mas a Bahia ainda enfrentaria tensão com uma revolta em 1832.



Rio imperial

Capital foi o retrato das transformações pós-1822


"Morte ao traidor!"

Protestos e enfrentamentos entre aliados e adversários de dom Pedro ganharam as ruas do centro, em 1831. O imperador abdicaria do trono no dia 7 de abril e iria para Lisboa.

Próspero e variado

A rua Direita reunia o comércio de luxo, assim como a do Ouvidor, repleta de produtos franceses. A proximidade com o porto, por onde passava 80% da economia do país, facilitava as transações.

A "nova" economia

O café e o algodão ganhavam espaço na economia do país, que tinha indústrias incipientes no Rio. Mas a escravidão ainda era a regra. Alguns escravos seguiam a moda europeia.



Saiba mais


LIVROS

1822, Laurentino Gomes, Nova Fronteira, 2010.

Serviu de base para esta reportagem. O jornalista e autor de 1808 explica a Independência e o reinado de dom Pedro I.

História da Vida Privada no Brasil - Volume 2, Luiz Felipe de Alencastro, Companhia das Letras, 1997.

Em oito artigos, apresenta o cotidiano do país ao longo do século 19.

O Brasil Imperial - Volume 1, Keila Grinberg e Ricardo Salles, Civilização Brasileira, 2009.

Retrata a situação das maiores províncias desde a chegada de dom João VI até a volta de dom Pedro I a Portugal.
FONTE: AVENTURAS DA HISTÓRIA / Tiago Cordeiro

População de índios no Estado diminui 15% em uma década


Dados do Censo 2010 apontam que pessoas autodeclaradas indígenas representam 0,53% da população gaúcha

O número de índios que vivem no Rio Grande do Sul diminui em quase seis mil em 10 anos. A população indígena, que era de 38.718 em 2000, caiu para 32.989, em 2010, o que representa uma queda de 15,03%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 


Os dados preliminares, que fazem parte do Censo 2010, foram divulgados na manhã desta quarta-feira. São 5.729 indígenas a menos no Estado. 

As pessoas que se autodeclararam índios no levantamento do IBGE representam 0,53% da população gaúcha, que era de 10,7 milhões em 2010. O número de indígenas que vivem em Porto Alegre também diminuiu de 6.356, em 2000, para 3.308, em 2010. No período, houve diminuição na população de índios que vive em cidades, enquanto houve crescimento no campo. 

No total, os índios que vivem no RS representam 4,03% do total de índios do Brasil.

Ao todo, 817 mil pessoas se autodeclararam indígenas no Censo 2010, o que representa 0,4% da população nacional. Houve um crescimento no período 2000/2010 de 11,4% (84 mil pessoas). O aumento, entretanto, é bem menos expressivo do que observado no do período 1991/2000, que foi de aproximadamente 150% (440 mil pessoas).

Não foram alvo da pesquisa os povos indígenas brasileiros considerados "índios isolados". Segundo o Censo de 1991, em 34,5% dos municípios brasileiros residia pelo menos um indígena autodeclarado. No Censo de 2000, esse percentual cresceu para 63,5% e, de acordo com o Censo 2010, chegou a 80,5% dos municípios brasileiros.

Os resultados do Censo 2010 revelaram, em relação a 2000, um ritmo de crescimento anual de 1,1% para a população indígena. Na área urbana, o incremento foi negativo, correspondendo a uma redução de 68 mil pessoas, a maioria proveniente da região Sudeste. As pessoas que deixaram de se classificar como indígenas na área urbana podem não ter afinidade com seu povo de origem.

Mesmo com evidências de que os povos indígenas estivessem experimentando crescimento acelerado em função de altas taxas de fecundidade, os dados censitários de 2000 superaram as expectativas, com um ritmo de crescimento anual de 10,8% no período 1991/2000. Esse fato reflete o aumento do número de pessoas que, em 1991, se identificaram em outras categorias e que, em 2000, passaram a se identificar como indígenas.

O IBGE elaborou um documento especial e uma página em homenagem ao Dia do Índio, com análises e dados comparativos dos Censos de 1991, 2000 e 2010 acerca da distribuição espacial da população que se autodeclarou indígena.

FONTE: ZERO HORA

LEIA MAIS EM: Entre 1991 e 2010, população indígena se expandiu de 34,5% para 80,5% dos municípios do país

terça-feira, 17 de abril de 2012

Massacre de Eldorado dos Carajás: relatos da resistência de um povo


Ao se aproximar do local conhecido como “curva do S”, na rodovia PA-150, próximo à cidade de Eldorado dos Carajás (PA), é possível ver pneus com bandeiras vermelhas fincadas, alertando que ali ocorre uma atividade. Neste lugar, no dia 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores sem-terra foram assassinados em uma operação da Polícia Militar, quando protestavam na estrada. 

Em 2012, jovens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará relembram a data através do Acampamento Pedagógico da Juventude, entre os dias 7 a 17 deste mês. O “Massacre de Eldorado dos Carajás” completa 16 anos em 2012 sem punições de responsáveis, com conquistas dos trabalhadores na região e com a juventude sem-terra aprendendo com seus lutadores e mártires a importância da luta popular. 

Desde 2006 o Acampamento de jovens é realizado, como conta a integrante da direção estadual do MST, Maria Raimunda César. “Desde o Massacre de Eldorado dos Carajás fazemos um ato aqui na ‘curva do S’. Um momento de denúncia, de mobilização nacional e internacional em torno da impunidade no campo. E fomos sentido como que a gente transformava isso, um imaginário de luta, de continuidade dessa luta. Que não fosse um lugar que relembrasse a tristeza, mas que trouxesse à memória uma perspectiva de continuidade”. 

Segundo Maria Raimunda o acampamento tem o objetivo de lembrar e denunciar a violência contra os camponeses, mas também, construir a formação política e nutrir os sonhos e desejos da juventude. Ela conta que, nestes dias, os jovens sem-terra paraenses erguem seus próprios barracos de lona, se organizam para as tarefas e atividade, além de promoverem ações de denúncia no local. Em todos os dias do Acampamento, por volta das 17h horas, eles param os dois sentidos da rodovia por 19 minutos e realizam um protesto cultural, em memória daqueles que ali foram mortos. A atividade faz parte da Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, conhecida como Abril Vermelho. Juventude Sem Terra.

Um dos organizadores do Acampamento é o jovem dirigente estadual do MST, Cleiton Conceição Almeida. Filho de assentados do Assentamento Palmares, na cidade de Parauapebas, ele explica que muitas crianças que viveram a época do Massacre hoje são jovens. E que a intenção desse encontro é contribuir para a organização dessa nova geração de sem-terra, além de lembrar a história da região. “E também deixar viva a memória da luta. E, de certa forma, relembrar os companheiros que foram mortos nessa luta, que derramaram sangue para que hoje as pessoas tenham uma residência de qualidade, uma terra para poder trabalhar e tirar seu sustento dali”. Os temas que os jovens trabalham no encontro são distintos aos que veem na escola.Entre eles está a produção de alimentos saudáveis, com o combate ao uso de agrotóxicos e a favor da agroecologia. 

Simbologias 

Dois fortes símbolos das lutas e conquistas do local são o monumento em memória dos mártires e, também, o Assentamento 17 de abril. No local onde houve o massacre, 19 troncos de castanheira queimados, que vistos do alto formam o mapa do Brasil, foram erguidos em 1999 em homenagem aos que ali lutaram, como explica Raimunda.

 “Cada castanheira representa um companheiro tombado [na luta], mas também a natureza, que está sendo queimada a cada dia pelas grandes empresas, pelo latifúndio. Mesmo para nós que vivemos nessa região, que estamos aqui, sempre é muito forte passar pelo monumento das castanheiras, porque é o contato direto com essa realidade, essa materialidade da luta pela terra aqui na região”. 

O monumento das castanheiras foi idealizado pelos sem-terra do sudeste do Pará e desenhado por um artista plástico. Já o Assentamento 17 de abril, em Eldorado dos Carajás, é fruto da luta desses camponeses. O assentado na área e presidente da associação do local, Ildimar Rodrigues, conta que ali estão 690 casas e estruturas de quadra de esportes, luz elétrica, entre outros; além das plantações dos agricultores. 

Um dos orgulhos do local é a escola, construída em 2010, ela atende cerca de 1,1 mil alunos e vai até o 3º ano do ensino médio. Grande, bem cuidada e equipada, a escola recebe crianças e adolescentes do “17 de abril” e de assentamentos vizinhos. O seu nome “Oziel Alves Pereira, é uma homenagem ao jovem de 17 anos morto no massacre, como relata Rodrigues em meio a um grande quarteirão descampado onde será feita uma praça para a comunidade.

 “A nossa escola é chamada Oziel Alves Pereira, é um dos nossos militantes que tombou no dia do Massacre. Esse local onde nós estamos é para construir uma praça, Mártires de Abril vai se chamar a praça. Um Projeto de Lei foi enviado à Câmara Municipal, então são 19 ruas, são 19 nomes das pessoas que tombaram na ‘curva do S’. 

Os nomes das ruas em memória de cada um que morreu no massacre de Eldorado”. A principal produção do Assentamento 17 de abril é de gado leiteiro, além de outras atividades agrícolas dos moradores. 

Memória da cidade 

Na cidade de Eldorado dos Carajás, muitos dos habitantes atuais viviam ali quando o massacre ocorreu. Entre eles está a proprietária de uma pensão, Dona Derci, que vinda do estado de Goiás, decidiu nas terras paraense construir sua vida. Ela conta que nunca pensou em deixar Eldorado dos Carajás, com exceção de um único momento: o dia 17 de abril de 1996. Além de marcada na memória dos que por ali vivem e passam, esta também é a data em que se celebra o Dia Internacional de Luta pela Terra.

FONTE: MST OFICIAL

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quarta-feira, 11 de abril de 2012

Para que o Brasil não seja imperialista

Multiplicam-se laços com a África. É possível pensar numa relação descolonizada — ao contrário das mantidas por potências tradicionais e “emergentes”? 



As potências emergentes estão se mudando para a África. O papel da China no continente é amplamente examinado hoje em dia. O da Índia, ainda é um tema marginal, mas um número crescente de analistas passou a sistematicamente estudá-lo. O Brasil, por sua vez, é o novato, e bastante desconhecido, mas suas atividades suscitam cada vez mais interesse ao redor do mundo. Considerando-se que o Brasil não precisa importar energia nem alimentos (fatores de motivação importantes tanto para a China quanto para a Índia), quais são seus interesses na África?
Além do fato de terem sido ligados pela geografia há milhões de anos (o Brasil e a África formavam o continente único Gondwana, como atestam os formatos dos litorais do Brasil e da África Ocidental), o comércio escravagista transatlântico, abolido em 1888, criou uma conexão cultural forte e irreversível entre a África e o Brasil. Foram levados mais escravos ao Brasil do que a qualquer outro país no hemisfério ocidental, incluindo os Estados Unidos. O Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) estabeleceu as bases para diversificar as parcerias brasileiras após o fim da Guerra Fria, mas foi o Presidente Lula (2003-2010) que fez da África uma prioridade estratégica (como parte de uma estratégia mais ampla para fortalecer a cooperação Sul-Sul). Embora algumas de suas muitas viagens à África possam ter produzido poucos benefícios concretos, os esforços serviram ao objetivo maior de colocar o Brasil na posição de líder do Sul. Mesmo os críticos de Lula admitem hoje que a posição brasileira na África teve um impulso sem precedentes.
O Presidente fez 12 viagens à África e visitou 21 países. Na direção contrária, o Brasil recebeu 47 visitas de reis, presidentes e primeiros-ministros de 27 nações africanas. O então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, fez 67 visitas oficiais a 34 países africanos, durante sua gestão no governo Lula. O Brasil tem, hoje, 37 embaixadas na África, comparadas com as 17 existentes em 2002.
Mas o que pode oferecer o Brasil à África comparado, com outros atores emergentes como a China e a Índia? A primeira coisa que vem à mente é a experiência brasileira em agricultura tropical. A agricultura brasileira não é apenas a mais produtiva do mundo, mas as condições similares de solo e de clima permitiram à empresa nacional de pesquisa agropecuária, Embrapa, ajudar nações africanas a impulsionarem seu desenvolvimento agrícola. Além disso, políticas sociais inovadoras (tais como o programa Bolsa Família) foram replicadas em vários países africanos. O Brasil não é apenas atraente para a África no sentido de ser o único país dos BRICS a ter uma população africana de peso. Também  é a única potência emergente capaz de reduzir a desigualdade socioeconômica no plano doméstico, aumentando, dessa maneira, a estabilidade social.
Nova China?: As similaridades entre as estratégias da Índia e da China na África provavelmente superam as diferenças. Ambas baseiam-se, entre outras coisas, em suas necessidades de assegurar o acesso a commodities, para abastecer sua ascensão. Ambas desejam usar a agricultura africana para garantir a segurança alimentar no plano doméstico. Mas qual é o caso do Brasil? O gigante emergente da América do Sul é frequentemente alinhado com a China e a Índia em questões importantes, tais como a não-intervenção e em sua resistência a uma “abordagem ocidental”, que enfatiza a importância de “boa governança”.
As empresas brasileiras na África buscam distinguir-se de suas contrapartes chinesas, por exemplo, ao empregar e treinar trabalhadores locais. É o caso da Odebrecht, maior empregador privado da Angola, mesmo com a presença de muitas grandes firmas chinesas no país. Não obstante o aumento do comércio brasileiro com a África entre 2000 e 2010, de US$ 4 bilhões para US$ 20 bilhões, sua presença permanece bem menor que a da China (cujo fluxo comercial com a África em 2011 excedeu os US$ 110 bilhões), o que torna difícil fazer comparações mais significativas.
Embora a estratégia do Brasil de focar primeiro na África lusófona (Angola e Moçambique, entre outros) seja muitas vezes retratada como astuta, essa pode também ser a maior fraqueza do país. Parece reduzir a necessidade das empresas e do governo brasileiros de se adaptarem a países não lusófonos, contratando funcionários fluentes em inglês, francês e árabe. Quando, em debate aberto, um embaixador brasileiro recentemente indicou as barreiras linguísticas enfrentadas em países como o Sudão ou a Costa do Marfim, os participantes da conversa não puderam deixar de reconhecer quão pouco a China parece se importar com tais fatores limitantes, tendo estabelecido uma forte presença em todos os países, apesar de barreiras linguísticas significativas e da quase completa falta de laços culturais entre a África e a China.
O novo papel como doador de ajuda está relacionado à presença econômica crescente do Brasil no continente africano. Mas tal como outros doadores emergentes, como a Índia e a China, o país busca ir além da interação tradicional entre doadores e receptores, e almeja uma troca entre atores “iguais”, com responsabilidades e benefícios mútuos. Desde 2005, os projetos de desenvolvimento brasileiros são uma parte essencial da estratégia na África. Após um breve período tanto recebendo quando enviando ajuda, os doadores do norte estão agora deixando de fornecer ajuda ao Brasil —  que, tudo indica, já não é mais visto como um país em desenvolvimento.
O Brasil (juntamente com a Índia e a China) se limitará apenas a mudar algumas regras, isto é, a diluir as condicionalidades do regime de ajuda internacional? Ou buscará desfazer alguns dos princípios organizadores mais básicos do atual regime de ajuda ao desenvolvimento? Doadores emergentes terminarão por adotar a posição da OCDE ou, como diz Ikenberry, “veremos as potências emergentes usar seu novo status para seguir visões alternativas da ordem mundial”? Ao tentar entender se doadores emergentes como o Brasil representam um desafio sério ao regime existente de ajuda, um regime que eles frequentemente descrevem como injusto, antiquado e dominado por antigas potências coloniais, a evidência, por enquanto, parece inconclusiva.
O Brasil é ávido por assumir maior responsabilidade em instituições tais como o Banco Mundial, mas rejeita pilares-chaves do regime como a Declaração de Paris sobre a Efetividade da Ajuda. Ao mesmo tempo, assinou a Iniciativa de Doação de Bem Humanitário, ao contrário da maioria dos “doadores emergentes”. É necessário estudar mais a questão para entender melhor qual será a estratégia do Brasil à medida que emerge como um ator importante no regime global de ajuda (incluindo a ajuda humanitária).
Enquanto isso, o país deve procurar superar os obstáculos práticos que impedem os laços Brasil-África de prosperarem. Os investimentos brasileiros na África são altamente concentrados em mineração, petróleo e gás, e infraestrutura, liderados por um número pequeno de grandes atores: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Petrobrás, Queiroz Galvão e Vale. Essas empresas têm acesso direto aos governos e a capacidade de lidar com barreiras burocráticas, ao passo que pequenas e médias empresas são excluídas.
A logística também é importante: há apenas uma conexão aérea direta entre o Brasil e o continente africano (entre São Paulo e Joannesburgo). A maioria dos viajantes brasileiros com destinos na África Central, Ocidental ou Oriental deve primeiro passar por Paris, Frankfurt ou Dubai. Contudo, um voo direto de Lagos a Recife não levaria mais que quatro horas e meia. A decisão do governo de impulsionar sua presença diplomática na África tem ajudado muito as empresas brasileiras com investimentos no continente (uma estratégia que o Brasil estranhamente deixou de seguir na China).
Ao passo que cresça a presença econômica do Brasil na África, a maneira como os africanos veem o Brasil irá, inevitavelmente, mudar. Embora a presença ainda seja muito menor de que a da Índia ou da China, o país precisa tomar cuidado para evitar alguns dos erros cometidos pelos chineses, que correm o risco de enfrentar retrocessos regionais. Há evidências anedóticas de que os brasileiros são benquistos em toda a África. Agora, o desafio é assegurar que, apesar de investimentos cada vez maiores – tais como o acordo de US$ 1 bilhão recentemente assinado pela Vale, para construir uma ferrovia em Malawi para transporte de carvão para Moçambique – o Brasil continue a ser visto como um parceiro, e não como um novo colonizador que busca apenas explorar os recursos continentais africanos.
FONTE: outras palavras / Oliver Stuenkel, editor de POST-WESTERN WORLD

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Nação cidadã: O processo de consolidação da democracia no Brasil


Do Império às eleições deste ano, a trajetória da democracia

 alcançou agora o auge na história do Brasil. 

Mas quais as chances reais de que

 essa fase não seja um mais um breve

 intervalo entre longos períodos de ditadura?


Da última vez que o Brasil perdeu para a Holanda em uma Copa do Mundo, em 1974 (antes do fracasso na África do Sul), apenas 476 brasileiros (dos mais de 100 milhões então) votaram para presidente da República. Os privilegiados faziam parte de um colégio eleitoral montado pelo governo militar para garantir a posse de mais um general no poder, Ernesto Geisel, eleito com 400 votos, contra 76 dados a Ulisses Guimarães, do MDB, que se lançou como "anticandidato" para marcar (o)posição. Hoje, mais de 135 milhões de brasileiros podem votar para presidente, o que faz do país a terceira maior democracia do planeta. E não é apenas a multiplicação do eleitorado em 284 mil vezes que impressiona. "Outros pontos básicos, como as liberdades de expressão e de organização e a capacidade de resolver conflitos por meio das instituições, parecem consolidados", diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, da USP. "No período democrático anterior, entre 1946 e 1964, havia a constante ameaça de golpe militar."


O Brasil completa seu primeiro quarto de século ininterrupto como uma democracia de massas. Será que, agora, ela é um caminho sem volta? Para o historiador José Murilo de Carvalho, autor de Cidadania no Brasil, trata-se de um longo (e ainda incompleto) caminho, cheio de desvios, retornos e surpresas. Caminho que, curiosamente, começa após a Independência, com uma Constituição imposta pelo primeiro imperador nacional.



O Brasil independente e o voto

Não se fala propriamente em democracia na Colônia nem no Brasil Imperial, claro, uma vez que reis e imperadores não são eleitos. Eleições para certos cargos, como o equivalente ao de vereador, até ocorriam no período colonial, mas a autoridade máxima era a Metrópole portuguesa (embora, na prática houvesse certa autonomia, especialmente nas áreas menos povoadas). Mesmo após a Independência, dom Pedro I criou o chamado Poder Moderador para que não corresse o risco de ser uma figura decorativa. Enquanto na maioria das monarquias constitucionais prevalece a máxima de que o monarca reina, mas não governa, no Brasil o imperador escolhia os ministros, o primeiro-ministro e os presidentes provinciais (posto equivalente ao de governador de estado). Falar em cidadania antes do fim da escravidão é um contrasenso. Ainda assim, historiadores admitem que, na observação dos direitos políticos, a Constituição imposta em 1824 foi, em muitos aspectos, mais inclusiva no acesso ao voto do que viria a ser, por exemplo, a de 1891, a primeira republicana.

Podiam votar todos os homens de 25 anos ou mais que tivessem a renda mínima de 100 mil réis. A eleição era indireta: um grupo de votantes escolhia os eleitores que elegiam os representantes. Apesar, ainda, da exclusão de mulheres e escravos (milhões de pessoas), a situação no Brasil era melhor do que a de muitos países considerados avançados: 13% da população (descontados os escravos), em 1872, votaram. Na mesma época, eram 7% na Inglaterra, 2% na Itália e 9% em Portugal. No quesito "qualidade" do voto, porém, a coisa mudava de figura. Somente 15 em cada 100 eleitores sabiam ler e escrever e 90% viviam em áreas rurais, onde seus votos eram controlados por grandes latifundiários. Estes eram quase sempre comandantes da Guarda Nacional, o que soava ainda mais ameaçador para quem quisesse pensar diferente do mandachuva local. Nessas condições, não é de estranhar que as eleições fossem tumultuadas e violentas, lideradas frequentemente por três personagens: o capanga, o cabalista e o fósforo. A função do capanga, que sobrevive até hoje em alguns rincões do país, era proteger seu candidato e ameaçar os adversários. Os mais eficientes conseguiam fazer com que os eleitores dos concorrentes não saíssem de casa para votar. Ao cabalista cabia manter os eleitores reunidos, em geral com a oferta de comes e bebes, em um único local até a hora do voto - para garantir que eles não "mudassem de lado". Como muitas dessas reuniões festivas ocorriam em currais nas fazendas, vem daí a expressão "curral eleitoral". E, finalmente, havia a figura do fósforo, o sujeito que fraudava as eleições se apresentando falsamente em nome do maior número possível de eleitores, aproveitando-se dos sistemas precários de identificação. E, mesmo quando nenhuma dessas três figuras atrapalhava o pleito, isso não garantia que ele fosse limpo, já que eram frequentes atas redigidas como se tudo tivesse ocorrido normalmente nas fraudulentas votações "a bico de pena". Era possível, então, eleger vereador, juiz de paz, deputado e senador.

Em 1881, porém, uma nova lei restringiu ainda mais o número de eleitores. Apesar de ter eliminado anacronismos como a eleição indireta, novas exigências quanto à comprovação de renda e a exclusão dos analfabetos colocaram de fora, de uma só vez, 90% do eleitorado. A participação da população masculina que votava caiu para 0,8% nas eleições de 1886. Restava esperar que a República, proclamada três anos depois, pudesse ampliar a participação no processo eleitoral. Porém não foi exatamente isso o que aconteceu.

República sem povo

Proclamada por militares insatisfeitos com o tratamento dado aos quartéis - aliados a proprietários rurais sem compromissos com a monarquia pós-abolição -, a República deu início a uma prática recorrente no Brasil: a tomada do poder pelos militares em momentos de crise. Apesar da retórica democrática do novo regime, ele pouco mudou em termos de participação popular. Na primeira eleição para a Presidência da República, em 1894, votou apenas 2,2% da população, bem menos do que no pleito de 1872. Pode-se dizer, ainda, que em vários períodos republicanos houve menos liberdade de expressão do que no Segundo Reinado (dom Pedro II, por exemplo, não censurava a imprensa).

De qualquer forma, a República permitiu a eleição do chefe de Estado e de Governo e dos presidentes dos estados, descentralizando o poder. Com o tempo, isso favoreceu as elites locais, agrupadas em partidos únicos para bloquear a oposição. A aliança entre oligarquias estaduais definiu a política até 1930. Também conhecida como República Velha ou Café com Leite, ela manteve as fraudes, os capangas, os currais e o domínio dos "coronéis", os proprietários rurais chamados assim mesmo após o fim da Guarda Nacional, em 1918. Quando ficou claro que a República não foi um grande salto democrático, a insatisfação, de novo, seria liderada nos quartéis, dessa vez por tenentes que também representavam os interesses da classe média urbana. Quando o candidato desse grupo, Getúlio Vargas, foi derrotado pelo governista Julio Prestes, sob a suspeita de fraude, pouca gente desconfiava que algo iria mudar no país. Até que uma série de eventos (como o crash de 1929 e o assassinato do governador da Paraíba, João Pessoa) precipitou a Revolução de 1930 e colocou Vargas no poder. Mais uma vez, a democracia seria adiada.

Entre ditaduras e eleições

Do ponto de vista dos direitos sociais, o governo Vargas foi um marco positivo. Implantou uma série de leis para proteger os trabalhadores, como a regulamentação da jornada de oito horas e as caixas de previdência. Sobre os direitos políticos, porém, tudo é diferente. Getúlio deu um golpe em 1937, proclamou uma nova constituição e governou como ditador até 1945, colocando na prisão quem discordava dele. A imprensa era censurada e cooptada. Somente após a Segunda Guerra o país viveria, enfim, o que seria considerado seu primeiro período democrático. Em 1945, foram realizadas eleições para presidente e para uma nova Assembleia Constituinte. A liberdade de imprensa e a de organização política foram restabelecidas e adotadas eleições regulares para presidente, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores.

Dessa vez, poderiam votar homens e mulheres acima de 18 anos. A exclusão do voto do analfabeto, porém, permaneceu. Ainda assim, a participação da população na política cresceu significativamente. Em 1930, os votantes não passavam de 5,6% da população. Na eleição de 1945, chegaram a 13,4%, em 1950, já foram 15,9% às urnas e, em 1960, 18%. Mas, a partir do retorno de Vargas ao poder, em 1950 (agora eleito), o acirramento da disputa entre seu grupo e o da oposição (encabeçada por Carlos Lacerda, da UDN) criou um clima de instabilidade que colocaria novamente os militares em alerta.

Após o suicídio de Vargas, em 1954, os dez anos seguintes foram marcados por constantes ameaças de golpe. Em 1955, a posse do presidente Juscelino Kubitschek foi assegurada por uma intervenção do ministro da guerra, o general Henrique Lott. Quando o sucessor de JK, Jânio Quadros, renunciou meses após tomar posse, em 1961, abriu-se nova crise. Os quartéis não aceitavam que o vice-presidente, João Goulart, assumisse o governo. Um arranjo casuísta implantou o parlamentarismo para que ele fosse só primeiro-ministro. Após um plebiscito realizado em 1963, Jango foi reempossado presidente e governou até março de 1964, quando um novo golpe militar encerrou mais uma vez a democracia no país.



A esperada redemocratização

O general Castelo Branco tomou posse prometendo restabelecer logo a democracia. O resto da história é sabido: a ditadura durou duas décadas. Houve eleições diretas para vereador, deputados, senadores e governadores. Mas, até a escolha de Tancredo Neves, em 1985, foram seis "eleições" indiretas para presidente. As duas primeiras, que elegeram Castelo Branco e Costa e Silva, se deram pelos votos do Congresso Nacional (descontados todos os políticos cassados). Com a Constituição de 1967 (imposta e não votada), criou-se um Colégio Eleitoral de delegados e integrantes do Congresso para escolher o presidente, que funcionou a partir de 1974, quando Geisel venceu (e o Brasil perdeu da Holanda).

O próprio Geisel deu início à abertura "lenta e gradual" até que um civil pudesse dirigir a nação. Milhões de pessoas foram às ruas exigir as Diretas Já - pelo direito de eleger o presidente, entre outras demandas. Mesmo após a sua rejeição, a pressão popular fez com que Tancredo fosse eleito pelo Congresso (contra Paulo Maluf) para suceder o general João Batista Figueiredo. A morte do escolhido fez José Sarney presidente.

A Constituição de 1988 confirmou o voto a todos os brasileiros acima dos 18 anos (inclusive analfabetos) e tornou facultativa a participação dos jovens acima dos 16. No ano seguinte, mais de 82 milhões de eleitores puderam votar à Presidência. E milhares saíram às ruas, em 1992, para exigir o impeachment do eleito Fernando Collor. "Foi um teste de maturidade democrática pelo qual o país passou sem grandes traumas", afirma Ribeiro.

De lá para cá, o eleitorado saltou para mais de 135 milhões. Mas a expansão do voto garante que a democracia esteja assegurada? "Já estamos numa fase de aperfeiçoamento", diz Luciana Gross, cientista política da FGV. A criação de instituições como o Conselho Nacional de Justiça seria um exemplo dessa etapa, juntamente com mudanças que nascem da iniciativa popular, como a lei que veta a eleição de políticos condenados por tribunais colegiados (Ficha Limpa).

Não se pode afirmar com certeza se uma democracia está ou não consolidada a não ser se comparada ao regime de outros países democráticos, diz a cientista política Maria Tereza Sadek, da USP. Segundo ela, apesar da evolução dos direitos políticos, o Brasil está longe dos padrões aceitáveis de democratização por problemas como a desigualdade social e a baixa escolaridade - o que impede o exercício pleno e consciente dos direitos políticos. Ainda assim, ela e a maioria dos analistas não identificam no horizonte o risco de um novo golpe militar. Até porque, diferentemente de outros períodos, as lideranças militares não se confundem mais com as políticas (nas décadas de 1940 e 50, por exemplo, o general Dutra e o brigadeiro Lott disputavam o voto para presidente). A ameaça por aqui, avaliam, surgiria da ascensão de algum grupo autoritário, disposto a "reformar a Constituição", o que não desponta hoje na cena política. Ou seja: mantida a atual tendência, vai ser cada vez mais difícil culpar alguém pelo respeito ou não das regras do jogo democrático. Tudo indica que a maior parte da responsabilidade pelo futuro da democracia está mesmo nas mãos dos 135 milhões de brasileiros em ação nas urnas este ano.

"É a economia, estúpido!"


A relação entre estabilidade política e econômica

Toda vez que um presidente é bem avaliado nos Estados Unidos, logo saca-se a máxima acima, ou seja, a de que, quando a economia vai bem, todo o governo passa a ser bem avaliado. A mesma leitura se aplica aqui? Qual o peso do fim das altas taxas de inflação no Brasil para a estabilidade política do país? Apesar de não existir uma relação científica direta entre democracia e pujança econômica (no início da década de 1970, em pleno regime de exceção, por exemplo, o Brasil viveu o chamado Milagre Econômico), pode-se afirmar que as crises no bolso do eleitor são sempre um prato cheio para a ascensão de grupos autoritários. Após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, regimes autoritários ascenderam em vários países do mundo, inclusive aqui. "No fundo, trata-se de um ciclo virtuoso", diz o filósofo Renato Janine Ribeiro. "A democracia é fortalecida pela estabilidade econômica, assim como a economia é fortalecida pela democracia." Ele lembra que, não fosse pelo arranjo político democrático construído pós-impeachment, em 1993, durante o governo Itamar, por exemplo, um plano econômico como o Real talvez não tivesse condições de ser implantado.



A duras penas


A lenta conquista de direitos políticos no País


1500 - Colônia

Primeiras eleições

A estreia foi em 1532, para o conselho da vila de São Vicente. O voto era definido por posição social, renda e idade, restrito a homens, mas incorporava os analfabetos. 

1822 - Império

Lei Saraiva

Em 1881, o decreto aumentou a renda mínima dos eleitores de 100 mil para 200 mil réis e adotou a eleição direta para certos cargos, como vereador. Mas, em seguida, os analfabetos foram excluídos.

1889 - Rep. Velha

Republicanos

A Constituição de 1891 confirma a redução da idade mínima para votar (de 25 para 21 anos). Cai a exigência de renda e a eleição direta passou a vigorar para todos os cargos. As elites faziam valer o voto de cabresto.

1930 - Era Vargas

Inclusão

As mulheres podem ir às urnas e se eleger desde 1932. Na mesma época, o voto torna-se obrigatório, com idade mínima de 18 anos. Os analfabetos foram incluídos em 1985.

1945 - Transição democratica

Fraudes

A partir dos anos 1950, medidas como a adoção do voto secreto reduzem as fraudes. A Justiça Eleitoral existia desde os anos 1930. As urnas eletrônicas surgem em 1996.

1964 - Ditadura militar


1985 - Nova República


Saiba mais


Livros

Cidadania no Brasil - O Longo Caminho, José Murilo de Carvalho, Civilização Brasileira, 2008.

Ótimo guia sobre a saga dos direitos políticos, civis e sociais.

Sistema Político Brasileiro: Uma Introdução, Lúcia Avelar e Antônio Cintra (orgs.), Editora Unesp, 2007.

Coletânea de artigos. Destaque para o papel dos militares.

Dicionário do Voto, Walter Costa Porto, UNB, 2000.


Verbetes sobre o processo eleitoral brasileiro.

FONTE: Aventuras na História / Rodrigo Cavalcante